28 de nov. de 2008

O caminho das rosas até a sua casa

CONSUMO
O 'Estado' percorreu toda a rota de produção e distribuição das flores que chegam a SP, a partir de Holambra

Sexta-feira, 9h45. Quando a advogada Patrícia Neves chegou ao trabalho, no Morumbi, foi surpreendida com um ramalhete de rosas vermelhas. O cartão trazia cumprimentos pelo seu aniversário de 28 anos. Mimo de suas colegas de empresa, foi um dos 3 mil buquês vendidos naquele dia na cidade.

Desnecessário dizer que Patrícia ficou feliz com o presente. É claro que na hora jamais passaria por sua cabeça o tamanho do trajeto percorrido pelas rosas até as suas mãos. Mas o caminho foi longo.

Em Holambra, a 120 quilômetros da capital, há cerca de 240 produtores de flores. Na maioria, descendentes dos holandeses que fundaram a cidade, em 1948. Holambra é conhecida pelo cultivo de plantas ornamentais. As rosas que Patrícia ganhou, da variedade vegas, saíram de uma das três fazendas dos irmãos Van Rooijen.

É Bernardo Van Rooijen, o Benny, quem conta como funciona a produção. Após o plantio da muda, uma roseira demora um ano para começar a dar flores. Cada hectare de terra comporta de 40 mil a 60 mil pés. Em média, uma roseira produz uma rosa a cada quatro dias e tem vida útil de cinco anos.

A propriedade de Benny emprega 70 funcionários que ganham por volta de R$ 600 por mês - além de moradia, já que ali há casas para os empregados. Fazem de tudo: plantam, podam, adubam, pulverizam venenos, colhem, classificam e embalam.

Silvana Pantaleão e Marina Aparecida estavam na colheita quando receberam a reportagem do Estado. É uma cena poética. Andam pelos corredores entre as roseiras cortando os ramos mais bem formados e, quando terminam a fileira, têm nos braços um ramalhete bruto. Que é depositado em um balde com água, para depois ser recolhido por um trator com carretinha.

Silvana não tem idéia de quantas rosas colhe por dia. Fica feliz nos fins de semana, “quando a gente pode levar umas para enfeitar a casa”. Marina não se esquece da única vez na vida que ganhou um buquê. Foi do marido, há exatamente uma década. “Era meu aniversário de 27 anos”, lembra. Na época, ela já trabalhava no cultivo de flores.

Toda a colheita é levada para um barracão, onde funcionários aparam os caules das plantas e as embalam - as feinhas são descartadas. Depois, tudo é guardado em uma câmara fria, dentro da qual a temperatura beira os 5°C. À tardinha, um caminhão passa recolhendo a produção. Na manhã seguinte, às 6 horas, haverá mais um leilão.

POR ATACADO
Logo na entrada, a placa anuncia. Veiling significa leilão, em holandês. É o coração comercial da região. Numa área de 93 mil metros quadrados funciona uma estrutura européia, copiada da Holanda, de venda atacadista. Trezentos produtores da região são associados e escoam suas mercadorias por ali. Os leilões ocorrem diariamente, das 6 às 10 horas. Vai gente do Brasil todo para comprar. Só no ano passado, o veiling comercializou 188 milhões de plantas e movimentou R$ 208,7 milhões.

Trata-se de um sistema eletrônico, caótico como uma bolsa de valores. Cada lote é vendido em impressionante 1,8 segundo. Dois leiloeiros anunciam as mercadorias ao mesmo tempo, no auditório onde ficam os compradores. É um leilão invertido. O valor começa alto e vai caindo, até surgir um interessado.

Na quarta-feira, estavam no martelo as flores colhidas na terça. Entre as compras do empresário Alipio Artuzi, destacavam-se 960 rosas produzidas em uma das fazendas dos Van Rooijen. Cada uma custou R$ 0,38.

“O preço ideal para o produtor seria de pelo menos R$ 0,50”, reclama Benny. “Nosso custo ultrapassa os R$ 0,30.” Mas ele concorda que basta um mês bom para compensar aqueles em que os preços não estão, assim, um mar de rosas. Próximo ao Dia das Mães, a unidade chega a valer R$ 0,90.

Alipio trouxe as mercadorias para a capital ainda na quarta. Aos 43 anos, é considerado um bem-sucedido empresário do ramo. Desde os 14 trabalha com flores - já plantou, vendeu e, em 1991, abriu sua empresa, a Milplantas. “Nunca canso de ver uma flor bonita”, sorri. Vai pessoalmente ao veiling, três vezes por semana. Em São Paulo, vende tanto em sua loja como na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), ambas na Vila Leopoldina, zona oeste. Há duas grandes feiras de flores na Ceagesp, às terças e sextas. Até 8 mil pessoas costumam freqüentá-las, atendidas por pouco mais de mil fornecedores.

FLORES PONTO COM
A manhãzinha ainda estava escura às 6 horas de sexta-feira quando a empresária Fatima Casarini foi às compras na Ceagesp. Acompanha todos os passos de seu negócio - compra as flores, revisa os arranjos e libera as entregas. A Flores Online foi uma sacada de seus filhos, que em 1998 sugeriram à mãe criar a primeira floricultura virtual brasileira. Deu certo. No ano passado, a empresa fez 120 mil entregas.

Na Ceagesp, Fatima conhece os atacadistas pelo nome. Reclama quando algum não traz o que ela precisa e sai distribuindo vales a cada negócio que fecha - depois esses papeizinhos são trocados por dinheiro em sua empresa. No box de Alipio, comprou aquelas rosas vermelhas. Cada uma custou R$ 1,10. As mercadorias são carregadas por profissionais sindicalizados, todos de uniforme amarelo. Há quatro anos, Cícero dos Santos é o carregador oficial de Fatima. Cobra R$ 15 o carreto - o preço é tabelado.

BUQUÊ
Às 7h30, as mercadorias chegam ao ateliê da floricultura. Ali, os 90 funcionários trabalham quase em linha de produção. Em 20 minutos, as rosas vermelhas viram um belo arranjo. Trabalho pronto, hora da entrega. O buquê recebido por Patrícia, a advogada do começo da história, custa R$ 79. Daqui a menos de duas semanas terão seu fim natural. As que eram belas vão se tornar podres. E irão para a lata de lixo. Até o fechamento desta reportagem, porém, suas 18 rosas vermelhas iam bem, obrigadas.


Domingo, 31 agosto de 2008

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