30 de abr. de 2009

Histórias de mesas centenárias

GASTRONOMIA
Em quatro capitais, os destaques de restaurantes que estão na terceira geração dos dois lados do balcão

Aos amantes da boa e velha - principalmente velha - gastronomia, São Paulo, Porto Alegre, Rio e Recife reservam estabelecimentos cujas histórias têm mais de 100 anos. Em geral, esses restaurantes conservam no cardápio pratos que os consagraram, como o fusili ao sugo e o cabrito ensopado da Cantina Capuano, inaugurada em 1907 na capital paulista; ou a sopa Leão Velloso, do Rio Minho, aberto em 1884 no Rio. A capital fluminense tem 12 casas centenárias no cardápio.

Há também um rol de curiosidades. O restaurante mais antigo de Porto Alegre, por exemplo, é de 1889, mas, até os anos 30, era restrito aos imigrantes alemães. Eles costumavam se reunir para confraternizações sob as bênçãos de Gambrinus - daí o nome do estabelecimento -, o deus dos cervejeiros.

O Leite, do Recife, é o mais antigo restaurante em funcionamento ininterrupto do Brasil. Aberto em 1882, já teve em suas mesas figuras como o jornalista Assis Chateaubriand, o sociólogo Gilberto Freyre, os presidente João Goulart e Jânio Quadros e o filósofo Jean Paul Sartre.

Em comum, todos esses restaurantes foram testemunhas de fragmentos da história de suas cidades - e, por consequência, do País. Ainda que tenha sido no intervalo para o almoço.

São Paulo:
Uma tradição que passou de italiano para italiano
Com um pouco de sorte, quem vai à Cantina Capuano nas noites de sábado pode apreciar uma exibição de música italiana ao som de clarinete e bandolim, executados pelo proprietário da casa, Angelo Mariano Luisi, de 89 anos. "Não é sempre, pois ele precisa estar disposto", avisa seu genro, Donato Rapolli. A administração do negócio, atualmente, é dividida entre as duas filhas de Luisi - Teresa e Elisabetta - e os maridos - Donato e Cosmo.

Fundada em 1907 pelo italiano Francisco Capuano, a cantina é considerada o mais antigo restaurante em funcionamento ininterrupto da cidade - o Carlino, aberto em 1881, ficou fechado durante três anos. O ex-proprietário tinha o hábito de fechar as portas da casa às 20 horas, não importando quem ficasse de fora. Servia o jantar e às 22 horas batia num ferro para mandar o pessoal embora.

Também italiano, Luisi veio ao Brasil em 1949. Trabalhou em papelaria e como músico. "Em 1960, estava em uma festa e soube que o Capuano queria vender sua cantina para voltar à Itália", conta, com carregado sotaque. "Então, comprei." Ele conta que, um ano depois, o antigo proprietário retornou e tentou comprar o restaurante de volta. Não teve negócio.

"Não sou cozinheiro, mas me adaptei bem", afirma ele. Até a morte, três anos atrás, quem comandava as panelas era a "patroa" - como ele diz, referindo-se à mulher, Angela. "Além de minhas filhas e genros, só temos um funcionário hoje", diz. "Um, só."

Quando foi fundada, a cantina funcionava na Rua Major Diogo, no Bexiga. Em 1968, se mudou para o endereço atual, na Rua Conselheiro Carrão, 416, no mesmo bairro.

Entre os pratos servidos ali, constam itens que, segundo Luisi, seguem as receitas de Francisco Capuano. "A brachola, o cabrito ensopado e o que não pode faltar: o fusili feito à mão ao molho sugo", enumera. O que mudou? As toalhas de papel foram substituídas pelas de pano. E não tem essa mais de mandar todo mundo embora às 22 horas. "Ficamos abertos até o último cliente", garante.

Porto Alegre:
A internet divulga, mas as comandas continuam de papel

Aos 120 anos, o Bar Restaurante Gambrinus guarda histórias de Porto Alegre e, ao mesmo tempo, conquista clientes de muitos lugares do mundo graças à modernidade. "Os sites de busca nos ajudam", reconhece o administrador João Alberto Cruz de Melo, de 30 anos, depois de constatar que a presença de forasteiros se multiplicou nos últimos anos. Os computadores, no entanto, não entraram no Gambrinus. As comandas para a cozinha e as contas para os clientes são exibidas no papel, anotadas com caneta. "É para manter o ambiente tradicional", justifica.

O Gambrinus tem dois ambientes e pode acolher 120 pessoas ao mesmo tempo. Um está no pátio interno do Mercado Público, cercado de floreiras. O outro, dentro do prédio, guarda resquícios da história. Numa das paredes, parte do reboco foi retirado para que os clientes possam observar o muro original, talvez erguido por escravos. Num canto, suspensa, está a cadeira na qual Francisco Alves, o rei da voz, sentava quando ia tomar a sopa da madrugada. A relíquia, na verdade, não é do Gambrinus, mas do Treviso, vizinho que fechou nos anos 80, e está exposta mais como lembrança do mercado do que do local. Além dela, há lustres e objetos do início do século 20 espalhados pelo salão.

O restaurante não teve sempre as mesmas características. Da fundação até os anos 30, era um espaço do Mercado Público cedido pela Intendência Municipal para confraternização de imigrantes alemães que diziam se reunir sob as bênçãos de Gambrinus, o protetor dos cervejeiros. Foi quando o casal de sobrenome Muller, que preparava as comilanças para a confraria, passou a abrir as portas também para o público, dando início ao período comercial da casa. Alguns anos depois, o restaurante passou para uma família italiana e, em 1964, foi adquirido pelos portugueses Antônio Dias de Melo, filho, e João Melo, pai. Em pouco tempo, João, irmão de Antônio, também entrou na sociedade. Agora, a administração segue sob comando da família, estando atualmente nas mãos da terceira geração.

Rio:
Entre idas e vindas, 12 que viraram roteiro turístico

No Rio, 12 bares e restaurantes centenários sobrevivem. O passeio por eles começa por um prédio de paredes descascadas e decoração ultrapassada. "Minha casa não é bonita. Mas tudo tem qualidade. Sem isso não passo", diz o espanhol Ramon Dominguez, de 66 anos, que em 1959 trocou a Galiza pelo Rio. Desde 1982 ele é proprietário do Rio Minho, na Praça XV, fundado em 1884. Ali eram servidos principalmente caldos quentes. No início do século 20, o restaurante caiu nas graças do Barão do Rio Branco - que tem foto, busto e cadeira que usava preservados por Dominguez. A sopa Leão Velloso, criada na cozinha do Rio Minho pelo embaixador que acabaria por batizar o prato, leva quatro horas para chegar ao ponto certo. Saem 60 litros por dia.

Os sócios do Aurora, fundado em Botafogo em 1898, também mantêm a tradição. "É quase um estatuto nosso: servimos porções generosas e cobramos um preço mais justo", diz Rodrigo Marques, que toca o negócio com o pai, Amílcar Marques, e o primo Marcelo Sereno.

Nem todos os centenários conseguiram ficar no mesmo endereço. O Capela, de 1903, teve de trocar o Largo da Lapa pela Rua Mem de Sá, por causa da abertura da Avenida República do Chile, em 1967. A Uisqueria Bico Doce, de 1895, deixou a Rua do Rosário, 74, no centro, por conta dos altos custos do imóvel. Mudou-se para o 76, na mesma rua. O Lamas (na foto) funcionou no Largo do Machado por 102 anos, até ser despejado para dar passagem ao metrô. Faz 33 anos que está no Flamengo, na zona sul. As confeitarias mais antigas da cidade - a Casa Cavé, de 1860, e a Colombo, de 1894 - se adaptaram aos novos tempos, respondendo à concorrência da comida a quilo com pratos executivos. A Colombo, com sua arquitetura art nouveau, é um dos dez pontos turísticos mais visitados do Rio. Dois dos centenários servem culinária alemã: o Bar Luiz, que surgiu como Zum Schlauch, em 1894; e o Bar Brasil, de 1907.

A volta pelas casas centenárias termina por Albamar (1906), Casa Paladino (1907) e Leiteria Mineira (1907).

Recife:
O mais antigo em funcionamento no Brasil

Fica na Praça Joaquim Nabuco, área central do Recife, o mais antigo restaurante em funcionamento ininterrupto do Brasil. O Leite foi inaugurado em 1882 e atravessou fases de glória e declínio, sabendo se transformar sem perder as características. Cento e vinte e sete anos depois de fundado pelo português Armando Manoel Leite - daí o seu nome -, o restaurante está prestes a se submeter a mais uma reforma interna - na qual está prevista a instalação de uma galeria de fotos que contam sua rica trajetória.

"O Leite sempre foi muito arrojado, acompanha seu tempo", afirma o também português Armênio Ferreira Diogo, de 78 anos, integrante da família Dias, à frente da casa desde 1955. Ali ele trabalha 17 horas diárias, embora advenha de outros negócios - casa de câmbio, comércio, rede de bares e outros restaurantes - o maior lucro da família. "Eu não vivo do Leite, mas trabalho em função da história do restaurante", diz Armênio, que costuma preparar os pratos para clientes especiais.

Desde 1885, quando se instalou no atual endereço, às margens do Rio Capibaribe, que corta a capital, a casa tem os alegres azulejos portugueses que decoram a fachada. O cardápio oferece 50 pratos - sem incluir petiscos, as sugestões diárias do chef e a capacidade de fazer pratos personalizados, ao gosto do freguês. A vasta carta de vinhos portugueses, o bacalhau da Noruega, os produtos frescos e o azeite que vem direto dos olivais portugueses são detalhes que fazem o restaurante.

Por suas mesas - as atuais, em número de 40, são da reforma de 80 anos atrás - passaram e passam figuras ilustres como o sociólogo Gilberto Freyre, o jornalista Assis Chateaubriand, velhos coronéis do apogeu da cana de açúcar, o poeta Ascenso Ferreira, os presidentes João Goulart e Jânio Quadros, o empresário Delmiro Gouveia e o filósofo Jean Paul Sartre.

Tantas histórias fizeram até mesmo que o restaurante virasse livro. A jornalista Goretti Soares publicou, em 2000, O Leite - Ao Sabor do Tempo.

em parceria com Angela Lacerda, Clarissa Thomé e Elder Ogliari.


Domingo, 19 de abril de 2009

29 de abr. de 2009

Arquitetura (quase) perdida em São Paulo

PATRIMÔNIO
Projetos de restauro dão esperança a obras assinadas por mestres

Nas infinitas cicatrizes urbanas de São Paulo é inevitável encontrar histórias mal-acabadas. Ao longo dos anos, proprietários se encarregaram de bancar reformas, muitas vezes sem muito critério, em construções assinadas por vultos como Oscar Niemeyer, Álvaro Vital Brasil e Abelardo de Souza.

Niemeyer tem 12 projetos arquitetônicos executados em São Paulo. Entre eles, o Edifício Califórnia, de 1951, na Rua Barão de Itapetininga, cheio de problemas de conservação - a começar pela fachada, cujos três pilares estão pintados cada qual de um tom. Há um mês, a situação era pior. Os comerciantes da galeria no térreo tinham avançado para a rua, "tapando-os". A Subprefeitura da Sé se encarregou de obrigá-los a respeitar o recuo. No saguão de entrada, um imenso painel abstrato de Candido Portinari, medindo 135 m², rouba a cena. Ao olhar de perto, a triste surpresa: faltam peças do mosaico.

A boa notícia é a parceria entre o condomínio e a União das Instituições Educacionais do Estado de São Paulo (Uniesp). A entidade adquiriu o espaço de 2 mil metros quadrados do edifício e fará ali um centro cultural e se comprometeu a restaurar, num primeiro momento, o painel abstrato e o espaço adquirido, onde era o Cine Barão - gasto estimado entre R$ 5 milhões e R$ 6 milhões. "Vamos reconstituir o que era original", diz Fernando Costa, presidente da Uniesp.

A galeria é tombada desde 1992. Antonio Paglione, que começou a trabalhar lá em 1971 como faxineiro e foi promovido a zelador 11 anos depois, também espera pela reforma da fachada. A entidade se comprometeu a levantar R$ 1,8 milhão para a obra. "Tenho saudade mesmo é do Cine Barão, porque assistia a filmes sem pagar", lembra.

Também assinado por Niemeyer, o Edifício Triângulo, de 1955, na esquina das Ruas José Bonifácio e Quintino Bocaiuva, não tem a mesma sorte. Há cerca de duas décadas, foram retirados os brises e, em sua entrada, o painel de Di Cavalcanti, tombado em 2004, está em péssimo estado. "Tem muitos que trabalham aqui e nem sabem onde está o painel. Meu sonho é vê-lo restaurado", diz o zelador Everaldo dos Santos.

Marco da arquitetura modernista, o Edifício Esther, na Rua 7 de Abril, sofre com anos da degradação. "Criamos até uma comissão de restauro, para tentar viabilizar um projeto", conta a advogada Márcia Olmos, cujo escritório ocupa um apartamento da cobertura, onde morou o pintor Di Cavalcanti. Pelo orçamento de 2005, a obra custaria R$ 6,1 milhões.

Ao longo dos anos, foram construídos "puxadinhos" nos terraços e o acabamento foi modificado. Colunas internas, arredondadas, ganharam ângulos retos. Protegido pelos órgãos de conservação municipal e estadual, o prédio é visado pela Prefeitura para ser a nova sede da Secretaria da Educação. Em 2008, foi objeto de um decreto de utilidade pública, mas a negociação com os proprietários promete ser complicada.

Já o Edifício Nações Unidas, na Avenida Paulista, deve passar por reformas em breve. "Vamos modernizar o material de acabamento", afirma o síndico Luiz Vieira. Projetado por Abelardo de Souza, o conjunto já sofreu uma descaracterização importante em 1974, quando foram retirados os brises, de madeira, de sua fachada. Entre as mudanças previstas pelo síndico, orçadas em R$ 950 mil, está a troca do piso - de pedra mineira - por granito. Em 2004, o Conpresp abriu o processo de tombamento do edifício.

Nos Jardins, resta relativamente original apenas um exemplar do conjunto de 17 casas criado pelo artista plástico Flávio de Carvalho nos anos 1930. "O poder econômico e a ignorância das pessoas causaram essas reformas que o descaracterizaram", diz Lucita Marques da Costa, a proprietária do remanescente. "Hoje, o meu é o mais valorizado."

A única reforma foi realizada há 15 anos. O enorme banheiro virou dois e sala de jantar e cozinha foram unificadas. "Quando encontrei, foi a amor à primeira vista", admite Isabel Machado, dona da loja Rosa Preguiçosa, que funciona no endereço. A vila está em processo de tombamento desde 2004. Para o arquiteto Lúcio Gomes Machado, da Universidade de São Paulo, as pessoas precisam entender que um imóvel preservado acaba valorizado. "Sempre existirá um público que quer morar em prédios de grife."


Domingo, 19 de abril de 2009

28 de abr. de 2009

Os poetas de Santo Amaro

PAULISTÂNIA
Em versos, eles mostram 13 visões do bairro da zona sul paulistana

Sete meses, um bairro, 13 poetas, R$ 13,2 mil e um projeto. Se fosse uma equação matemática, bastariam esses números para que brotasse o livro Santo Largo Treze (Editora Annablume, 72 páginas, R$ 15). Como é poesia, há muito mais rimas e acasos. Nem todos os "poetas de Santo Amaro" nasceram ou viveram no bairro, mas foi ali que eles se encontraram e compuseram seus versos. Por meio de palavras, retrataram o cotidiano do bairro, com sua "sinfonia popular" (leva capa do celular/ leva DVD barato/ quatro meu é um), seu metrô que liga o "nada ao sonho", sua praça cercada por grades "que nem tigre no xadrez", suas prostitutas, seus mendigos...

No início do ano passado, o poeta e estudante de Letras da Universidade de São Paulo Ivan Antunes, de 25 anos, começou a arrebanhar amigos literatos para animar o bairro da zona sul paulistana. "Queria fazer algo plural, com viés cultural, que lançasse um olhar para Santo Amaro", recorda. Com a ajuda de dois colaboradores - a turismóloga Ana Caroline Araújo, de 22 anos, e o estudante André Luís, de 24 -, inscreveu um projeto no programa Valorização de Iniciativas Culturais (Vai), da Secretaria Municipal de Cultura. Conseguiram o financiamento de R$ 13,2 mil para promoverem uma série de oficinas literárias e apresentações de poesia em Santo Amaro. Essa efervescência cultural resultou na publicação do fanzine Trezine Santo Amaro, do blog Treze Visões (www.trezevisoes.blogspot.com) e, por fim, do livro Santo Largo Treze.

Ivan, que nasceu e sempre morou nos arredores de Santo Amaro, se lembrou de sua experiência como vendedor de planos de saúde - entre 2004 e 2005 - para escrever seu poema. "Na época, conviver com os camelôs do Largo 13 de Maio foi minha descoberta do mundo", afirma. Em versos: "posso falar um minuto?/ posso te ajudar um minuto?/ posso te assaltar um minuto?/ posso te surrar um minuto?/ posso te matar um minuto?"

Além dele, o projeto teve a participação de outros 12 poetas, um ilustrador, uma fotógrafa e uma artista hippie. "Ela (a artista Roseli Kraemer), por atuar no Largo 13, nos ajudou no contato com o pessoal dali", explica a fotógrafa Sissy Eiko, de 26 anos, que fez 874 imagens do bairro - sete delas acabaram publicadas no livro. "Para mim foi uma experiência maluca porque nunca tinha ido à periferia", revela o ilustrador Jozz, de 25 anos, que há seis anos veio de Jaú (SP) para morar no centro de São Paulo. "Enchi um caderno com ilustrações das andanças que fizemos em Santo Amaro."

Para nortear o trabalho dos poetas, o grupo determinou que cada um escreveria sobre um tema predefinido. Treze temas. Na lista: as prostitutas do Largo 13, os eventos da Praça Floriano Peixoto, as grades da mesma praça, a Linha Lilás do Metrô, os vendedores ambulantes, o poeta santamarense Paulo Eiró (1836-1871), um passeio noturno pelo bairro, a história da região, a diversidade cultural, a miscigenação, o meio ambiente, a marca dos escravos e uma ode aos artistas.

Imbuídos da missão, os poetas, em geral assíduos frequentadores de saraus paulistanos, não economizaram inspiração para a empreitada. "Um dos grandes problemas que a gente tem na zona sul é chegar ao centro da cidade e o sonho do santamarense sempre foi ter um metrô", se justifica Ad Rocha, de 49 anos. "Só que quando chegou, ligava o Largo 13 ao Capão Redondo." A Erika Pires, de 21 anos, coube homenagear Paulo Eiró. "Ele é de uma importância que as pessoas escondem", diz.

Também jovem, João Rosalvo, de 23 anos, enfrentou o papel de poeta-boêmio e desvendou a noite santamarense. "Na adolescência, eu morava perto da Represa de Guarapiranga e tinha muito contato com Santo Amaro. Os ônibus que pegava sempre passavam pela região do Largo 13", lembra. "Via as brigas de bar, os menores que moram na rua, as 'trabalhadoras da noite'... E a estátua de Borba Gato, aquele grande bonecão com cara de santo e uma arma na mão."

Para o pernambucano Carlos Galdino, de 30 anos, que vive na capital paulista desde 1994, o Largo Treze é um verdadeiro Nordeste paulistano. "Tem muito da cultura do 'norte' ali, até naquele comércio. Por que não criar um polo cultural na zona sul?", defende. O baiano Rui Mascarenhas, de 46 anos, optou por tratar de um tema histórico. "Santo Amaro foi rota de passagem de negros fugidos para o Quilombo de Cafundó, no interior", conta. "Quando eu passo por aqueles caminhos, reencarnado naquelas visões, o que eu vejo? As casas, as pequenas construções, o sofrimento, as ruas estreitas..."

Já a escolha de Domenico Almeida se mistura com sua chegada a Santo Amaro. Ele se mudou para lá, vindo de Sorocaba (SP), há 13 anos. Na mesma época em que a Praça Floriano Peixoto era cercada por grades. "Meu poema é uma discussão profunda da questão do espaço público e do espaço privado. Há um processo de isolamento", argumenta. "A praça gradeada foi uma solução ruim, mas os camelôs, as drogas e os pontos de prostituição a estavam invadindo." Em sua opinião, a melhor solução seria ocupar a praça com arte. " Tem um coreto, tem o artesanato local...", enumera. E a poesia, contemporânea, urbana, periférica, criada diuturnamente pelos 13 poetas de Santo Amaro.


Domingo, 19 de abril de 2009

27 de abr. de 2009

Faculdade revive lenda das cabeças trocadas

PATRIMÔNIO
São Francisco vai reinaugurar busto de Álvares de Azevedo, já confundido com o de Fagundes Varela; campanha deve permitir homenagens tardias

Na história da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, fundada em 1827 em São Paulo, não faltam literatos nem lendas. Essa dicotomia estará, por um capricho do destino, entrelaçada no dia 29: está prevista a reinauguração do busto do poeta Álvares de Azevedo (1831- 1852), todo restaurado.

Tudo começou no início do século passado, quando um grupo de estudantes franciscanos decidiu eleger três grandes poetas que estudaram ali e homenageá-los com bustos de bronze. Mereceriam a honraria Azevedo, Castro Alves (1847-1871) e Fagundes Varela (1841-1875). Campanhas foram organizadas para bancar a iniciativa - houve até uma palestra sobre Castro Alves proferida pelo escritor e jornalista Euclides da Cunha (1866-1909). O dinheiro, entretanto, só foi suficiente para o primeiro busto, o de Azevedo. Quando ficou pronto, em 1907, a faculdade decidiu doá-lo à cidade. Acabou instalado na Praça da República.

No final da década de 30, era ali que uma jovem estudante - que anos mais tarde viria a se tornar a célebre escritora Lygia Fagundes Telles - costumava se entreter lendo poesia. "Eu era mocinha e estudava no (colégio) Caetano de Campos", conta. "Então percebi que a cabeça do Álvares de Azevedo era, na verdade, a do Fagundes Varela. Coisas do Brasil... Trocaram as cabeças."

Mais tarde, quando ela se tornou estudante do Largo São Francisco, espalhou a sua suspeita. Tornou-se mais uma lenda incorporada à instituição. "Acho muito difícil que tenha havido um engano, mas nós gostamos dessas histórias", diz o presidente da Associação de Antigos Alunos, José Carlos Madia Souza. Ainda hoje há alunos que acreditam que houve a tal troca. Há duas semanas, ao discursar na Academia Paulista de Letras, da qual é membro, Lygia contou a história, pedindo para que a "cabeça certa" finalmente seja posta no busto.

Desde 2006 a estátua não fica mais na Praça da República. Durante a Virada Cultural daquele ano, integrantes do Centro Acadêmico XI de Agosto literalmente a arrancaram da praça e levaram para o Largo São Francisco. Foi o ápice da campanha "Volta, Álvares", iniciada no ano anterior.

Os R$ 30 mil necessários à restauração do busto foram levantados, no início deste ano, graças a uma parceria entre a Associação de Antigos Alunos e o escritório de advocacia Machado, Meyer, Sendacz e Ópice.

Agora os ex-estudantes e os integrantes do Centro Acadêmico querem concluir a obra dos seus "antepassados": com um livro contendo a palestra completa sobre Castro Alves proferida por Euclides da Cunha, que deve ser lançado em agosto, começam a arrecadar fundos para a construção dos dois outros bustos. Estima-se que cada um custe R$ 60 mil.


Sexta-feira, 24 de abril de 2009

26 de abr. de 2009

Um terço dos shoppings de SP usa água de poço

URBANISMO
DAEE registra aumento de 10% ao ano em perfurações na capital

Economia financeira e discurso ecologicamente correto. Eis as principais vantagens que fazem 18 dos 48 shoppings da capital paulista trocarem a água da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) pela de poços de profundidade, num esforço inicial também para virarem “conjuntos verdes”. “Sem dúvida, o principal atrativo é a vantagem financeira”, admite Ricardo Ferraz, diretor comercial da General Water, empresa de captação e exploração de águas subterrâneas. “Praticamos preços que chegam a ser 60% inferiores aos da Sabesp.”

Até o estrelado Shopping Iguatemi se rendeu ao sistema – desde dezembro de 2005 mantém quatro poços. A General Water atende ainda a outros cinco centros de compras na região metropolitana. “Foi uma decisão da administração”, diz o gerente operacional do Frei Caneca. “Desde agosto de 2007, temos economizado R$ 12 mil por mês.”

Em média, um poço do gênero alcança o lençol freático a 250 metros de profundidade. No caso do Iguatemi, a escavação chegou aos 400 metros; no Frei Caneca (com dois poços), ficou entre 360 e 400 metros. E as empresas costumam cobrar de R$ 80 a R$ 100 por metro perfurado acabado. “E para cada área precisamos de uma autorização do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), uma autarquia estadual, para a exploração do recurso hídrico”, explica Ferraz.

Com tantas dificuldades e burocracias, por que a maioria dos shoppings tem mais de um poço? “Por razões estratégicas”, afirma o especialista. “As vazões dos poços em São Paulo não são muito elevadas e, portanto, um só pode não atender à demanda.”

De acordo com o DAEE, de 350 a 400 poços de profundidade regularizados são construídos em São Paulo por ano. A autarquia registrou um crescimento de 10% no número dessas perfurações. Oficialmente, existem 5 mil poços na capital. Mas segundo estimativas da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas (Abas), de um total de 50 mil poços novos por ano no País, 15% seriam feitos em São Paulo, considerando os clandestinos.

Os números surpreendem. “O volume de água subterrânea utilizado na cidade equivale ao total do Sistema Cantareira (que abastece 9 milhões de pessoas)”, compara o presidente da associação, Everton de Oliveira. E é nesse ponto que o discurso “ecologicamente correto” vira “uma questão socialmente responsável”, na visão do diretor comercial da General Water.“Quando um grande consumidor deixa de usar o que é disponibilizado pela concessionária pública, libera recursos para o restante da população.”

No entanto, poços de profundidade só valem a pena para grandes consumidores de água. A General Water, por exemplo, atende apenas a quem usa mais de 2 milhões de litros de água por mês. Para o presidente da Abas, Everton de Oliveira, ao optar pelos poços as grandes empresas são impulsionadas, principalmente, pela autonomia. “A garantia é de que não faltará água nem haverá queda brusca na qualidade.”

A qualidade, aliás, é a maior preocupação que passa pela cabeça de um freqüentador de um desses espaços. “Garanto que é boa”, diz o gerente operacional do Shopping Frei Caneca, Alberto Duarte. “Fazemos análise mensal da água e nunca tivemos problemas”, afirma, ressaltando que não se suspendeu totalmente o fornecimento pela Sabesp. “Nossos dois poços não são suficientes”, afirma. “Agora estamos estudando a possibilidade de fazer um terceiro poço.”

em parceria com Renato Machado.


Segunda-feira, 6 de outubro de 2008

25 de abr. de 2009

Aumenta busca de prédios por selo verde no Brasil

URBANISMO
Em 4 anos, número de pedidos de certificação internacional passou de 1 para 68; cada processo custa US$ 3 mil

Primeiramente surgiram as instruções para que as pessoas tivessem um comportamento ecologicamente correto: recicle o lixo, tome banhos rápidos, economize energia elétrica e utilize transporte público ou bicicleta. Com um pouco de resistência, alguns desses itens começaram a ser seguidos e, aos poucos, tornaram-se praticamente obrigatórios. Agora, é a vez dos empreendimentos imobiliários buscarem "sustentabilidade". Apenas neste ano, 68 edifícios entraram com processo para conseguir o selo Leadership in Energy and Environmental Design (Leed), um dos mais reconhecidos no mundo. Há quatro anos, só um tentou a certificação de "prédio verde".

E essa tendência veio para ficar - ou até para predominar - nos grandes centros urbanos, como São Paulo. Embora todos os empreendimentos certificados no Brasil sejam da categoria prata, a segunda pior, o País pode terminar o ano com dois selos ouros. Duas edificações - uma no Rio, o Ventura Corporate Towers, e outra em São Paulo - conseguiram uma pré-certificação no segundo melhor nível e devem receber o registro definitivo até o fim deste ano.

O empreendimento paulistano que virou modelo é o Rochaverá, às margens do Rio Pinheiros, na zona sul. Uma das características que contou a favor foi o sistema de reúso da água da chuva. Absorvida nas coberturas das torres e nos ralos em toda a área do empreendimento, ela é encaminhada para um depósito, de onde o líquido é bombeado novamente para a superfície, irrigando os jardins.

Primeira a possuir um selo na América do Sul, a agência do Banco Real de Cotia tem um sistema parecido e reutiliza toda a água da chuva nos vasos sanitários. Ali, 100% do esgoto é tratado e ainda serve para regar os jardins. Além disso, painéis fotovoltaicos garantem o fornecimento de energia - a luz solar é armazenada e utilizada para abastecer os caixas eletrônicos de auto-atendimento.

INFRA-ESTRUTURA
Para ser considerado um "prédio verde" e conseguir o selo Leed, o empreendimento passa pela avaliação de alguns requisitos, como o uso de iluminação natural, a gestão de perdas e resíduos, as administrações do consumo de água e energia elétrica, o uso de materiais renováveis, a qualidade interna do ambiente e as idéias inovadoras. Após a análise, uma edificação recebe de 0 a 69 pontos, nas categorias ouro, prata e verde - quem satisfaz a partir de 85% das exigências ganha o selo na modalidade Platina. No Brasil, somente três empreendimentos têm o selo Leed, todos na categoria prata: a agência do Real, em Cotia; e em São Paulo o laboratório Delboni Auriemo de Santana e a unidade do Morgan Stanley da Avenida Brigadeiro Faria Lima.

Um dos quesitos mais importantes é a localização do empreendimento. O terreno não deve ser contaminado e cobra-se uma boa infra-estrutura local, principalmente de transporte público, para evitar que o edifício se transforme em um pólo gerador de congestionamentos. As construções também devem reservar espaço para bicicletários e incentivar ações ecológicas - reservando vagas de estacionamento perto dos elevadores para quem der carona e para veículos de baixa emissão de carbono.

Muitas dessas exigências não significam necessariamente um aumento no custo final da obra e podem ser alcançadas com mudanças estruturais. O processo para conseguir o certificado Leed custa aproximadamente US$ 3 mil para as incorporadoras. Os projetos são enviados para o World Green Building Council, nos Estados Unidos, e depois há um acompanhamento da obra pelo escritório brasileiro da instituição. O certificado é emitido seis meses após a entrada em operação do empreendimento. Estima-se que um projeto ambientalmente sustentável custe cerca de 10% acima do normal, por dar preferência a determinados produtos e soluções.

No Rochaverá, os elevadores ficam no centro das torres, de forma que as laterais sejam todas ocupadas por janelas. Dessa forma, há uma superfície maior para incidência de luz natural e as lâmpadas não precisam ficar ligadas o tempo todo. Para evitar o uso desnecessário de ar-condicionado, o lado oeste - mais sujeito à ação solar - tem placas de granito intercaladas com os vidros para impedir o aquecimento interno. Do outro lado, há somente vidro. Na cobertura, além de um jardim para absorver a chuva, foram usadas tintas reflexivas para que o calor não seja absorvido.

O World Green Building Council também analisa a qualidade de todo o material usado nos canteiros de obras, avalia se é renovável e qual a sua procedência. O paulistano Delboni Auriemo, por exemplo, que também tem o selo prata, foi construído com madeira certificada e todo o material usado foi comprado em um raio de 800 quilômetros da capital.

em parceria com Renato Machado.


Segunda-feira, 6 de outubro de 2008

24 de abr. de 2009

Realidades distantes de uma mesma cidade

ELEIÇÕES 2008
No dia de ir às urnas, as expectativas dos eleitores que votam nas seções mais próximas e mais afastadas do marco zero de São Paulo

Se pudesse fazer um único pedido ao futuro prefeito de São Paulo, a educadora Maria Soares da Silva, de 65 anos, iria "implorar” para que ele cuidasse mais da saúde. “Votei confiando nisso”, diz. Para 26% dos 11.796 eleitores que, como ela, votam na Escola de Comércio Álvares Penteado – onde estão as seções mais próximas do marco zero –, esse é o principal problema paulistano, conforme apurou a reportagem do Estado em pesquisa informal. “Não só daqui, mas de toda a cidade”, emenda o aposentado Tabajara Stocco, de 72 anos. A faixa etária na região é elevada: de cada 100 moradores, pelo menos sete já passaram dos 65 anos, com a expectativa de viver até os 74,4 anos, segundo o Atlas do Trabalho e Desenvolvimento da Cidade de São Paulo – de onde foram tirados todos os indicadores que aparecerão nesta reportagem.

Em Marsilac, 51 quilômetros ao sul da Praça da Sé, a esperança de vida ao nascer é 9 anos a menos. Entretanto, ali a maior preocupação não é a saúde. Na sondagem realizada pela reportagem, 35% dos entrevistados pedia linhas de ônibus. “Quando quero vir à vila, tenho de caminhar por 1 hora”, conta a dona de casa Ana Maria da Silva, de 49 anos. “Votei porque acredito que teremos ônibus duas vezes por dia”, sonha o lavrador Militão Siqueira Filho, 74 anos.

Transporte público é um item que parece se tornar mais importante ainda em um distrito que combina duas estatísticas complicadas. A renda mensal média per capita é de R$ 146,5 – ante R$ 591,9 da região da Sé – e a densidade demográfica, a menor de São Paulo, é de 40 habitantes por quilômetro quadrado – contra os 9.159 do centro. Resumo da ópera: tudo é longe e a maioria das pessoas não tem carro.

Saneamento básico também é um item que preocupa os moradores do povoado, com toda razão. “Aqui é tudo água de poço”, reclama o segurança Alexandre Klein Barbas, 35 anos. E emprego. “Na periferia, falta trabalho para a molecada”, alerta o marceneiro Daniel Rodrigues, 62 anos. Em Marsilac, a taxa de desemprego é de 24,4% – mais que o dobro do índice da região central, de 11,2%.

A HORA DO VOTO
Quando amanheceu o dia, milhares de “santinhos” formavam um horrendo tapete na Rua Filomena Belmonte, onde fica a Escola Regina Miranda Brandt de Carvalho, em Marsilac, ponto de votação mais distante do marco zero de São Paulo. Molhados pela chuva, os papeizinhos estavam grudados no chão e deixavam desbotar as fotos dos candidatos – que, pelo tipo de propaganda, porcalhona e anti-ecológica, deveriam merecer um troféu às avessas.

Às 7h30, o dono da doceria em frente à escola decidiu botar vassoura e mãos à obra. “Tem que limpar, não pode ficar essa sujeira...”. Chileno, Juan Carlo Sotto Toledo é conhecido apenas como “seu João”. Tem 64 anos. Mora no Brasil há 34 – os últimos 12 em Marsilac. Por ser estrangeiro, não tem título de eleitor. Na fila que aguardava a abertura do portão da escola, muitos passaram a observar, admirados, o zeloso trabalho de João. Mas ninguém se ofereceu para ajudá-lo.

O primeiro da fila, o manobrista Caio César Vieira, de 19 anos, esperou à toa. Entrou na escola e saiu minutos depois. “Vim enganado”, explicou-se, esbaforido, ainda meio sem entender. “Descobri que voto em outro bairro.”

Às 8h em ponto, quase uma centena de moradores se amontoava na pequena capela em honra a São João Batista, a poucos metros da escola, para a tradicional missa dominical. O catolicismo é forte no bairro e muitos moradores deixaram para votar depois das orações. E depois de ouvirem o conselho do padre Maciel José da Silva: “Votem certo. Não elejam candidatos que tenham projetos contrários à moral cristã.” Quarenta e duas famílias estão cadastradas como contribuintes do pagamento do dízimo – embora apenas 24 tenham quitado o último mês.

A maioria dos 709 eleitores inscritos nas duas seções do bairro preferiu votar pela manhã. No caminho para as urnas, amigos se encontravam e papeavam pelas ruas. Tudo sem pressa. Como se cada um aproveitasse a seu modo o dia especial que vivia o bairro por causa das eleições – movimento, muita gente nas ruas, falatório e os apitinhos eletrônicos das urnas, após o botão de confirmação. “Gosto de votar”, afirma o aposentado Ruy Vieira de Souza, de 76 anos. “Por isso, mesmo não sendo obrigatório, por causa da minha idade, continuo vindo. Farei isso até morrer.”

Já no centro da cidade, a votação mais parece um gesto mecânico, rápido e praticamente silencioso. Os transeuntes caminhavam com um ritmo constante. Bate-papos eram raros. O perfil dos eleitores mudava conforme o horário. Nas filas, logo cedo, estavam camelôs, seguranças, motoboys e taxistas. Votavam e saíam apressados para trabalhar.

Depois das 9h, chegavam os casais idosos, senhores sisudos de terno, mulheres que aproveitaram o tempo chuvoso para tirar do armário casacos e echarpes. “Precisa melhorar o visual do centro, plantar árvores”, lembrava a aposentada Joaquina Maria da Silva Faleiros, 76 anos. O sacristão José Predebon, 80 anos, chegou na hora do almoço e subiu a escadaria sem ajuda. “Se meu candidato fosse eleito, ele ia melhorar o centro”, alardeou. “Mas não vai ser.”

Os jovens, em sua maioria, deixaram para vir à tarde. A secretária Débora Gomes da Silva, de 18 anos, votou pela segunda vez. “Meu primeiro voto, com 16 anos, foi uma decepção.” Boa parte escolheu o candidato por suas propostas, como Cristiane Helena Shei, de 24 anos. “O programa dele é tudo o que a cidade precisa.”

A ex-lojista Odete Fernandes, de 58, ambulante por “falta de opção”, acha que seu candidato persegue menos os camelôs. O segurança João de Souza, 60 anos, resolveu anular o voto quando já estava dentro da cabine. “Foi assim num estalo: esses caras só mentem.”

Entre os 12% dos entrevistados que apontaram como maior problema os moradores de rua, o frade franciscano Sérgio Calixto, de 72 anos, disse que “são sofredores e merecem mais atenção”. A reportagem contou 52 sem-teto na Praça da Sé e entornos. Apenas sob uma marquise, no Largo São Francisco, dormiam 23 pessoas enroladas em farrapos. O soldador Alcides Messias Santos, 22 anos, desafiou o futuro prefeito a “botar eles para trabalhar”.

Para 10% dos entrevistados, como a cartorária Maria Gonzales Jaime, 19 anos, o futuro prefeito precisa melhorar o trânsito. Falta de segurança e de trabalho também foram problemas lembrados. “Moro no centro e vivo assustada”, diz Maysa de Oliveira, de 42 anos, técnica em enfermagem.

Em Marsilac, ninguém citou programa de governo para justificar suas escolhas. A maioria preferiu lembrar obras realizadas em gestões anteriores. “Voto em quem criou o Bilhete Único”, explica o pedreiro Manuel Cardoso de Sá, 60 anos, que diz não saber direito se seu nome é Manuel ou Manoel “porque em cada documento está de um jeito”. Em seu título de eleitor, a grafia é Manuel. “Meu candidato me conquistou porque ficou apenas dois anos na prefeitura e já fez um monte de coisa”, acredita o chaveiro José Reis da Silva, 49 anos. “Minha escolha é por causa da Bolsa Família”, justifica-se a dona de casa Ana Maria Urias da Silva, 46 anos. “Meu candidato fez um bom trabalho na área da saúde”, resume o vigia Abimael Freitas da Silva, 62 anos. Há ainda o grupo dos que se fiam em promessas de campanha. “Eu quero isso de internet de graça para todo mundo”, admite o desempregado Geílton Fortes Nunes, 21 anos.

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH, que varia de 0 a 1) de Marsilac é de 0,701. Nos arredores da Sé, o valor é 0,838.

em parceria com José Maria Tomazela.


Segunda-feira, 6 de outubro de 2008

23 de abr. de 2009

Tão longe, tão perto do marco zero

ELEIÇÕES 2008
Histórias de eleitores paulistanos separados por 51 quilômetros – do Largo São Francisco a Marsilac

Apenas 90 passos separam o zelador Francisco Guedes de Souza, de 64 anos, da urna onde vota, na Escola de Comércio Álvares Penteado, no Largo São Francisco, centro da capital – ali estão cadastrados 11.796 eleitores. Francisco mora no Palacete Chavantes, na Rua Benjamin Constant, a cerca de 100 metros do marco zero, na Praça da Sé.

Francisco, sua mulher Maria das Dores, de 57 anos, e os filhos André Luis, 31, e Fabiana, 27, são os eleitores que residem mais perto do coração geográfico da cidade. Para chegar às urnas, nem precisam atravessar a rua. Eles são os únicos moradores do prédio, um edifício comercial com escritórios de advocacia. Em toda a vizinhança, lotada de gente barulhenta durante o dia, restam apenas edifícios fantasmas à noite.

Corta a cena. A tomada seguinte é no extremo sul de São Paulo. Casas rareiam, mato sobra e apenas celulares de uma operadora funcionam. O bairro de Marsilac reúne 2,5 mil dos pouco mais de 8 mil habitantes do distrito de mesmo nome – o maior e o menos povoado dos distritos paulistanos. Quinze quilômetros adiante e o município já é a litorânea Itanhaém. Em dias de céu limpo, do alto do Parque Estadual da Serra do Mar, dá para avistar a orla marítima. Difícil é o céu estar limpo. Na região, a cerração é quase constante.

Nas duas seções da Escola Estadual Regina Miranda Brandt de Carvalho votam 709 eleitores. A 51 quilômetros da Praça da Sé, é o ponto de votação mais distante do marco zero. Ali estudam 830 alunos, do ensino fundamental ao médio. “Cerca de 90% deles dependem dos ônibus de transporte escolar”, diz o diretor, Luis Augusto Rabelo. São crianças que moram na zona rural. Como Rodrigo Vieira, de 17 anos, diretor de esportes do grêmio estudantil, que neste ano vota pela primeira vez.

Todos os dias, para chegar à escola, ele caminha um quilômetro a pé e toma o ônibus escolar – os primeiro cinco quilômetros são em terra batida e os outros três, em asfalto. Quando chove, não vai para a aula. “Com toró, nem tatu de chuteira anda nessa estrada”, explica o motorista do ônibus, José Francisco Ribeiro, o Jacaré. Aos fins de semana, se quer ir até o bairro para ver os amigos, Rodrigo precisa encarar 1h30 de caminhada. Ou pedalar por meia hora. É com sua bicicleta, aliás, que ele pretende votar hoje. Não, não há nenhum ônibus de linha que passa perto de sua casa. Por isso, quando alguém lhe pergunta o que gostaria de pedir ao prefeito eleito, a resposta é rápida: “Transporte”.

Lá no centro, Francisco tem outra preocupação: quer que a prefeitura “dê um jeito” nos moradores de rua que “infestam” a região. “Alguns são gente boa”, admite. “Mas a maioria não presta. Tem até bandido.” Piauiense de Amarante, ele não sabe de onde vem tantos sem-teto. À noite, sente-se obrigado a descer para aguardar a filha, formada em educação física, que chega tarde do trabalho. “Quando tem muito mendigo, fico esperando por ela na esquina.”

A mulher de Francisco trabalha como ascensorista no Chavantes. Conta que, desde de que se mudaram para o centro, há 19 anos, nunca houve tantos moradores de rua. Ela é de Garanhuns, terra do presidente Lula, mas se diz eleitora de Gilberto Kassab (DEM). Hoje, vai justificar o voto porque programou uma viagem para Minas.

Outro que vota num zás-trás é o segurança Afonso Perdomo de Castro, de 52 anos. Ele mora na Rua Tabatinguera e vai a pé para a seção eleitoral. Uma caminhada de 10 minutos. “Não ter de pegar ônibus nem enfrentar trânsito é um alívio”, festeja. Em Marsilac, só a minoria tem esse privilégio.

Narciso Pires, de 77 anos, mora em uma rua sem asfalto, a 100 metros do colégio no qual vota. Na semana passada, tinha agendado uma consulta médica mas disse que não iria permitir que “o doutor mexesse em sua vista”. Há mais de dez anos ele não enxerga com um dos olhos. Seu medo era de que qualquer intervenção prejudicasse a outra vista e o impedisse de identificar direito os botões da urna eletrônica.

Nascido e criado em Marsilac, de onde nunca saiu, Narciso é uma espécie de memória viva da região. Seus avós tinham um sítio onde hoje está localizada boa parte do povoado, incluindo a sua casa. “Mas aí apareceram uns grileiros, tapearam os velhos e tomaram tudo”, conta. Aposentado desde 1992, Narciso foi funcionário da prefeitura durante 34 anos. Era um faz-tudo: limpava bueiros, ajeitava canteiros, capinava. Sempre ali pelo bairro mesmo.

Quando a reportagem do Estado chegou ao seu endereço, ele estava do outro lado da rua, enxada em punho, chapéu, camisa e calças surradas, um velho All Star nos pés. Capinava. E demorou para querer conversa. Capinava. Como quem anda esquecido de que já está aposentado. “Não gosto de ficar muito tempo parado, senão enferruja.”

Pela legislação eleitoral brasileira, nem Narciso nem o estudante Rodrigo precisam comparecer às urnas. A votação só é obrigatória para quem tem entre 18 e 70 anos. Rodrigo faz questão de votar “para fazer parte da escolha”. Narciso é mais direto: “Voto porque sou teimoso.”

No centro da cidade, o aposentado José Predebom, de 80 anos, sacristão da Igreja do Carmo, no largo homônimo, também não acata a dispensa. A pé, leva sete minutos para chegar à sua seção, na Escola de Comércio. “Indo devagar”, ressalta. Ele mora sozinho no anexo da igreja, construída em 1.632 e tombada pelo patrimônio histórico. “Mas eu não sou tombado, hein!”, diz, espirituoso.

O bom humor vai embora quando começa a reclamar do “centro abandonado”. Faz questão de mostrar as canaletas expostas, com água fétida, que tiveram os tampões de ferro, em formato de grelhas, quebrados e furtados. Conta que uma moça pisou em falso e quebrou o pé. “Roubam e vendem para o ferro-velho”, relata. “Coisa de quem está morrendo de fome.” Outro problema é a violência. “Já fui assaltado e amarrado aqui dentro da igreja. Mataram um colega.” Os ladrões procuravam dinheiro e objetos de ouro.

Caseira do sítio paulistano mais perto do litoral, o último antes do Parque Estadual da Serra do Mar, Alda Maria dos Santos, de 48 anos, está literalmente longe desses problemas. “Aqui é sempre sossegado”, garante, poucos metros à frente de sua singela casa que, de tanta cerração, mal pode ser vista. Quando quer ir ao povoado, costuma demorar quase 3 horas, sempre a pé. São 14 quilômetros. Garante que hoje fará o trajeto. “Não sei explicar o porquê, mas gosto de votar”, diz.

Se ela tiver sorte, no caminho será alcançada pelo comerciante João Ferreira, de 46 anos, dono de uma vendinha na beira da estrada, a uns 11 quilômetros da escola. Sua Pampa 88 é do tamanho de coração de mãe. “A quem estiver no caminho e couber no carro, eu dou carona”, conta.

A expectativa é grande em Marsilac. O bairro com jeito de cidadezinha do interior fica mais movimentado em dia de eleição. Durante a campanha, nenhum dos três principais candidatos deu as caras por ali. Mas quem vota acredita que será lembrado. Pena que, na vida real, nem sempre tem happy end.

em parceria com José Maria Tomazela.


Domingo, 5 de outubro de 2008

22 de abr. de 2009

Nos ''berçários'', bebê-jibóia, filhote de pirarucu e até jacaré

LAZER
Butantan inaugura espaço para bichos pequenos; no Zôo e no Aquário eles também são atração

Muito além dos cachorrinhos e gatinhos de pet shop, em São Paulo é possível observar filhotes inusitados no Instituto Butantan, na zona oeste, no Zoológico e no Aquário de São Paulo, ambos na zona sul. Já viu cobrinhas recém-nascidas? Pois a nova atração do Museu Biológico do Instituto Butantan é justamente um "berçário". Na sexta-feira da semana passada, uma das 18 jiboinhas que nasceram em março foi colocada em exposição ao público, em um terrário especialmente preparado para isso. "O investimento em reprodução vem acontecendo, com bons resultados, há anos", comenta o biólogo Giuseppe Puorto, idealizador da iniciativa. "Com esse processo consolidado, é hora de mostrarmos os resultados aos visitantes."

Quem visitou o espaço durante esta semana pôde sugerir o nome da jibóia, que é macho. Venceu Jujuzinho, com 56 das 1.137 sugestões apresentadas. Hoje, Dia de São Francisco - considerado o protetor dos animais -, haverá uma cerimônia de batismo da cobrinha. Os autores do nome, chamados de "padrinhos", receberão uma cópia da "certidão". Será inaugurado o berçário, com quatro terrários e filhotes de cascavel, jararaca e suaçubóia.

Estrela da semana, Jujuzinho mede 63 centímetros. Quando adulto, pode chegar aos 4 metros de comprimento. Por enquanto, come um camundongo a cada 15 dias - um exemplar crescido se alimenta de quatro ratos de 250 gramas por mês.

MAIS FILHOTES
Há 2 anos e meio, o Zoológico tem um espaço similar para que os visitantes confiram os recém-nascidos. "Procuramos interferir o mínimo possível", garante o biólogo Guilherme Domenichelli. "Só trazemos para o berçário animais cujos pais não cuidam mesmo, ou a mãe morreu."

Atualmente estão ali uma cobra real, uma lagartixa-leopardo, uma tartaruga almiscarada e cinco sapinhos-garimpeiros. Mas já houve casos de mamíferos e aves. "Acontece, por exemplo, de uma mãe não ter leite e termos de criar na mamadeira. Ou de ovos que precisam ser postos em chocadeira, por algum problema", conta.

A grande atração do parque, aliás, tem sido o recinto dos chimpanzés. A pequena Lulu nasceu em agosto do ano passado e, sempre agarrada à mãe, é o centro das atenções dos visitantes. Seu nome foi escolhido em uma votação com mais de 5 mil participantes. Dentre os animais maiores, é a caçula do Zôo.

No Aquário de São Paulo há dois berçários, ambos no setor de água doce. Em um deles, de 1,5 mil litros, há jacarés-do-papo-amarelo, tigres-d?água e cágados-de-barbicha. No outro, de mil litros, podem ser vistos uma raia de fogo e diversos filhotes de peixes - como aruanã, pirarucu, tucunaré e pacu.

Por causa das eleições, o Instituto Butantan fecha amanhã. Zôo e Aquário funcionam normalmente.


Sábado, 4 de Outubro de 2008

21 de abr. de 2009

A nova moda da viola: ter diploma

SOCIEDADE
Universidade de São Paulo oferece curso superior em viola caipira

Tião Carreiro, Gedeão da Viola, Renato Andrade e até blues e rock. É raro não ter cantoria na Toca do Saci, república de Ribeirão Preto onde moram sete estudantes da USP. Quatro deles alunos do Bacharelado em Viola Caipira. Entre esses, Ighor Aguila e Thiago Rossi, que se formam no fim do ano e serão os dois primeiros diplomados do curso, criado em 2005.

“Cresci ouvindo Almir Sater e Renato Teixeira”, lembra Aguila. Ele tem 26 anos e se dedica ao instrumento desde os 18. “Dependendo do estado de espírito, tocamos de Tião Carreiro a rock-and-roll na viola”, conta Rossi, de 23 anos, violeiro há 9.

Ambos juram pelas cordas de suas violas que não tiveram resistência dos pais quando optaram por um curso tão inusitado. “Apesar de terem um receio quanto ao potencial retorno financeiro dessa minha escolha, eles me apoiaram bastante”, diz Aguila, filho de um engenheiro civil e de uma psicóloga. Após formado, ele pretende conciliar sua carreira de compositor com aulas particulares e pesquisas acadêmicas.

Músico e pesquisador, Ivan Vilela é o principal responsável pela idéia de levar um instrumento tão popular para os bancos universitários. “Deve ser o único curso superior de viola caipira no mundo”, afirma. “A viola tem um contexto social: aproxima pessoas que querem resgatar valores do campo, mesmo vivendo na cidade.” Mas Vilela não estava completamente satisfeito. Queria que as aulas fossem oferecidas na capital. “São Paulo foi o grande palco da migração. Tornou-se repositório da cultura caipira.”

Ele crê que na capital é maior o interesse pelo instrumento. Uma prova? “Há mais de 15 orquestras de viola caipira na região metropolitana”, estima. “Nos últimos 12 anos, foram lançados mais de 40 discos de viola instrumental no País.” É a verdadeira moda da viola.

No concurso vestibular para 2009, as duas vagas anuais de viola caipira já aparecem como sendo oferecidas pelo Departamento de Música da Escola de Comunicação e Artes, da Cidade Universitária, em São Paulo.

CAPITAL CAIPIRA
O maestro Rui Torneze, da Orquestra Paulistana de Viola Caipira, concorda com Vilela. “São Paulo é maior capital caipira do Brasil”, define, lembrando que a maioria dos 50 integrantes de seu grupo é paulistana. “Mas muitos são de famílias que vieram do interior.”

Fundada em 1997, a orquestra reúne violeiros do Centro de Educação Musical Tom Jobim e do Instituto São Gonçalo de Estudos Caipiras. “Todo mundo que toca aqui ou é aluno ou é professor”, simplifica Torneze. Aliás, o aprendizado é constante. “Costumo brincar que para se tornar violeiro é preciso estudar por 40 anos.” Com uma bela trilha sonora, cheia de ponteados e poesia.


Quinta-feira, 2 outubro de 2008

20 de abr. de 2009

"'Natália não sai do carro sem retocar o gloss"

ENTREVISTA
Daniela Stangherlin: mãe de miss infantil

Aos 5 anos, a gaúcha Natália Stangherlin venceu no dia 21, no Equador, o concurso Miss Niña Mundo. Sua mãe, Daniela, que na adolescência chegou a participar de concursos de beleza e comerciais de TV, é a principal incentivadora.

O que mudou após o título?
Tivemos proposta de comercial, com cachê de R$ 6 mil. Natália se tornou celebridade: aparece na TV, é reconhecida na rua. Para nós, ela é normal.

Quais os próximos passos?

Ela chegou ao topo, ganhou o máximo. Agora não pode participar de concurso de bairro. Se um dia surgir uma pontinha em uma novela, vou achar ótimo. Mas agora ela tem um ano para curtir esse título.

Ela tem noção do que ganhou?
Sim, Natália é muito madura e inteligente. Mostrei na internet o mapa-múndi a ela. Apontei para cada um dos países e disse que ela ganhou de todos.

É diferente de colegas na escola?
A única diferença é que ela é mais bonita. Mas se dá superbem. Os colegas a paparicam.

Ela é vaidosa?
Muito. Se estamos viajando e ela dorme no carro, não desce enquanto não penteia o cabelo e retoca o gloss. Se vai provar roupas e fica descabelada, pede um pente para se arrumar. Na bolsa, carrega gloss, perfume, seu celular pink e grampo para prender a faixa de miss.


Domingo, 21 de Setembro de 2008

19 de abr. de 2009

Carros 'envelopados' se espalham pela cidade

VIDA URBANA
Para publicidade em veículo, não há restrição de tamanho

Vem da ponta do lápis a alegria do empresário Fabricio Perez. Quando a Lei Cidade Limpa entrou em vigor na capital paulista, em setembro de 2006, sua empresa de adesivação de automóveis, no bairro da Saúde, fazia cerca de 45 trabalhos por mês. Hoje, são 60. De lá para cá, o número de funcionários aumentou 30% e o faturamento, 18%. “A nova legislação proibiu a adesivação publicitária, mas muitas empresas começaram a estampar o logotipo em toda a frota”, diz Perez.

Sim, essa artimanha vem sendo largamente utilizada. “Para anúncios indicativos em veículos, não há restrição de tamanho”, afirma a arquiteta e urbanista Regina Monteiro, diretora da Empresa Municipal de Urbanização (Emurb) e coordenadora da Comissão de Proteção à Paisagem Urbana (CPPU). Ou seja: qualquer estabelecimento pode estampar o nome em seus carros, em letras garrafais e cores berrantes, que isso não configura propaganda.

E é nisso que se apóiam, para sobreviver, as empresas de adesivação. “O que mais tenho feito são frotas”, confirma Arthur Pellicciari Neto, dono de uma empresa do gênero. Personalizar – ou “envelopar”, como se diz – um carro não sai por menos de R$ 1,2 mil e consome de um a dois dias de trabalho.

Antes visíveis em dezenas de outdoors da cidade, desde o ano passado beldades em trajes mínimos podem ser apreciadas em um ônibus que circula levando funcionários de uma marca de lingeries. “Gastamos mais de R$ 8 mil para personalizar o veículo”, revela a diretora de Marketing da Hope, Sandra Chayo. Ela, aliás, concorda que a Lei Cidade Limpa deixou São Paulo mais bonita. “Só sinto porque nossos painéis eram um marco na cidade”, acredita.

Isso pode, segundo a CPPU. O problema é quando não se trata de um meio de transporte da empresa, mas sim está atrelado simplesmente a uma promoção ou serve só como divulgação. É o caso de uma lanchonete da cidade que desde quinta mantém um simpático fusquinha 68 – todo adesivado, claro! – circulando pelas ruas da capital. Se for flagrado, isso pode render multa de R$ 10 mil aos donos do estabelecimento.

Mas a arquiteta e urbanista Regina admite que é bem mais complicado fiscalizar veículos. “Acredito que ainda não tenha acontecido nenhuma multa. Apenas advertências”, afirma. A Secretaria Municipal das Subprefeituras não detalha se alguma das 2.705 penalidades aplicadas desde que a lei entrou em vigor puniu proprietários de carros envelopados.

Especializada em anúncios em táxis, a empresa onde o diretor de Marketing Daniel Duarte Savério trabalha perdeu 80% de seu faturamento de 2006 para cá. “Restaram as outras cidades nas quais já atuávamos”, diz. Anteriormente, um taxista embolsava de R$ 80 a R$ 150 por mês com a propaganda no carro. O preço variava conforme a área de circulação. “Os que são de pontos nos aeroportos ou próximos do Shopping Iguatemi, por exemplo, eram mais valorizados”, explica Savério. Agora, sua empresa tem desenvolvido material para ser divulgado internamente nos carros. Alguns já trazem displays com folhetos de propaganda.

NOS TRILHOS
A Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), que chegou a envelopar vagões, aboliu de vez a propaganda exterior, para não desrespeitar a legislação. O Metrô, por sua vez, arrecadou R$ 2,3 bilhões no ano passado com anúncios em seus trens. Atualmente, 78 vagões estão envelopados. Mesmo percorrendo trechos na superfície – nos quais a propaganda pode ser vista da rua – não se trata de um desafio à legislação. “Antes de colocar qualquer publicidade, a companhia submete à aprovação da CPPU”, conta Regina.


Domingo, 24 de agosto de 2008

18 de abr. de 2009

De ônibus a pizzas, sobram anúncios

VIDA URBANA
TVs indoor viram novo filão publicitário e podem ser vistas até na famosa esquina da Ipiranga com a São João

Quando alguém fala em “sorte”, o publicitário português Antônio Trigo de Moraes rebate com o argumento de que se trata de “uma conjuntura favorável”. E seu balancete revela números favoráveis que lhe rendem um grande sorriso.

Em 2004, ele desembarcou em São Paulo como sócio da One Mídia, empresa que faz propaganda em caixas de pizza. A idéia – simples, banal – virou um achado quando a Prefeitura instituiu a Lei Cidade Limpa. “Aí foi bom, né?”, diz Moraes, todo animado, esperando um faturamento dobrado neste ano em relação a 2007.

A idéia das caixas publicitárias é de uma empresa alemã, para qual a One Mídia paga royalties. De acordo com pesquisas de mercado, a visibilidade é até maior do que as dos finados outdoors, uma vez que uma caixa de pizza fica cerca de 20 minutos sobre a mesa de jantar.

Na carteira da empresa, são 150 clientes, dos mais diferentes setores. Para anunciar, é preciso fechar um contrato de no mínimo 10 mil embalagens. “Temos clientes que pedem 100 mil caixas”, afirma o publicitário. Sua empresa mantém um cadastro com 1.500 pizzarias paulistanas. Colocam a propaganda nas mais indicadas para o perfil do anunciante. “Se vamos fazer caixa das Casas Bahia, procuramos pizzarias mais populares”, exemplifica.

No dia 27, a One Mídia obteve no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) os direitos exclusivos sobre o uso do modelo da publicidade em embalagens de pizza. A pizzaria não ganha dinheiro diretamente, mas recebe as caixas de graça – o que também é um negócio da China, uma vez que elas representam cerca de 15% do valor de custo da pizza.

“Quando falamos que queremos dobrar o faturamento do ano passado, não é ambição, mas realidade”, gaba-se Moraes. “O primeiro semestre normalmente é pior do que o segundo. Mesmo assim, superamos as previsões.” Eis a “conjuntura”.

TREM E METRÔ
Longe de serem criativos, os programetes têm lampejos até irritantes. Mas os passageiros das principais linhas de ônibus, trens e do metrô da capital paulista já se acostumaram a conferir curiosidades paulistanas, vídeos semi-amadores e publicidade (claro!) nos itinerários.

Atualmente, cerca de 1.100 ônibus do Município contam com os monitores – a frota total beira os 15 mil veículos. O mercado é dominado por três empresas de publicidade. A BusTV, mais antiga em operação, iniciou suas atividades em março do ano passado. Na época, apenas 140 ônibus, de 12 linhas, estavam equipados com a novidade – atualmente a empresa disponibiliza as telinhas em 350 veículos.

Na esteira do sucesso, surgiram a TVO, em outubro, e a BusMídia, em janeiro. A TVO foi a que mais cresceu – com 500 ônibus, de 80 linhas, detém metade do mercado paulistano. Com monitores em 250 ônibus de 13 linhas, a BusMídia sonha alto. “Queremos chegar a mil veículos até o fim deste ano”, afirma o publicitário Rodolfo Brunelli, um dos sócios.

Nos últimos 12 meses, a TV Trem, que pode ser vista nas plataformas da linha Osasco-Grajaú, exibiu anúncios de empresas como Pão de Açúcar e Casas Bahia. Até dezembro, a programação será estendida às linhas das zonas oeste e leste, com prestações de serviços. “Em um momento em que se fala muito sobre convergência das mídias, a TV Trem leva comunicação em um ambiente de informação e cultura para o dia-a-dia dos consumidores”, comenta Paulo Voltolino, diretor de convergência digital da agência DPZ. O Metrô também tem a sua rede – mantida pela empresa TV Minuto. São 5.280 monitores – 48 em cada composição – instalados em três linhas.

IDÉIA QUE NASCEU NA VILA
Desde 2003, freqüentadores de bares descolados se deparam com monitores de TV com programação própria. O CineBoteco, idéia de dois proprietários de casas da Vila Madalena, se expandiu e hoje já é encontrado em cem bares paulistanos. “A Lei Cidade Limpa deu um empurrãozinho ao nosso crescimento”, admite o jornalista Eduardo Rosemback, diretor comercial da empresa. “Hoje posso dizer que dobramos de tamanho a cada ano que passa.” Em média, o estabelecimento parceiro instala dois monitores. Mas há casos extremos, como a Esquina da MPB, recém-inaugurado espaço integrado ao clássico Bar Brahma, no centro. Num dos endereços mais famosos da cidade, 16 telinhas exibem o CineBoteco.

Especialistas acreditam que essa tendência é definitiva e acompanha o desenvolvimento tecnológico. “Na verdade, mesmo sem a Cidade Limpa a mídia indoor cresceria”, afirma o publicitário Ernesto Villela, diretor da Enox Indoor, empresa que cresce 200% por ano desde 2004 e promove campanhas para marcas como Bradesco, Drogasil e Unilever.

em parceria com Diego Zanchetta e Rodrigo Brancatelli.


Domingo, 24 de agosto de 2008

17 de abr. de 2009

Propaganda troca outdoors por jeans e guardanapos

VIDA URBANA
Mídia indoor cresceu 40% desde a adoção da Lei Cidade Limpa; 80% do segmento tem sede em SP

São Paulo venceu as placas publicitárias. Mesmo assim, o publicitário Cristiano Tassinari Alves tem motivos de sobra para comemorar. Ele preside o conselho da Associação Brasileira de Mídia Indoor (Abramid) e enche a boca para divulgar que, após a Lei Cidade Limpa, o setor cresceu 40% em um ano.

Só em 2007, o segmento indoor abocanhou 4% dos R$ 26 bilhões do mercado publicitário nacional. Na capital paulista estão instaladas mais de 100 empresas do ramo – 80% do total brasileiro. E, se depender das previsões, todas podem preparar o champanhe. “Até 2010, esperamos ficar com 10% do bolo publicitário do País”, diz Alves.

De acordo com a Abramid, a rígida legislação provocou uma mudança no mercado. Metade das empresas de mídia exterior da cidade passou a desenvolver ações indoor. E o paulistano já percebeu – shoppings, aeroportos, bares, baladas, padarias e até farmácias foram tomadas por propagandas. “A principal diferença é que, enquanto o outdoor é muito massivo, o indoor é segmentado, seletivo”, diz a pesquisadora Ana Lucia Fugulin, professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

Para ela, isso permite uma menor dispersão de verbas publicitárias – uma vez que essas são canalizadas para um público dirigido. “O anunciante precisa conhecer melhor seus produtos e o público-alvo”, afirma. Quem não se adaptou fechou. “As empresas de outdoor que operavam somente na capital paulista deixaram de funcionar”, diz o presidente do Sindicato das Empresas de Publicidade Exterior (Sepex), o publicitário Luiz Fernando Rodovalho. “Trinta pararam, incluindo a minha.”

Mesmo que a Lei Cidade Limpa continue sendo seguida à risca após 1 ano e 8 meses de instalação, o dia-a-dia do paulistano continua sendo movido por marcas, mensagens e anúncios. Penduradas nas calças da TNG em vitrines de shoppings, há propagandas do cartão de crédito do Bradesco. Enquanto isso, dentro da academia, próximo da raia da piscina, o canal a cabo Telecine anuncia a reexibição do famigerado Duro de Matar. Já no descolado bar Salve Jorge, na Vila Madalena, o guardanapo divulga a água de coco em caixinha e faz até alerta sobre a lei seca.

em parceria com Diego Zanchetta.


Domingo, 24 de agosto de 2008

16 de abr. de 2009

Peças, móveis e o título de nobre. No leilão de Rothschild

SOCIEDADE
Barão põe à venda 230 preciosidades; dinheiro bancará projeto de revista

Pouca gente sabe, mas um ilustre membro da família Rothschild vive em São Paulo há 18 anos. O barão suíço Cyril Rudolf Maximilian von Goldschmidt-Rothschild, de 57 anos, mora em uma casa na Granja Viana, não quis saber de ser banqueiro e botou no martelo 230 preciosidades – parte do leilão ocorreria ontem, às 21 horas, parte está prevista para hoje.

Entre as peças, um par de cadeiras francesas feitas de carvalho em 1790, um tapete persa do século 19 e o cobiçado título de baronato. Mas por que se desfazer de tudo isso? São três os motivos, de acordo com o próprio barão. “Primeiro, a falta de dinheiro”, afirma, sem aceitar entrar em mais detalhes sobre a situação financeira. Outra razão – que, na verdade, é a causa da primeira – é o fato de ele acreditar ter sido muito roubado aqui no Brasil, por contadores e empresários com quem manteve negócios. O último é o mais prosaico dos motivos: “Gosto muito dos móveis e objetos de minha família, mas está um pouco apertado lá em casa.” Apertado? Qual o tamanho de sua casa, barão? “É uma casa normal.” Normal de que tamanho? “Não gosto muito de falar sobre isso.”

A discrição, aliás, é uma das marcas de Cyril. Ele admite que trocou a Europa pelo Brasil em busca do anonimato. “É pesado carregar o meu sobrenome.” No século 18, sua família fundou, na Alemanha, o Banco Rothschild, uma das instituições responsáveis pela consolidação do sistema financeiro moderno.

Cyril nunca é visto em badalações, mantém uma vida reservada e não aparece em colunas sociais. Sempre gostou de estudar relacionamentos. “Meu pai me deserdou porque eu preferi cursar Psicologia em vez de me tornar banqueiro”, conta. “Ele era uma pessoa muito dura.”

Em 1990, vivia em Paris, onde tinha uma agência de matrimônios. Conheceu a paulistana Márcia Marcelino e se mudou com ela para cá. Foi responsável porlançá-la na TV, já com o nome de Márcia Goldschmidt. Separam-se tempos depois. Desde 2005, é casado com a jornalista Carla Pisaroglo – que está grávida da primeira filha dele. Como se conheceram? “Pela internet”, revela. “Eu estava estudando as agências virtuais de relacionamento.”

O próximo projeto do barão terá a ajuda da jornalista. Será uma revista, que ele quer lançar em setembro, para tratar de seu tema preferido: relacionamentos amorosos. O sucesso do leilão dará fôlego financeiro para que a empreitada saia do papel. “Serão desde peças que não têm lance mínimo, como um par de copos de estanho, até outras cujo valor-base nem posso divulgar à imprensa, por razões de segurança”, diz a leiloeira Milu Molfi.

Entre essas, o cobiçado título de baronato, outorgado em 1907 por Wilhelm II, último kaiser alemão, ao bisavô de Cyril. Quem liga à empresa leiloeira e se apresenta como interessado na peça é informado que seu lance mínimo está afixado em R$ 500 mil.

Quinta-feira, 21 de agosto de 2008

15 de abr. de 2009

Entre resgates e tragédias, até partos

ESTRADAS
Em 2007, as 15 concessionárias do Estado prestaram 50,6 mil socorros OHL iniciou ontem atendimento nas Rodovias Régis e Fernão Dias

Eram 8 horas e a técnica em enfermagem Alceli de Oliveira havia acabado de chegar ao posto da SPVias em Alambari, no km 144,5 da Rodovia Raposo Tavares, para mais um dia de trabalho. Mas seu primeiro atendimento naquele 29 de abril de 2007 não foi nenhuma tragédia, como é comum acontecer – apenas no ano passado a concessionária efetuou 5,8 mil resgates a acidentados nos 516 quilômetros de estradas que administra. Em suas mãos, nasceria o pequeno Eduardo, filho da dona de casa Jocimara Rosa Martins, que estava sendo levada para fazer o parto em um hospital de Itapetininga. “Foi uma alegria fazer o parto”, lembra Alceli. “É uma história que repetirei para o resto da vida.”

Dos mais de 20 mil quilômetros de malha rodoviária estadual, apenas 3,5 mil têm administração privada. Os serviços de socorros médico e mecânico oferecidos pelas 15 concessionárias que atuam no Estado são uma contrapartida a quem utiliza as estradas e, para tanto, precisa pagar pedágio. Somadas todas as concessionárias, foram 50,6 mil atendimentos com ambulância no ano passado e 608 mil socorros mecânicos, de acordo com a Agência Reguladora de Transportes do Estado de São Paulo (Artesp).

A oferta de assistência acaba beneficiando não só os motoristas e passageiros que trafegam pelas rodovias como também os moradores que vivem nas proximidades. “É comum que nos procurem, porque o atendimento é mais rápido que o oferecido pelos serviços públicos de saúde”, diz o motorista de resgate Jaime Ferreira, que há seis anos trabalha em rodovias – atualmente está na SPVias. Nesses casos, funcionários da concessionária precisam pedir autorização à direção da empresa antes de agir. “Na semana passada mesmo, atendemos um morador de um bairro rural em São Miguel Arcanjo, perto de Sorocaba”, conta Ferreira.

No caso do menino que nasceu na Rodovia Raposo Tavares, os profissionais da concessionária fizeram até uma visitinha no dia seguinte. Foram ao Hospital Regional de Itapetininga e levaram um kit de fraldas, talco e xampu ao recém-nascido. A Câmara Municipal de Sarapuí, cidade onde mora a mãe, Jocimara, homenageou os “parteiros” com uma moção de aplauso. Mas, geralmente, as histórias não têm um segundo capítulo. “Em nossa profissão, a gente tenta se desapegar das coisas”, afirma a técnica em enfermagem Alceli. “A maioria é tragédia. São muitos acidentes e, quando o trabalho acaba, preferimos esquecer.”

NOVA EMPRESA
Um fato como esse ocorre raramente. “A concessionária não nega o atendimento, mas nossa prioridade é socorrer o usuário da rodovia”, explica Eneo Palazzi, superintendente da Autopista Régis Bittencourt. A rodovia começou ontem seu serviço de auxílio aos motoristas, assim como as outras quatro sob concessão da OHL Brasil: Fernão Dias, BR-101 (da Ponte Rio-Niterói até a divisa com o Espírito Santo), BR-116 (de Curitiba até a divisa de Santa Catarina com o Rio Grande do Sul) e o corredor que liga Curitiba a Florianópolis (BR-101). Nos últimos seis meses, os socorros médico e mecânico vinham sendo realizados pela Polícia Rodoviária, Corpo de Bombeiros e guinchos particulares da região.

Entre meia-noite e 18 horas de ontem, primeiro dia de funcionamento, ocorreram 247 atendimentos nas cinco estradas. Desses, 25 foram acidentes. Só a Régis Bittencourt, conhecida como “rodovia da morte”, registrou 15, a maioria na Serra do Cafezal, próximo a Juquitiba, um trecho com pistas simples e onde 70% do movimento é de caminhões. A concessionária promete iniciar obras de duplicação no próximo ano. A expectativa é que sejam concluídas em 2012.

A empresa não revela quanto investiu no sistema de atendimento, cujos gastos estão incluídos no orçamento de R$ 776 milhões para este ano. Mas, para atender os 450 mil motoristas diários, o sistema conta com 66 ambulâncias, 55 guinchos e 42 viaturas para inspeção nas cinco estradas. Um total de 836 profissionais, entre médicos, enfermeiros, técnicos e resgatistas, ficarão à disposição de quem trafega pelas rodovias. Por enquanto, não é cobrado pedágio. Mas a tarifa deverá ser criada até o fim do ano. Já o sistema Anchieta-Imigrantes, administrado pela Ecovias há oito anos, realiza por mês 8 mil atendimentos mecânicos, 4 mil com guinchos e 420 socorros médicos.

NÚMEROS
27.874 acidentes nos 3.500 quilômetros de estradas paulistas sob concessão foram registrados no ano passado.
Resultaram em 741 mortes, diz a Agência Reguladora de Transportes do Estado de São Paulo. 4.148 é o total de cabines telefônicas nas rodovias sob concessão. Só na Via Dutra são 800.
621 câmeras monitoram as estradas do Estado.
R$ 934 milhões foi o total investido em 2007, segundo a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias.
1.028 cabines fazem cobrança de pedágio no Estado – 174 são da AutoBan.

em parceria com Mônica Cardoso.


Sábado, 16 de agosto de 2008

14 de abr. de 2009

TCM apura falta de vagas especiais

TRÂNSITO
Problema é a pouca oferta e a fiscalização de locais para deficiente

O Tribunal de Contas do Município (TCM) enviou na segunda-feira um memorando à Subsecretaria de Fiscalização e Controle, determinando que a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) seja investigada quanto ao cumprimento da legislação de vagas de estacionamentos especiais – “com a finalidade de verificar quais medidas vêm sendo adotadas pela CET de modo a garantir vagas a deficientes, na forma estabelecida pela legislação em vigor”, diz o texto.

O documento, assinado pelo presidente do TCM, Roberto Braguim, leva em conta reportagem publicada pelo Estado no dia 2. Citando o jornal, Braguim afirma que “não vem sendo observada a legislação que disciplina, entre outras matérias, a reserva de vagas de estacionamento em vias públicas a deficientes”.

Conforme revelou o Estado, mesmo quase dobrando o número de vagas de estacionamento para pessoas com deficiência nos últimos três anos, a cidade de São Paulo mantém apenas cerca de um terço da quantidade prevista na legislação. A Lei 10.098/00 – regulamentada por um decreto de 2004 – determina que 2% do total de vagas nas ruas seja reservado para essas pessoas. Como a capital tem 32.112 locais de estacionamento, 642 deveriam ser exclusivos para esse fim. No entanto, há somente 241 – 0,7% do total.

Além de estarem em número insuficiente, muitas vezes essas vagas não são fiscalizadas corretamente. No fim de março, a reportagem flagrou desrespeitos nas ruas da cidade – na Rua Líbero Badaró, por exemplo, havia uma caçamba de lixo em cima de uma vaga especial. Entre julho e dezembro do ano passado, a CET registrou 2.204 autuações de pessoas que estacionaram em vagas exclusivas. A multa é de R$ 53,20, com perda de três pontos na carteira.

De acordo com a Assessoria de Imprensa do TCM, nos próximos dias uma equipe de auditores vai às ruas para constatar se a legislação vem sendo cumprida. A CET declarou, via Assessoria de Imprensa, que não vai se manifestar enquanto não for informada oficialmente.


Sexta-feira, 10 de abril de 2009

13 de abr. de 2009

Veto no Palácio há 19 meses

CIGARRO BANIDO

No Palácio dos Bandeirantes, sede administrativa do governo estadual, o fumo é completamente proibido desde setembro de 2007. Quando o governador José Serra (PSDB) assumiu, dos 1,1 mil funcionários, cerca de 250 eram fumantes. Podia-se fumar em qualquer repartição.

Logo em janeiro surgiu a primeira medida: haveria fumódromos para quem continuasse com o hábito. Nos outros ambientes, nada de fumacê. Nove meses depois, a restrição foi total. O funcionário que persistiu fumante precisa sair até a avenida.

Paralelamente, o Palácio firmou uma parceria com o Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod) para auxiliar os servidores que decidissem abandonar o vício. “Os interessados se inscrevem no programa e passam por uma entrevista com um médico para ver o grau de dependência”, explica a coordenadora do projeto antitabagista interno, Silvia Regina Alessio. “O fumante recebe medicamentos ou adesivos de nicotina e passa a ter acompanhamento psicológico. Uma vez por semana, há reuniões com o grupo.”

Já passaram pelo programa 148 pessoas e 87 disseram adeus ao cigarro. É o caso da diretora do Núcleo de Pessoal, Cleuzenir de Assumpção, de 55 anos. “Comecei a fumar com 12 anos. Era de dois a três maços por dia”, conta. Ela participou do programa por dois meses. Usou adesivos e chicletes de nicotina. “No fim, marquei uma data e fiz um enterro simbólico de um maço de cigarros no Parque do Ibirapuera.”


Quinta-feira, 9 de abril de 2009

12 de abr. de 2009

SP ganha primeiros mapas táteis

ACESSIBILIDADE
Fundação Dorina Nowill e Estação Santa Cecília do Metrô têm os seus

Um projeto desenvolvido pela Fundação Dorina Nowill para Cegos em parceria com o Complexo Educacional Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) pretende facilitar a vida dos deficientes visuais paulistanos. Na quarta-feira foi lançado, na sede da fundação (Rua Dr. Diogo de Faria, 558, Vila Clementino), um mapa tátil com os principais pontos da região.

Graças aos desenhos em relevo e às informações em código braile, os frequentadores da instituição conseguem identificar nele as ruas e os principais estabelecimentos do bairro, como hospitais, igrejas, restaurantes e a Estação Santa Cruz do Metrô. Os dados também estão impressos em tinta, com alto contraste, para ajudar pessoas com pouca visão.

Deficiente visual desde 2002, a professora Diana Ferreira Rocha de Oliveira testou e aprovou o mapa, que mede 1,2 m por 1,2 m. "Facilita muito, porque com ele temos uma boa noção da distância e sabemos onde estão os semáforos", exemplifica. Ela mora em Caieiras, município da Região Metropolitana de São Paulo e uma vez por semana toma, sozinha, ônibus, trem e metrô para ser atendida pela Fundação Dorina Nowill.

MAIS MAPAS
Esse não é o único mapa para cegos da cidade. Há uma semana, o Metrô inaugurou um guia parecido, medindo 0,8 m por 0,8 m, na Estação Santa Cecília. "Queremos facilitar a circulação nos arredores da estação e auxiliar a compreensão do espaço urbano", explica Maria Beatriz Barbosa, chefe do Departamento de Relacionamento com o Cliente da companhia.

Ambos os projetos foram desenvolvidos em parceria com o Departamento de Arquitetura da FIAM/FAAM, que integra o complexo FMU. De acordo com a coordenadora do curso de Arquitetura, Paula Katakura, um mapa assim leva cerca de dois meses para ser produzido. "Fazemos uma revisão do que existe nas ruas e procuramos indicar os equipamentos urbanos mais utilizados pelos deficientes, como hospitais e centros de atendimento", conta. Vinte profissionais estiveram envolvidos na confecção do mapa da Fundação Dorina Nowill, entre professores e alunos da universidade e técnicos da fundação.

O projeto não deve parar por aí. "Iremos desenvolver um manual para o Metrô, a fim de que nas novas licitações de estações já sejam previstos mapas táteis", antecipa Paula. A companhia confirma ter interesse em implantar os guias, gradativamente, em todas as estações da cidade. "Ainda não definimos onde ficará o próximo, mas é possível que seja o da (Estação) Santa Cruz, justamente por causa da proximidade com a Fundação (Dorina Nowill)", diz Maria Beatriz.

No que depender da fundação, aliás, o cumprimento da promessa será cobrado. "Eles (do Metrô) têm um compromisso com a gente de colocar (os mapas táteis) em todas as estações", frisa a diretora executiva responsável pelo voluntariado da Fundação Dorina Nowill, Ika Fleury. "Na semana que vem mesmo quero marcar uma reunião com eles para definirmos as próximas estações (a receber os mapas) e os prazos."

INDEPENDÊNCIA
Para a pedagoga especializada em deficiência visual Maria Glicélia Alves, professora de orientação e mobilidade da fundação, o mapa se transformou em uma útil ferramenta de trabalho. "É uma contribuição valiosa. Com ele, consigo trabalhar no concreto. As pessoas reconhecem as ruas e se orientam melhor", explica. "O que a gente quer é a independência desse deficiente", completa a diretora Ika.

Um "efeito colateral" da implantação dos mapas táteis vislumbrado pela diretora é que os futuros profissionais de engenharia e arquitetura eduquem seu olhar para a causa dos deficientes. "Quando os alunos da universidade veem esses projetos, eles podem imaginar novas aplicações do que se pode fazer em termos de acessibilidade."

Ika ressalta que iniciativas assim são importantes naquela região por causa do grande número de entidades assistenciais situadas ali. Desde o final de 2007, 35 instituições dos bairros da Vila Clementino, Vila Mariana, Aclimação, Paraíso e Bela Vista formam o Projeto Conexão. Além da fundação, ficam na região entidades como a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) e o Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (Graacc).

LOCALIZAÇÃO INTERNA

O Centro Cultural São Paulo, no Paraíso, oferece desde janeiro aos seus visitantes nove mapas táteis com a disposição de suas dependências.


Sábado, 11 de abril de 2009

11 de abr. de 2009

Moema tem 124 quadras com prédios proibidos

URBANISMO
Há 4 anos, zoneamento indefinido impede construções na região

Uma indefinição jurídica impede há mais de quatro anos a construção de empreendimentos em 124 quadras do distrito de Moema, na zona sul de São Paulo. No final de 2004, um veto do Executivo às mudanças no zoneamento da região criou um "buraco negro" no uso e ocupação do solo. Uma resolução liminar válida há dois anos determinou para a área um zoneamento misto de baixa densidade, considerado restritivo demais por parte dos moradores e principalmente pelo mercado imobiliário - só é possível construir de uma a duas vezes a área do terreno e são liberados apenas prédios comerciais e de serviços de baixo impacto, como lojas e padarias.

Com as discussões sobre a revisão do Plano Diretor na Câmara Municipal, o futuro do zoneamento de Moema também entrou em debate. Se aprovada a revisão, o governo poderá propor mudanças no zoneamento da cidade. A gestão Gilberto Kassab (DEM) defende um projeto de lei que permite, em dois terços do "buraco negro" de Moema, um zoneamento de alta densidade, menos restritivo. Na área mais residencial, próxima do Parque Ibirapuera, são mantidas as restrições que estão hoje em vigor provisoriamente.

Pela resolução emitida no final de 2007 pela Câmara Técnica de Legislação Urbana (CTLU), subordinada à Secretaria Municipal de Planejamento, bares, padarias e lojas de comércios de baixo impacto podem pedir alvará de funcionamento. Uma decisão judicial também orienta que o zoneamento da região é o que vigorava antes do veto da Prefeitura, ou seja, de baixa densidade em toda a área das 124 quadras.

Com o projeto do governo em trâmite na Câmara, a zona mista de alta densidade, onde poderão ser erguidos novos empreendimentos como prédios residenciais, vai abranger o perímetro formado pelas Avenidas IV Centenário, República do Líbano, Ruas Afonso Brás, Euclides Parente Ramos e Inajaroba. Hoje essa área é de baixa densidade e altamente restritiva. Permanece no projeto como zona residencial de baixa densidade a região formada pela junção das Ruas Canário, Coronel Raul Humaitá Vila Nova, Inhambu, Inajaroba, Euclides Parente Ramos e Afonso Brás.

"Primeiro vamos tentar aprovar a revisão do Plano Diretor. O que está sendo proposto para Moema é o zoneamento definido pelo grupo gestor do Plano Estratégico da Vila Mariana, de 2004. Foi uma decisão dos moradores", afirma José Police Neto (PSDB), líder de governo na Câmara.

Segundo a Secretaria Municipal de Habitação, nenhum empreendedor faz solicitações de projetos na região de Moema porque o mercado imobiliário sabe que o zoneamento da região logo se tornará menos restritivo. "Para as incorporadoras é muito ruim o zoneamento em vigor em Moema. Nenhum empreendedor pode fazer projetos para uma região com boa infraestrutura", afirma Luiz Paulo Pompéia, presidente da Empresa Brasileira de Estudos do Patrimônio (Embraesp). "As restrições têm de acabar, esse buraco no zoneamento engessa o mercado em uma região com boa rede de transporte", argumenta João Crestana, diretor do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi).

Na região de Moema, a maioria das pessoas desconhece esse imbróglio da Lei de Zoneamento. A própria presidente da Associação dos Amigos e Moradores de Moema, Lygia Horta, admitiu à reportagem que não está inteirada da situação - demonstrou surpresa, aliás.

Para a urbanista Lucila Lacreta, do movimento Defenda São Paulo, é preciso tomar muito cuidado para conter a "farra do mercado imobiliário". "É necessário fazer um estudo muito sério antes de redefinir o zoneamento dali", defende. "Trata-se de uma área já saturada e o mercado imobiliário quer liberar aquilo a qualquer custo. Não adianta ir com muita sede ao pote."

em parceria com Diego Zanchetta.


Sexta-feira, 10 de abril de 2009

10 de abr. de 2009

A Bela que veio do pop

PAULISTÂNIA
Ex-Rouge, Lissah Martins já foi Miss Saigon e agora estrela novo musical

Lissa Kashiwaba. Patrícia Lissa. Lissah Martins. Cada um desses nomes representa uma fase na carreira da cantora Patricia Lissa Kashiwaba Martins que, aos 25 anos, se prepara para viver a Bela do musical A Bela e A Fera, programado para estrear no dia 29 no Teatro Abril, em São Paulo.

Lissa Kashiwaba nasceu em Rolândia, município de 55 mil habitantes no norte do Paraná, neta de imigrantes japoneses. O nome Lissa - "o que traz felicidade" - foi a maneira que os pais encontraram para registrar seu sentimento quando do nascimento da primeira filha - depois vieram outras duas meninas. "Meu avô materno, japonês, gostaria que minha mãe se casasse com um oriental. Só quando eu nasci passou a aceitar melhor o meu pai", revela.

E foi por influência da avó que ela começou a cantar. "Como ela só falava em japonês, minha mãe me matriculou numa escola do idioma", lembra. "Então comecei a participar de festas nas quais cantava e dançava." Dali para os festivais, comuns na região, foi praticamente automático. Lissa cantou nesses eventos até os 14 anos.

O sucesso infanto-juvenil lhe rendeu dois convites: integrar o coral do colégio católico onde estudava e animar casamentos e festas de aniversário. Há pouco mais de dez anos colocou na cabeça que queria ser artista. "Era a época de Titanic. Eu via a Celine Dion (intérprete da música-tema 'My Heart Will Go On') e achava o máximo. Comecei a conhecer todas as divas."

Aos 17 anos, Lissa achou que era hora de sua carreira começar a acontecer fora do circuito aniversário-casamento. "Queria ir para o Rio ou para São Paulo", diz. "Meus pais disseram que, sozinha, eu não poderia, de jeito nenhum." A família vendeu tudo e se mudou para a capital fluminense. Ela tinha acabado o ensino médio e chegou a se inscrever para o vestibular de Educação Física da Universidade do Estado do Rio (Uerj). "Mas, no dia da prova, apareceu um teste em São Paulo."

A família ainda não tinha nem instalado TV na nova casa, quando um vizinho avisou das inscrições para Popstars, um reality show do SBT. "Pensei que de repente podia ser legal, né? Aí me inscrevi", conta. Gravou duas músicas de Lara Fabian - "uma romantiquinha e outra agitadinha" - e enviou pelo correio, como outras 30 mil pessoas. Foi selecionada e se mudou para São Paulo. A cada fase, o grupo de classificados ficava menor. No fim, restaram Aline Wirley, Fantine Thó, Karin Hils, Luciana Andrade e Lissa, chamada pelo programa de Patrícia Lissa. Os vencedores se transformaram no Rouge, que de 2002 a 2005 emplacou sucessos-chiclete como Ragatanga, Não Dá Pra Resistir e Um Anjo Veio Me Falar - Luciana Andrade saiu da formação em 2004. Fizeram shows em todo o Brasil e turnês por América Latina, Europa e África. Lançaram quatro CDs e venderam milhões.

Na vida pessoal, Patrícia Lissa então experimentou a sonhada liberdade de morar longe dos pais. "Imagina, só: 18 anos, sozinha em São Paulo. Acha que estranhei alguma coisa? Estava achando o máximo: só não ia para a balada quando tinha show." No início, dividiu um flat no Itaim com as meninas. Depois, morou com uma tia na Vila Gumercindo. "A gente já tinha concluído esse ciclo e cada uma estava com vontades diferentes", diz, para explicar o fim do Rouge. "Mas a gente se fala direto, somos amigas."

Com o fim do grupo, ela decidiu voltar a usar o nome Lissa, só que, dessa vez, com um agá - "coloquei para ficar mais bonito" -, e utilizando o sobrenome paterno Martins - "Kashiwaba ninguém consegue falar direito". Seu plano era seguir carreira solo. Fez shows em casas noturnas da Vila Olímpia e preparava um CD. "Aí fiquei sabendo das audições para o Miss Saigon (musical que também esteve em cartaz no Teatro Abril)", afirma. "Acabei passando, sem querer, no susto mesmo." E logo no papel da protagonista, Kim. A montagem foi vista por 300 mil pessoas. "No começo, entrei em pânico", revela. "Pensei que a crítica fosse cair em cima de mim porque eu era cantora pop e não saberia atuar, cantar em musical, essas coisas."

Quando já se preparava para retomar a carreira solo, decidiu participar das audições para A Bela e A Fera. "Fiquei meio insegura por causa do meu perfil. Apesar de achar que não sou tão japonesa assim", comenta. Aprovada, vive desde o dia 2 de março uma rotina rígida de ensaios - oito horas por dia, seis vezes por semana. Tudo para ficar tinindo para a estreia.

E, enquanto tudo vai dando certo na vida profissional, Lissah se prepara para o que virá em 20 de maio. É quando realizará o sonho de se casar, na igreja - "Não vou falar onde é para não encher de fã" -, com o músico Matheus Herriez, com quem vive há um ano e meio em um apartamento em Santana. Ele integrava a boyband Br'Oz, uma versão masculina do Rouge, também extinta. O casamento ocorrerá no meio da temporada de A Bela e A Fera. "Não vamos poder viajar de lua de mel, né? Mas dá para esperar um pouquinho."


Domingo, 5 de abril de 2009

9 de abr. de 2009

O samba que nasceu no meio do mato

CULTURA
Na pequena Quadra (SP), 'sambeiros' e 'cantadores' preservam tradição caipira e viram curta-metragem


Os instrumentos, todos de percussão, são feitos artesanalmente. Os músicos se autodenominam "sambeiros" e "cantadores". O ritmo é marcado pelo batuque de bumbos - que eles chamam de "caixas" -, pandeiros e reco-recos. Os versos, simples e espontâneos, são cantados como toadas. O sotaque é inconfundível - e, à primeira escutada, quase incompreensível para quem é de fora. O orgulho está nas letras: "Esse meu samba caipira/ Que nasceu lá no sertão/ Gravei o samba em DVD/ Não posso deixar morrer/ Nossa velha tradição."

À frente desse resistente grupo está João José Andrade, de 65 anos, mais conhecido como João do Ditão. Ditão era o pai dele, com quem João aprendeu a ser "sambeiro". O pai de Ditão aprendeu com o avô que aprendeu com o bisavô. "Meu bisavô trabalhava em senzala e aprendeu com os escravos", conta.

Em sua turma tocam João Mendes de Góes - "tanto faz escrever com 'e' ou com 'i'", diz ele -, de 71 anos, apelidado de Paçoca; Francisco Soares, o Preto, de 67 anos; Julieta de Andrade Soares, de 66; Francisco Dimas da Silveira, chamado de Chico Pinto, de 56 anos; e José Carlos Soares, também de 56. São Os Filhos da Quadra. "Desde 1964, quando 'comecemo', já 'passou' comigo uns 30, 40 cantadores", lembra João do Ditão, o veterano e professor do grupo.

Eles nasceram e sempre moraram em Quadra, uma pequena cidade de menos de 3 mil habitantes, localizada a cerca de 150 quilômetros da capital paulista. Era distrito de Tatuí - se emancipou em 1993. Integram um dos sete grupos de samba caipira que ainda existem no interior paulista, em cidades como Vinhedo, Mauá e Pirapora do Bom Jesus.

João do Ditão frequentou somente até a 3ª série de um colégio rural. Mas tem uma sabedoria inata, cabocla, matuta, cheia de poesia. "Quem quer aprender verso/ Procure o João do Ditão/ Versão de Samba caipira/ Que é a raiz do meu sertão." Garante que já compôs "mais de mil versos" - um verso, para ele, é uma música toda.

Seu método é assim: primeiramente, escreve num caderninho, depois repassa para Julieta, que é sua irmã, decorar. "Só então ensino a toada para ela", explica. Tudo muito simples. "Não gostamos de nada 'luxento'", frisa Julieta.

Durante a visita ao grupo, a reportagem do Estado foi brindada com uma homenagem, ao estilo repentista: "Pra ouvir samba caipira/ Vem gente da capital/ Pra mim vem fazer visita/ O repórter da imprensa escrita / Pra pôr o samba no jornal."

Além de compor músicas para o grupo, João também escreve poemas. Não gosta de mostrá-los. "Troco as letras", se justifica. Talvez ele não faça ideia de que, em seu caso, substituir "ss" por "ç" e colocar um "z" onde caberia um "s" não têm o menor problema.

É o próprio João, carpinteiro de ofício, quem constrói os instrumentos. Tem um pandeiro, de couro de bode, que foi feito há 60 anos por seu pai, o Ditão. "Os (instrumentos) que vêm de fábrica saem fora do padrão", acredita. Essa originalidade corria risco de extinção, já que os jovens de Quadra não se interessavam muito pelo estilo. "Eles preferem coisas mais doidas", afirma Preto.

O FILME
Foi quando o funcionário público Marcel Defensor Dias, do Departamento de Agricultura da prefeitura de Quadra, entrou na história. Ao saber que o cineasta Gustavo Mello havia feito uma série sobre samba de São Paulo, para a TV Cultura, decidiu ligar para ele. Contou sobre os "sambeiros" quadrenses. "Quadrados", corrige João, aos risos.

"Fui para lá com um antropólogo por três vezes, em 2007", lembra o cineasta. "Ficamos impressionados. Era uma coisa diferente dos demais grupos que conhecíamos." Ele bolou um documentário, inscreveu o roteiro no Prêmio Estímulo de Curta Metragem e conseguiu o financiamento de R$ 80 mil para rodá-lo, no ano passado.

Nos quatro primeiros meses de 2008, Mello e sua equipe - o filme é codirigido por Luiz Ferraz - passavam uma semana a cada 30 dias na cidade. "No começo, não conseguíamos nem entender o sotaque", admite o cineasta. "E eles eram bastante tímidos." Depois desse processo, todos ficaram mais à vontade para a gravação, ocorrida durante cinco dias no final de maio.

O filme Samba de Quadra - O Samba Que Veio do Mato estreou no Festival É Tudo Verdade - no Rio, dia 29 de março, e em São Paulo, no dia 2. As próximas exibições na capital paulista estão previstas para hoje, às 17h, no Centro Cultural Banco do Brasil; e dia 16, às 12h, na Casa das Rosas. Na primeira sessão paulistana, no dia 2, os "sambeiros" vieram em caravana ao CineSesc. "Só assistimos ao filme e 'vortemo' embora", afirma João. "São Paulo é muito grande, a gente se perde e periga ficar."

NÃO DEIXE O SAMBA MORRER
O facho de luz que o cinema lançou sobre a música típica de Quadra tem funcionado como uma garantia de que o estilo não vai mais desaparecer. "Meus netos não se interessavam, mas agora estão aprendendo", diz Julieta. É verdade. Sabrina, de 12 anos, já canta com a avó - embora ainda não consiga disfarçar a timidez. Gabriel, aos 8, leva jeito no reco-reco. Simbolizam a esperança de que a tradição centenária, cuja origem ninguém explica ao certo, não está condenada à extinção.


Domingo, 5 de abril de 2009

8 de abr. de 2009

Shoppings cumprem lei, mas não fiscalizam

ACESSIBILIDADE
MPE pretende assinar termos de ajustamento de conduta neste mês

Dentre os espaços privados, os shoppings são os campeões de reclamações de desrespeito às vagas de estacionamento exclusivas para pessoas com deficiência. Praticamente todos na cidade de São Paulo seguem a legislação e destinam pelo menos 2% do total de vagas para esse público. No entanto, não há fiscalização interna desses espaços. Para evitar conflitos com os clientes, muitos simplesmente não reprimem quem ocupa indevidamente as vagas.

Na tentativa de acabar com o problema, o Ministério Público Estadual (MPE) vai assinar no próximo mês termos de ajustamento de conduta (TAC) com alguns centros de compras da capital. Um dos principais pontos do acordo diz que esses lugares terão de manter metade das vagas de estacionamento para pessoas com deficiência cercadas com correntes, sendo permitido o acesso somente para carros com a identificação apropriada. Além disso, haverá campanhas para orientação dos clientes, com avisos sonoros.

De acordo com o promotor Júlio Botelho, do Grupo de Proteção à Pessoa Portadora de Deficiência do MPE, aproximadamente 70% dos shoppings indicaram que vão assinar o acordo, que prevê multa em caso de descumprimento. “E nós vamos ingressar com Ação Civil Pública contra os demais que não aderirem ao acordo e não se adequarem”, diz Botelho.

A reportagem do Estado passou 1 hora, na tarde do dia 25, acompanhando o entra e sai das vagas especiais de um dos setores do Center Norte. Dos 14 carros estacionados, apenas dois tinham o adesivo de deficiente físico no para-brisa. “Não podemos arrumar encrenca com o cliente”, disse um vigilante, que pediu para não ser identificado. O Center Norte destacou, em nota, que conta “com o bom senso dos frequentadores”. “Os seguranças abordam a pessoa que parou o carro no local indevido. Os vigilantes pedem, com gentileza, que a pessoa retire seu carro. Entretanto, o shopping não tem autonomia para multar ou retirar o veículo do infrator”, diz a nota.

Outros shoppings procurados pela reportagem deram respostas semelhantes. No Eldorado, os seguranças colocam um adesivo no vidro do carro, identificando que aquela vaga é reservada a deficientes. O Shopping Metrô Santa Cruz garante que “ainda não houve registro de cliente não portador de deficiência que tenha se recusado a retirar o veículo de uma vaga reservada”. O MorumbiShopping frisa que disponibiliza serviço de manobrista sem custo adicional aos frequentadores com mobilidade reduzida.

Os Shoppings Iguatemi e Market Place lembraram que “cabe ao poder público fiscalizar o cumprimento da lei”. Eles também deixam no veículo infrator um aviso informativo.

em parceria com Renato Machado.


Quinta-feira, 2 de abril de 2009