24 de abr. de 2009

Realidades distantes de uma mesma cidade

ELEIÇÕES 2008
No dia de ir às urnas, as expectativas dos eleitores que votam nas seções mais próximas e mais afastadas do marco zero de São Paulo

Se pudesse fazer um único pedido ao futuro prefeito de São Paulo, a educadora Maria Soares da Silva, de 65 anos, iria "implorar” para que ele cuidasse mais da saúde. “Votei confiando nisso”, diz. Para 26% dos 11.796 eleitores que, como ela, votam na Escola de Comércio Álvares Penteado – onde estão as seções mais próximas do marco zero –, esse é o principal problema paulistano, conforme apurou a reportagem do Estado em pesquisa informal. “Não só daqui, mas de toda a cidade”, emenda o aposentado Tabajara Stocco, de 72 anos. A faixa etária na região é elevada: de cada 100 moradores, pelo menos sete já passaram dos 65 anos, com a expectativa de viver até os 74,4 anos, segundo o Atlas do Trabalho e Desenvolvimento da Cidade de São Paulo – de onde foram tirados todos os indicadores que aparecerão nesta reportagem.

Em Marsilac, 51 quilômetros ao sul da Praça da Sé, a esperança de vida ao nascer é 9 anos a menos. Entretanto, ali a maior preocupação não é a saúde. Na sondagem realizada pela reportagem, 35% dos entrevistados pedia linhas de ônibus. “Quando quero vir à vila, tenho de caminhar por 1 hora”, conta a dona de casa Ana Maria da Silva, de 49 anos. “Votei porque acredito que teremos ônibus duas vezes por dia”, sonha o lavrador Militão Siqueira Filho, 74 anos.

Transporte público é um item que parece se tornar mais importante ainda em um distrito que combina duas estatísticas complicadas. A renda mensal média per capita é de R$ 146,5 – ante R$ 591,9 da região da Sé – e a densidade demográfica, a menor de São Paulo, é de 40 habitantes por quilômetro quadrado – contra os 9.159 do centro. Resumo da ópera: tudo é longe e a maioria das pessoas não tem carro.

Saneamento básico também é um item que preocupa os moradores do povoado, com toda razão. “Aqui é tudo água de poço”, reclama o segurança Alexandre Klein Barbas, 35 anos. E emprego. “Na periferia, falta trabalho para a molecada”, alerta o marceneiro Daniel Rodrigues, 62 anos. Em Marsilac, a taxa de desemprego é de 24,4% – mais que o dobro do índice da região central, de 11,2%.

A HORA DO VOTO
Quando amanheceu o dia, milhares de “santinhos” formavam um horrendo tapete na Rua Filomena Belmonte, onde fica a Escola Regina Miranda Brandt de Carvalho, em Marsilac, ponto de votação mais distante do marco zero de São Paulo. Molhados pela chuva, os papeizinhos estavam grudados no chão e deixavam desbotar as fotos dos candidatos – que, pelo tipo de propaganda, porcalhona e anti-ecológica, deveriam merecer um troféu às avessas.

Às 7h30, o dono da doceria em frente à escola decidiu botar vassoura e mãos à obra. “Tem que limpar, não pode ficar essa sujeira...”. Chileno, Juan Carlo Sotto Toledo é conhecido apenas como “seu João”. Tem 64 anos. Mora no Brasil há 34 – os últimos 12 em Marsilac. Por ser estrangeiro, não tem título de eleitor. Na fila que aguardava a abertura do portão da escola, muitos passaram a observar, admirados, o zeloso trabalho de João. Mas ninguém se ofereceu para ajudá-lo.

O primeiro da fila, o manobrista Caio César Vieira, de 19 anos, esperou à toa. Entrou na escola e saiu minutos depois. “Vim enganado”, explicou-se, esbaforido, ainda meio sem entender. “Descobri que voto em outro bairro.”

Às 8h em ponto, quase uma centena de moradores se amontoava na pequena capela em honra a São João Batista, a poucos metros da escola, para a tradicional missa dominical. O catolicismo é forte no bairro e muitos moradores deixaram para votar depois das orações. E depois de ouvirem o conselho do padre Maciel José da Silva: “Votem certo. Não elejam candidatos que tenham projetos contrários à moral cristã.” Quarenta e duas famílias estão cadastradas como contribuintes do pagamento do dízimo – embora apenas 24 tenham quitado o último mês.

A maioria dos 709 eleitores inscritos nas duas seções do bairro preferiu votar pela manhã. No caminho para as urnas, amigos se encontravam e papeavam pelas ruas. Tudo sem pressa. Como se cada um aproveitasse a seu modo o dia especial que vivia o bairro por causa das eleições – movimento, muita gente nas ruas, falatório e os apitinhos eletrônicos das urnas, após o botão de confirmação. “Gosto de votar”, afirma o aposentado Ruy Vieira de Souza, de 76 anos. “Por isso, mesmo não sendo obrigatório, por causa da minha idade, continuo vindo. Farei isso até morrer.”

Já no centro da cidade, a votação mais parece um gesto mecânico, rápido e praticamente silencioso. Os transeuntes caminhavam com um ritmo constante. Bate-papos eram raros. O perfil dos eleitores mudava conforme o horário. Nas filas, logo cedo, estavam camelôs, seguranças, motoboys e taxistas. Votavam e saíam apressados para trabalhar.

Depois das 9h, chegavam os casais idosos, senhores sisudos de terno, mulheres que aproveitaram o tempo chuvoso para tirar do armário casacos e echarpes. “Precisa melhorar o visual do centro, plantar árvores”, lembrava a aposentada Joaquina Maria da Silva Faleiros, 76 anos. O sacristão José Predebon, 80 anos, chegou na hora do almoço e subiu a escadaria sem ajuda. “Se meu candidato fosse eleito, ele ia melhorar o centro”, alardeou. “Mas não vai ser.”

Os jovens, em sua maioria, deixaram para vir à tarde. A secretária Débora Gomes da Silva, de 18 anos, votou pela segunda vez. “Meu primeiro voto, com 16 anos, foi uma decepção.” Boa parte escolheu o candidato por suas propostas, como Cristiane Helena Shei, de 24 anos. “O programa dele é tudo o que a cidade precisa.”

A ex-lojista Odete Fernandes, de 58, ambulante por “falta de opção”, acha que seu candidato persegue menos os camelôs. O segurança João de Souza, 60 anos, resolveu anular o voto quando já estava dentro da cabine. “Foi assim num estalo: esses caras só mentem.”

Entre os 12% dos entrevistados que apontaram como maior problema os moradores de rua, o frade franciscano Sérgio Calixto, de 72 anos, disse que “são sofredores e merecem mais atenção”. A reportagem contou 52 sem-teto na Praça da Sé e entornos. Apenas sob uma marquise, no Largo São Francisco, dormiam 23 pessoas enroladas em farrapos. O soldador Alcides Messias Santos, 22 anos, desafiou o futuro prefeito a “botar eles para trabalhar”.

Para 10% dos entrevistados, como a cartorária Maria Gonzales Jaime, 19 anos, o futuro prefeito precisa melhorar o trânsito. Falta de segurança e de trabalho também foram problemas lembrados. “Moro no centro e vivo assustada”, diz Maysa de Oliveira, de 42 anos, técnica em enfermagem.

Em Marsilac, ninguém citou programa de governo para justificar suas escolhas. A maioria preferiu lembrar obras realizadas em gestões anteriores. “Voto em quem criou o Bilhete Único”, explica o pedreiro Manuel Cardoso de Sá, 60 anos, que diz não saber direito se seu nome é Manuel ou Manoel “porque em cada documento está de um jeito”. Em seu título de eleitor, a grafia é Manuel. “Meu candidato me conquistou porque ficou apenas dois anos na prefeitura e já fez um monte de coisa”, acredita o chaveiro José Reis da Silva, 49 anos. “Minha escolha é por causa da Bolsa Família”, justifica-se a dona de casa Ana Maria Urias da Silva, 46 anos. “Meu candidato fez um bom trabalho na área da saúde”, resume o vigia Abimael Freitas da Silva, 62 anos. Há ainda o grupo dos que se fiam em promessas de campanha. “Eu quero isso de internet de graça para todo mundo”, admite o desempregado Geílton Fortes Nunes, 21 anos.

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH, que varia de 0 a 1) de Marsilac é de 0,701. Nos arredores da Sé, o valor é 0,838.

em parceria com José Maria Tomazela.


Segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Nenhum comentário: