31 de jul. de 2009

Visitinha (quase) ilustre

AVES

A redação ficou alvoroçada hoje pela manhã, com duas aves que apareceram na janela, aqui no 19.º andar de nosso prédio, na Marginal Pinheiros.

- São urubus! Sinal de mau agouro... – comentou uma míope repórter.

- São falcões peregrinos – afirmou, categórico e pimpão, um editor metido a sabe-tudo.

- É o superman – pensou todo mundo (mas ninguém teve coragem de falar).

Liguei para o ornitólogo Johan Dalgas Frisch, presidente da Associação de Preservação da Vida Selvagem e autor do livro Aves Brasileiras. Enquanto conversávamos, ele ficou empolgado com a nobre visita. “Devem ser os falcões. Dos 10 000 exemplares que existem no mundo, dois costumam vir para a cidade de São Paulo anualmente. São do hemisfério norte e migram para fugir do frio. Chegam antes do Natal e vão embora logo depois do Carnaval”, disse.

Mas quando ele abriu meu e-mail com a foto, soltou uma gargalhada. “Não passam de carcarás”, diagnosticou. “Esses aí são encontrados até em lixões.”

Pois é. Pensávamos que tínhamos sido visitados pelos nobres falcões peregrinos. Mas quem veio bater à nossa janela foram os seus primos pobres.


Segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

30 de jul. de 2009

Uma geral na M´Boi Mirim

CIDADE

A Estrada do M'Boi Mirim, na Zona Sul, é uma das ruas mais perigosas da cidade. De acordo com a CET, ela só perde para as marginais Tietê e Pinheiros em número de mortos no trânsito por ano - a cada cinco dias uma pessoa é atropelada no local. Não dá para generalizar, mas muitas dessas fatalidades poderiam ser evitadas com melhorias por ali.

Demorou, mas parece que a prefeitura se deu conta disso. A Secretaria das Subprefeituras anuncia para amanhã cedo o início de uma operação na região, que mobilizará 140 funcionários, dezenove caminhões, oito peruas e duas retroescavadeiras. Esse batalhão fará serviços básicos de conservação: limpeza e reforma das guias, sarjetas, calçadas e bocas de lobo, implantação de rampas de acessibilidade, varrição e retirada de entulhos.


Domingo, 24 de fevereiro de 2008

29 de jul. de 2009

Ainda sobre o Paulistão

FUTEBOL

Fui lá ver o regulamento da competição. E constatei o óbvio: mesmo que Palmeiras, São Paulo, Corinthians e Santos acabem ocupando as privilegiadas colocações do "quadrangular caipira", palmeirenses, são-paulinos, corintianos e santistas não correm o risco de terem de comemorar o estrambótico título de Campeão do Interior. Vejam o que diz o texto:

Equipes da capital de São Paulo e o Santos não podem participar desta disputa. Caso uma delas fique entre 5º e 8º, as equipes interioranas subseqüentes na tabela se classificam para a competição.

Ainda acho que deviam dar uma chance para a Portuguesa, ao menos.


Quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

28 de jul. de 2009

Capital x Interior

FUTEBOL

Pelo regulamento do Paulistão deste ano, os quatro primeiros colocados nos pontos corridos disputam o título - num sistema de mata-mata em duas fases: semifinais e final. Os clubes que ficarem da quinta à oitava posição na primeira fase se digladiam em busca do cobiçado caneco de Campeão do Interior.

Nove rodadas se foram e apenas o São Paulo está entre os quatro melhores - mesmo assim, a seis pontos do time líder, a Ponte Preta. Será que vamos chegar ao ponto de precisarmos da criação de um troféu Campeão da Capital?

(Espero que meu Palmeiras vença logo mais o Rio Claro e encoste nos líderes!)


Quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008


27 de jul. de 2009

Vem aí mais um parque

PARQUES

Feito alvissareiro, trago duas boas notícias.

A primeira é que, como vocês já perceberam, ando sumido do blog. (Mas confesso que sinto saudades de postar aqui.)

A outra é que amanhã (16) a prefeitura e o governo estadual devem assinar um convênio para a criação de mais uma área verde na capital: o Parque Sete Campos, na Cidade Ademar, Zona Sul. Pelo acordo, o novo espaço de lazer será implantado pela Secretaria de Subprefeituras em parceria com a Subprefeitura da Cidade Ademar. Esperamos que não demore para ficar pronto. Deve beneficiar uma região carente, onde vivem 370 000 paulistanos.

Como perguntamos há duas semanas nos Mistérios da Cidade, quando chegaremos a 100 parques?


Sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

26 de jul. de 2009

Teste: quanto tempo dura o "em breve" da CET?

INTERNET

O site da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) mantém um espaço chamado Fale com a CET, destinado a receber sugestões e críticas dos internautas, além de sanar dúvidas ali postadas. Às 14h de quinta passada, dia 7, resolvi testar o serviço.

Após o envio, a CET diz que entrará em contato “em breve”.

Já se passaram quase 100 horas. Uma eternidade, quando estamos falando de internet. Tenho checado meu e-mail pessoal sistematicamente e, até agora, nenhum oizinho da CET. Nada. Nem uma mensagem automática dizendo que a pergunta vai ser respondida. Nada.

Fica a questão: por que manter um canal de interatividade com o internauta se não botam alguém para responder as dúvidas?


Segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

25 de jul. de 2009

Circos e “O” circo

CIRCO

Nascido e criado no interior, fui a incontáveis circos mambembes em minha infância. Muitos mesmo, sem idéia de quantos. Era só aparecer um lá em Taquarituba, de onde sou, que já estava eu querendo assistir à trupe. A maioria, infelizmente, de péssima qualidade. Alguns bons. Outros até ótimos.

Pois acabo de chegar do Cirque du Soleil, em cartaz até maio no Parque Villa-Lobos com o espetáculo Alegría. O que há de diferente? De onde vem tanta magia? Por que eles são tão sensacionais? Enquanto via, extasiado, o espetáculo, rememorava esquetes circenses assentadas em minha cabeça e tentava compreender a origem de tamanho contraste.

Sem dúvida a direção é um dos pontos. No Soleil, ao contrário da maioria dos circos, há um cuidado com a distribuição dos atores pelo picadeiro – praticamente um palco –, há ritmo em tudo, há um encadeamento lógico nas músicas, há uma zelosa iluminação, etc. etc. etc. O talento do elenco também precisa ser levado em conta. Entrar para a companhia canadense não é fácil. Eles fazem testes no mundo todo, garimpando os melhores – que antes de estrearem ainda passam por uma bateria de treinamentos na sede do circo, em Montreal.

Tudo isso somado a uma boa dose de marketing transformaram o Cirque du Soleil em uma verdadeira grife. Mas o que sinto, como espectador? Que a diferença entre Alegría e o sem-número de apresentações circenses que já vi está nos leves detalhes. Leves.

Porque em um circo comum, os palhaços fazem cócegas no público. No Soleil, eles apenas passam uma sutil pena na sola dos nossos pés.

Porque em um circo comum, os números de malabarismo são prosa. No Soleil, uma fogosa poesia.

Porque em um circo comum, os acrobatas desafiam a lei da gravidade. No Soleil, eles a ignoram.

Porque em um circo comum, o espetáculo parece um amontoado de acordes de rock. No Soleil, tem-se um perfeito solo de jazz.

(Claro também que em um circo comum a pipoca não custa 13 reais, nem um copo d’água sai por 3 reais).

***

Na terça-feira de carnaval bati um papo com Marcos de Oliveira Casuo, para escrever o seu perfil. Boa praça, Casuo é o único brasileiro entre os 55 atores de Alegría. Quando entrou para a companhia, em 2001, só havia assistido a um espetáculo do Cirque du Soleil em fita VHS.


Domingo, 10 de fevereiro de 2008

24 de jul. de 2009

Perdeu a carteira no metrô?

TRANSPORTE PÚBLICO

Agora ficou mais fácil recuperá-la. O serviço de achados e perdidos da companhia, que existe desde 1975 e só no ano passado atendeu a 72 000 pessoas, acaba de inaugurar uma base digital. Pela internet, basta digitar o nome completo para buscar objetos cujos proprietários possam ser identificados (documentos, agendas, pastas, carteiras...).


Sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

23 de jul. de 2009

Enfim, Praça da Bandeira

Desde 2005 não tem bandeira alguma tremulando na Praça da Bandeira. A prefeitura havia decidido não hasteá-la mais porque o mastro de 60 metros de altura, instalado ali em 1970, estava muito deteriorado. Depois de quase três anos de lenga-lenga, a boa notícia é que está programada para sábado (9) a reinauguração do espaço com mastro e bandeira novinhos. E então a Praça da Bandeira voltará a fazer jus ao nome.


Quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

22 de jul. de 2009

Viagem no tempo

LIVRO

Há três semanas, publicamos uma matéria sobre o lançamento do livro Pateo do Collegio: Coração de São Paulo, de Hernâni Donato. Ao ler a obra para escrever a reportagem, detive-me por longo tempo a observar a imagem abaixo:


Não é impressionante? Trata-se de uma maquete que mostra como era São Paulo quando os jesuítas aqui chegaram, em 1554. Pertence ao acervo do Pátio do Colégio, lá no centro (telefone 3105-6898).


Quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

21 de jul. de 2009

Werner Haberkorn

FOTOGRAFIA

Em Memória Paulistana desta semana publicamos um cartão-postal de Werner Haberkorn. Nascido na Alemanha em 1907, ele mudou-se para o Brasil aos 30 anos. Aqui, trocou a carreira de engenheiro pela de fotógrafo, transformando diversos pontos da cidade em belos postais. “Ele era bem desorganizado”, conta seu filho, Ernesto Haberkorn. “Mas conseguimos recuperar um acervo com cerca de 300 fotos.” Parte desse material está no Museu do Ipiranga, parte no Itaú Cultural. E trinta imagens ficam expostas no Espaço Cultural Werner Haberkorn (Rua Alfredo Pujol, 419, Santana, telefone 3473-8011).

Abaixo, alguns cliques de Haberkorn. Você seria capaz de identificar esses lugares?















Quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

20 de jul. de 2009

Segunda no parque

FLAGRA

Feriadão e eu com um típico programa paulistano: passar a tarde em um dos parques da cidade. Escolhi o Villa-Lobos porque é o mais perto de minha casa. Tudo muito tranqüilo, arrumadinho, bem-freqüentado. De ruim mesmo, só a fiscalização. Era complicado caminhar já que dezenas de bicicletas teimavam em desrespeitar a norma de só circularem pela ciclovia. Não, não vi nenhum guardinha repreendendo os ciclistas – a despeito das abundantes plaquinhas avisando que, naquele espaço destinado a pedestres, bikes não eram bem-vindas.


Segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

19 de jul. de 2009

Falta de educação

EDUCAÇÃO

Se você fosse um aluno de escola pública municipal, seriam grandes as chances de que não entendesse bulhufas do que está escrito aqui. De acordo com uma reportagem publicada na Folha hoje, 29% dos estudantes da 2ª série de escolas municipais paulistanas não compreendem o que lêem.

Quando vejo essas coisas e o nível cada vez pior da educação básica, fico pensando o que passa na cabeça das pessoas que defendem cotas nas universidades. O certo seria lutarmos por um ensino fundamental de qualidade – aí todos poderiam ter uma base sólida para disputar, um dia, o vestibular de igual para igual.


Sábado, 2 de fevereiro de 2008

18 de jul. de 2009

Ônibus piratas

TRANSPORTE PÚBLICO

São Paulo tem os aeroportos de Congonhas e de Cumbica, as rodoviárias do Tietê, da Barra Funda e do Jabaquara. Em véspera de feriado, esses pontos se tornam ainda mais amontoados de gente, que aproveita a folguinha para passear e/ou rever familiares distantes.

O que nem todo mundo sabe é que há outras “válvulas de escape” de multidões na cidade. São as rodoviárias clandestinas. Ônibus que saem dos arredores da Rua Santo Antônio, no centro, e do bairro da Luz. Os destinos desses fretados, muitas vezes em condições precárias, são cidades do Norte e do Nordeste. Como atrativo, passagens que chegam à metade do preço cobrado nos guichês oficiais.

Há dois anos, uma blitz realizada pela Secretaria das Subprefeituras fechou quinze dessas agências piratas. Hoje teve repeteco. O saldo, divulgado agora pela secretaria, foi de cinco estabelecimentos irregulares lacrados.

Sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

17 de jul. de 2009

Apenas um pequeno acidente

TRÂNSITO

Da janela de meu quarto observo o vaivém da Faria Lima, atípico para uma sexta-feira. É o feriadão que, nem bem começou, já traz calmaria ao trânsito paulistano. (Estima-se que 1,5 milhão de veículos deixem São Paulo durante o Carnaval. Imagino que a coisa deva estar bem diferente nas vias que dão acesso às principais estradas.) Mas eis que, perto do Largo da Batata, um motorista mais desatento impede uma motoca velha de fazer o ziguezague costumeiro – e condenável – entre os carros. Batida leve. Vejo daqui que o sujeito abre a porta, desce, mete bronca no motoboy, resmunga. Ao olharem que nada aconteceu com carro, moto, pilotos ambos, tudo se acerta por aí mesmo, sem polícia, sem CET, sem bombeiros nem nada. Bom assim. Um esbarrão desses não entra na cifra dos 25 acidentes diários envolvendo moto na cidade. Daqui a pouco o motorista já estará de volta ao seu trabalho – talvez um escritório com ar-condicionado na própria Faria Lima – contando as horas que faltam para beber todas e curtir o feriado. Daqui a pouco o motoboy já estará fazendo outra entrega de “esse documento é urgente, pra ontem, corra” e, quem sabe, mais à noite ainda faça um bico numa pizzaria de seu bairro, lá na Zona Sul.

Na semana passada, fizemos uma reportagem sobre essa guerra urbana entre carros e motos. Faz tempo que o trânsito de São Paulo está impraticável. É um problema de quase impossível solução. Educação, fiscalização e respeito à legislação são caminhos que podem atenuar o caos, evidentemente. Também não podemos generalizar, botando a culpa nos taxistas, nos motoristas de ônibus ou nos motoboys. Há maus motoboys, sim. Como há maus jornalistas, maus advogados, maus médicos, maus pedreiros e maus políticos... Por outro lado, existem os bons motoboys – desde profissionais dedicados e cuidadosos até dublês de heróis, como nos contou a leitora Mirian Abdalla, em carta publicada na edição desta semana.


Sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

16 de jul. de 2009

Descontão para Rubinho

AUTOMOBILISMO

Paulistano de Interlagos, o piloto Rubens Barrichello viveu em 2007 seus piores momentos na Fórmula 1: das quinze temporadas que disputou, foi a única em que não marcou nenhum pontinho. Nenhum.

O único lado positivo dessa história é que ele será um dos cinco pilotos que pagarão um precinho camarada pela superlicença — espécie de habilitação cobrada anualmente dos competidores pela Federação Internacional de Automobilismo. De acordo com o novo regulamento, a taxa é de 10 000 euros acrescida de 2 000 euros por cada ponto marcado na temporada anterior. Enquanto Barrichello vai desembolsar apenas a quantia mínima, o finlandês Kimi Raikkonen, atual campeão, terá de pagar 230 000 euros. Para o também paulistano Felipe Massa, quarto colocado no campeonato passado, a conta será de 198 000 euros.


Quinta-feira, 31 de Janeiro de 2008

15 de jul. de 2009

Tikara é o nome da mascote japa

IMIGRAÇÃO JAPONESA

Metade das cerca de 400 atrações planejadas durante o ano para comemorar o centenário da imigração japonesa vai ocorrer por aqui. A justificativa é óbvia: com 400 000 descendentes, São Paulo é a maior colônia japonesa fora do Japão. Casado com uma nissei, o "pai" da Turma da Mônica Mauricio de Sousa incumbiu-se de criar a mascote oficial dos eventos. Ele apresentou o personagem dia 17, mas o nome só foi revelado hoje. Tikara (pronuncia-se “ticará”) significa “coragem”.


Quarta-feira, 30 de Janeiro de 2008

14 de jul. de 2009

Vidas que viram números

SEGURANÇA

Ontem foi divulgada a edição 2008 do Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros. São Paulo melhorou: em relação ao último estudo, baixou os índices de alarmantes 48,2 homicídios para cada 100 000 habitantes para (ainda pavorosos) 31,1. De 560 cidades analisadas, somos a 492º mais violenta. Os dados desse levantamento, realizado pela Rede de Informação Tecnológica Latino Americana não batem com os números da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo — que exclui da conta os latrocínios e homicídios culposos e divulga um número mais light, de “apenas” quinze assassinatos por 100 000 habitantes.

Em outubro de 2006, acompanhando o trabalho da polícia, encarei de perto esse mundo perverso dos que matam. Fizemos uma reportagem contando um pouco da vida de catorze pessoas assassinadas em São Paulo durante um fim de semana. É importante, quando observamos estatísticas assim, nos lembrarmos que por trás dos números há seres humanos. Quinze ou 31 mortes pode parecer pouco. Mas são pessoas — com histórias, sonhos e toda a complexidade de suas vidas — que foram brutalmente assassinadas.


Quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

13 de jul. de 2009

O maestro do caos urbano

PERFIL

O maestro paulistano Livio Tragtenberg, 48 anos, é o personagem da seção Paulistânia que o Estado publica hoje. Autodidata, ele começou a se interessar por música aos 13 anos. Desde 1983, faz trilhas para cinema - começou com curta-metragens, depois partiu para os longas.

Livio está à frente de diversos projetos bacanas. O Neuropolis, criado em 2004, reúne 14 músicos de rua de São Paulo. O projeto se expandiu e ganhou réplicas em Miami, Berlim e Rio de Janeiro. Em breve chegará a Bruxelas. "A diferença entre elas é total", conta. "Em São Paulo foi onde consegui a maior mistura de estilos musicais: aqui você tem o boliviano ao lado do japonês, do maranhense, do pernambucano... Coisa de metrópole."

No YouTube há um vídeo que mostra um pouco a história dessa inusitada orquestra:



Com sete integrantes, nasceu o Som do Meio Fio, uma versão reduzida da orquestra principal.

Livio também rege a Blind Sound Orchestra, um grupo de músicos cegos que executam trilhas sonoras para cinema mudo. "Eu uso um ponto eletrônico para orientá-los de modo que sua atuação esteja sincronizada com as imagens da tela", revela. "É um pouco a coisa do circo, do truque." No vídeo a seguir, trecho da apresentação deles em Berlim, em maio do ano passado:



Amanhã, às 21h, Livio e seu colega Wilson Sukorski estarão no Theatro São Pedro (Rua Barra Funda, 171, Barra Funda, São Paulo - Fone: 11-3667-0499) executando a trilha sonora do filme mudo São Paulo, A Symphonia da Metrópole, de 1929. "Na época em que estreou, fez um sucesso tremendo", afirma. "Ele foi o primeiro filme que mostrou aos paulistanos a imagem da cidade na tela." Veja trechos:



Em 2005, o documentário foi exibido no auditório do Museu do Louvre, em Paris. E lá aconteceu uma história engraçada envolvendo os dois músicos brasileiros. "Descobrimos que o telefone do camarim estava desbloqueado. A gente ligou para a mãe, para todo mundo. Uma grande molecagem”, diverte-se Wilson Sukorski, parceiro de Livio. Confira um trecho da apresentação:



Quando recebeu o Estado, na última terça-feira, Livio também falou sobre sua relação com a cidade. "Meu 'esporte' preferido é andar erraticamente por São Paulo. Adoro o centro, até o que ele tem de decadente", diz. "É um local muito rico em termos humanos."

Ele se mostrou, entretanto, decepcionado com os "rumos que as coisas estão tomando". "Aqui é o 'jeca set', não é o 'jet set'. Porque o paulistano é jeca, eu mesmo me assumo como um deles", critica. "É o jeca urbano, uma mania de querer se sentir em Paris, em Nova York... Aqui há uma realidade muito interessante e própria, não precisamos querer ficar imitando."


Domingo, 28 de junho de 2009

12 de jul. de 2009

O maestro da metrópole

PAULISTÂNIA
Livio Tragtenberg tem uma orquestra com artistas de rua e rege músicos cegos para trilhas de cinema mudo

Terça-feira à tarde, em um café do bairro de Perdizes. Calma e baixa, a voz do maestro quase some em meio ao ruído que vem da rua - carros, passos, conversas - e das mesas vizinhas - talheres, xícaras, arrasto de cadeiras, mais conversas. Ele parece não se incomodar. Com a ajuda do laptop, vai relembrando e contando as histórias de seus projetos musicais, um mais inusitado que o outro. Um deles, exibido mais de 15 vezes nos últimos 12 anos - até mesmo no auditório do Museu do Louvre, em Paris -, será apresentado amanhã, às 21 horas, no Theatro São Pedro, na Barra Funda. E tem tudo a ver com a barulheira danada que serviu de pano de fundo do encontro do maestro com a reportagem do Estado.

Vamos aos nomes dos personagens. A cidade, óbvio, é São Paulo. Que protagoniza, em versão habitada por apenas "1.059.000 de almas", um histórico documentário de 1929 chamado São Paulo, a Symphonia da Metrópole, de Rudolpho Lusting e Adalberto Kemeny. Cinema mudo, como é de supor - embora o primeiro filme falado, O Cantor de Jazz, seja de 1927, o formato só se consagrou mesmo nos anos 30. Na época, os filmes costumavam ser acompanhados por orquestras ou uma sequência de gravações.

Não há registros sobre qual era a trilha original de A Symphonia da Metrópole. Em 1997, quando a Cinemateca Brasileira resolveu restaurar o filme, chamou uma dupla de músicos para se encarregar de novas composições: Wilson Sukorski e Livio Tragtenberg. Livio é o maestro da metrópole, profundamente identificado com o caos urbano, capaz de perceber - e promover - a arte da barulheira cotidiana, dos músicos de rua, dos artistas cegos e até dos assovios despretensiosos. "Isso é um barato", resume.

Nascido em 1961 em Pinheiros e criado no Butantã, o músico cresceu em um ambiente culturalmente estimulante. Sua mãe é a atriz Beatriz Tragtenberg. Seu pai, o sociólogo Maurício Tragtenberg (morto em 1998), foi mordaz crítico do ensino convencional. Autor de obras como A Delinquência Acadêmica e Burocracia e Ideologia, não se surpreendeu quando o filho decidiu abandonar o colégio, no segundo ano do ensino médio. Livio estudava no Equipe e era colega de turma de Marcelo Fromer e Branco Melo - mais tarde, integrantes do grupo Titãs - e dos futuros cineastas Roberto Moreira e Tata Amaral, entre outros. "Imagina a zona que era aquilo, uma porra-louquice", lembra. "Quis partir para a música e decidi estudar sozinho."

Não era a primeira vez que o autodidatismo herdado do pai se manifestava. Quando começou a se interessar por partituras e instrumentos, aos 13 anos, costumava ler teoria musical no trólebus que ligava, nos anos 70, o Largo de Pinheiros ao Largo de São José do Belém, no bairro do Belenzinho. "Meus avós moravam lá e eu fazia esse trajeto com frequência", conta. "Demorava mais de uma hora. Aprendi música assim."

Logo após abandonar o colégio, decidiu sair de casa. Instalou-se em Perdizes - bairro onde vive até hoje - e passou a fazer trilhas sonoras para o cinema. "Comecei com curtas. Depois foram surgindo convites e um trabalho foi puxando outro", recorda-se. Gravou seu primeiro disco, Ritual, em 1980. "Cheguei até a tocar em barzinhos, mas não aguentei. Não era a minha", relata. "Com o LP, comecei a me situar, colocando minha linha experimental de trabalho." Na esteira, vieram outros discos - já são 16; o último, Lucila Tragtenberg, Voz, Verso e Avesso, em parceria com a irmã Lucila, deve ser lançado no segundo semestre - e trilhas para inúmeros filmes, como Um Céu de Estrelas (1996), Através da Janela (2000) e Brava Gente Brasileira (2000).

RUA, IRONIA E RABISCOS
Depois de 20 anos observando o trabalho dos anônimos músicos de rua da cidade, em 2004 Livio conseguiu montar uma orquestra deles. Nascia o Neuropolis. "São 14 integrantes. Levei duas semanas para achar todos e formar a cara sonora da cidade", diz. "Não é um trabalho social, não vim para tirar ninguém da rua. É um trabalho musical: eles ganham cachês e são tratados como profissionais. Não faço 'Ong music'." O conceito deu tão certo que ganhou réplicas, coordenadas por Livio, em Miami, Berlim e no Rio - nesta ordem. "Agora, vou levar para Bruxelas", comemora.

O Neuropolis teve dois desdobramentos: o Som do Meio Fio (versão reduzida do grupo, com sete integrantes) e a Blind Sound Orchestra. "O artista cego é uma tradição das ruas", justifica, sobre a Blind Sound. São três músicos - dois sanfoneiros e um violonista - que atuam com Livio em trilhas sonoras de filmes mudos.

Isso porque, desde 2007, o maestro é o curador da Jornada Brasileira de Cinema Silencioso, promovida pela Cinemateca. "Por que não músico cego tocando em filme mudo? Tive a ideia pois assim as coisas não se completam", explica. "Quem completa o ato audiovisual é o espectador."

A próxima empreitada do maestro deve ser uma orquestra sem instrumentos. "Será a orquestra dos assobiadores de São Paulo", revela. "Interessa-me muito essa coisa da música na prática da vida diária."

Enquanto isso, exemplo máximo de ironia, Livio dedica-se a organizar novos cursos de graduação, de Música, a serem oferecido pela Pontifícia Universidade Católica (PUC). Sim, ele que nem sequer completou o ensino médio... "Entrei pela primeira vez em uma sala de aula de música como professor", afirma. Foi na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde lecionou de 1990 a 1998.

Academia à parte, ele continua defendendo a liberdade criativa. Principalmente dentro de casa. Seu filho Henrique, de 6 anos, "fez arte": rabiscou todas as paredes e colou um desenho na porta da sala. "Acho legal deixá-lo à vontade. A criança tem de se soltar mesmo", acredita. "Depois você vai explicando." O maestro garante que já combinou com o garoto: após a próxima pintura do apartamento, desenhar só vai poder no papel.


Domingo, 28 de junho de 2009

11 de jul. de 2009

As mil faces de um cirurgião

PERFIL

O médico que mais aplica botox na cidade é o cirurgião plástico Vitorio Maddarena Junior, de 44 anos. Nascido em Botucatu, no interior paulista, ele vive na capital paulista desde o final dos anos 80. De perfil naturalmente multitarefa, Vitorio é um dos fundadores da Associação Nacional dos Criadores de Sacis e membro da Mensa – sociedade que reúne pessoal com elevado QI. Ele também é fotógrafo, "agricultor urbano" e chef de cozinha.

“OLHAR COM OUTRO OLHAR”
Há uns cinco anos, Vitorio resolveu fazer um curso de fotografia. “O que eu mais queria era aprender essa história de fotometria e linguagem fotográfica”, explica. Fã de Henri Cartier-Bresson e Sebastião Salgado, passou a aproveitar o caminho que faz, a pé, de casa até o consultório – ele mora a poucas quadras da clínica, no Alto da Boa Vista, zona sul – para retratar o que visse. “Há muitos pássaros por aqui, outro dia apareceram até uns macaquinhos”, relata. “Após o curso, aprendi a olhar foto com outro olhar.”

ROMÃS, PITANGAS E GOIABAS
Os pássaros, aliás, são atraídos justamente pelo minipomar que Vitorio cultiva, pacientemente, no quintal de sua clínica. Tem romãzeira, jabuticabeira, goiabeira, amoreira e pitangueira. “Eu que cuido. A jabuticabeira que plantei já está produzindo”, afirma. “De presente, eu olho pela janela e vejo passarinhos”. As aves se refestelam com o “banquete”. Aparecem maritacas, beija-flores, sabiás... e outros que o médico sequer sabe o nome. “Dá para lembrar um pouco do interior.”

O trato com as plantas – “coloco adubo, aparo...” – é um hobby levado a sério. “Não tenho sítio, nem nada, mas assinei o ‘Estadão’ por causa do Suplemento Agrícola”, comenta, em referência ao caderno publicado às quartas por este jornal. “E também por causa do Paladar”, acrescenta, lembrando do suplemento que sai às quintas. Mas isto é história para o próximo capítulo.

BOA MESA
Em São Paulo, Vitorio adquiriu o hábito de conhecer novos restaurantes. “Já fui a mais de 250 diferentes”, estima. Com a mulher, Vera, costuma selecionar qual será o próximo a ser visitado. “Não temos preconceito absolutamente nenhum. Pode ser simples ou sofisticado. Pode ser longe, não tem problema”, garante.

A saborosa obsessão rendeu um diploma novo: o de chef de cozinha, conferido pelo Senac dois anos atrás. “Dei uma modificada em meus horários na clínica e resolvi encarar o curso, com duração de um ano”, recorda-se. “Outro dia mesmo fiz um bacalhau para receber amigos em casa.” A mulher, segundo ele, também é boa com as panelas, mesmo sem nunca ter participado de curso algum. “Ela faz um risoto que é uma delícia. Hoje eu também consigo fazer um bom”, gaba-se. “Posso até abrir um restaurante, né? Afinal, sou chef.”


Sábado, 27 de Junho de 2009

10 de jul. de 2009

Médico campeão do botox também ''cria'' sacis

PERFIL

Multitarefa. Está aí uma definição que cabe muito bem ao cirurgião plástico Vitorio Maddarena Junior, de 44 anos, o médico que mais aplica botox na cidade. Nascido e criado em Botucatu - onde se graduou em Medicina pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), em 1988 - decidiu aproveitar São Paulo, cidade que adotou após a formatura, fazendo cursos. Não só de sua área. Diplomou-se, por exemplo, em gastronomia e fotografia pelo Senac. Sua biografia traz outras curiosidades: com um grupo de amigos, fundou a Associação Nacional dos Criadores de Sacis; e, há dez anos, faz parte da Mensa - sociedade que reúne pessoas, de todo o mundo, com elevado QI.

JÁ VIU UM SACI?
A história começou em 1988, quando Vitorio e um grupo de amigos decidiram passear pelos arredores do Morro das Três Pedras, em Botucatu. "É um lugar meio místico, há quem acredite que lá desce disco voador, que relógio para de funcionar, essas coisas", lembra. Ali, puxaram assunto com um morador das redondezas:

- Tem muito disco voador por aqui?

- Não, isso aí é história do povo da cidade.

Ao que o menininho que estava ao seu lado interrompeu:

- Mas, pai, e aquele dia que a égua ficou andando estranha o dia inteiro?

- Isso aí não tem nada a ver com disco voador. É saci.

O grupo então engatou uma longa prosa sobre os seres de uma perna só. "O cara falou que antes tinha muito mais e que eles desapareceram com a vinda da luz elétrica", conta o médico. "Minha mãe, por exemplo, acredita. Jura que já ouviu assobio de saci."

Com a ideia de preservar o folclore nacional, nascia então a Associação Nacional dos Criadores de Saci. "Depois vieram outras, como a Sociedade dos Observadores de Saci", cita. "A gente cria para que eles possam observar (risos)."

CRÂNIO
Dez anos atrás, Vitorio resolveu provar para si mesmo a força de sua inteligência. Inscreveu-se para fazer a prova da Mensa - uma sociedade formada por pessoas com alto QI. Respondeu a um teste de lógica e, aprovado, passou a ser um dos cerca de 300 brasileiros da confraria. "Não sei por que resolvi (fazer o teste). Fui de metido, de bobeira", admite. "Achava que possuía uma capacidade maior, mas não tinha certeza."

De acordo com os critérios da organização, os membros da Mensa têm um nível de inteligência atingido por apenas 2% da população.

REI DO BOTOX
Profissionalmente, Vitorio divide-se entre sua clínica e dois hospitais - o Albert Einstein e o São Luiz. "As cirurgias que mais faço são lipoaspiração e mama. São as campeãs", conta. "Já em termos de outros procedimentos, os mais comuns são aplicação de preenchimento e botox (nome comercial da toxina botulínica tipo A)."

Aliás, entre médicos, Vitorio é o rei do botox na cidade, de acordo com a própria fabricante do produto. No ano passado, ele adquiriu dez frascos do material por mês. Neste ano, aumentou a provisão para 16 mensais. Em geral, o procedimento é buscado por mulheres - os homens não chegam a 6% do total -, com média de idade de 43 anos, segundo levantamento do médico. "Mas já apliquei em paciente com 20 e com 83 anos", conta o médico.


Sábado, 27 de Junho de 2009

9 de jul. de 2009

Faap restaura painel de Walter Kershaw

ARTE

Em novembro de 1983, o artista plástico britânico Walter Kershaw deixou sua marca no muro que circunda a sede administrativa da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), em Higienópolis. Ao longo de 18 dias, ele, sua mulher, Hillary, e 26 estudantes da Faap pintaram ali um painel com paisagens e cenas cotidianas do Brasil.

A concepção do mural fez parte da exposição itinerante Painting The Town, promovida pelo British Council. Por aqui, foram 90 murais expostos no Museu de Arte de São Paulo (Masp) - nove assinados por Kershaw. Além, é claro, da performance no muro da Faap.

De lá para cá, a obra sofreu os efeitos das intempéries e da sujeira urbana. O processo de restauração, já iniciado, deve se prolongar pelos próximos três meses. As cores serão recuperadas e os resíduos, eliminados.


Quarta-feira, 24 de junho de 2009

8 de jul. de 2009

A política que pode ameaçar o patrimônio paulista

PATRIMÔNIO

A nova gestão do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) deseja rapidez. "Minha meta é zerar a pauta. Queremos que cada processo tramite, no máximo, por três meses", afirma Rovena Negreiros, presidente do órgão desde novembro. Tamanha agilidade, entretanto, tem um ônus: o aumento do arquivo morto. Nos dois últimos semestres, conforme o Estado levantou, 45,7% dos assuntos foram descartados. Processos correntes desde a década de 1980, mal subsidiados de documentação, vêm sendo sistematicamente eliminados da pauta. "Já arquivamos mais de 100 pedidos de tombamento", diz a presidente. Só na reunião de 24 de novembro, por exemplo - a terceira da gestão de Rovena -, houve 33 arquivamentos.

Arquitetos e historiadores especializados em patrimônio histórico acreditam que esta política, embora deixe o órgão mais ágil para questões que entrem em pauta daqui por diante, pode resultar na destruição de bens de interesse local, por causa da falta de infraestrutura das cidades para protegê-los. “Mesmo que os municípios do interior tenham seus próprios órgãos, o Condephaat não pode perdê-los de vista. Em cidades pequenas, a chance de os conselheiros sofrerem pressão de interessados no não tombamento de um bem, por exemplo, é maior. Todos se conhecem, todos se encontram. É mais complicado”, avalia o arquiteto Lúcio Gomes Machado, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. “Se os municípios não têm estrutura, ou têm dificuldades, é óbvio que é papel do Estado proteger os bens locais.” Segundo o Estado revelou no domingo, apenas 5% dos municípios de São Paulo (ou 35, segundo a última estimativa da Secretaria de Estado da Cultura) possuem órgãos próprios de proteção ao patrimônio.

O perfil da atual presidente do Condephaat também é alvo de críticas. Com formação em Direito, Ciências Políticas e Economia, Rovena é funcionária lotada na Empresa Paulista de Desenvolvimento Metropolitano (Emplasa) e se autointitula "gestora pública". “O perfil 'gestor’ que o Condephaat apresenta hoje pode conseguir destrancar a pauta, mas existe um risco sério de que os processos que entraram na pauta do Conselho e nunca foram analisados, por um motivo ou outro, sejam simplesmente descartados, deixando em risco bens que merecem proteção”, acredita Machado. “O estoque de processos, mesmo que exista, nunca pode ser priorizado.”

Ultimamente, o Condephaat tem se esforçado para decidir processos que tramitam desde a década de 1980 e que figuram, de tempos em tempos, na pauta do conselho. Funciona assim: mesmo que um processo corra há décadas, as partes interessadas nos tombamentos recebem uma carta de notificação, na qual são solicitados subsídios técnicos para fundamentar a preservação. Caso não seja respeitado o prazo, de no máximo 30 dias, o assunto é arquivado. Por falta de apoio técnico, nem todos conseguem preparar tal fundamentação. “Um processo fica muito tempo parado, depois chega carta pedindo uma justificativa. É complicado, retomar, a toque de caixa, assuntos de tanto tempo atrás. Não é fácil buscar plantas de edifício em outras cidades, destacar pessoal da prefeitura que trabalha em outras áreas só para isso, às vezes é impossível mesmo”, disse o secretário de Cultura de Botucatu, Osni Ribeiro.

Ele fala com conhecimento de causa. Na década de 1990, a Câmara de Vereadores de sua cidade pediu o tombamento do Fórum Desembargador Alcides Ferrari, construído em 1918 com projeto do escritório de Ramos de Azevedo. Não foi atendida. Desde 2003, o fórum está abandonado e a Secretaria da Justiça, proprietária do imóvel, não tem planos para seu futuro. “Nas cidades do interior, a cultura de preservação não é tão difundida. As prioridades são outras, por isso o Estado deve interceder sempre que possível”, defende o historiador Marco Antonio Villa, autor do livro Breve História de São Paulo, ainda a ser lançado. “Basta pensar no frisson que a construção de um prédio causa numa cidade pequena. Diante disso, quem vai pensar em preservar um casarão, uma fazenda?”

Em entrevista ao Estado na última quinta-feira, porém, Rovena negou qualquer possibilidade de que, nessa dedicação para zerar a pauta, sejam arquivados processos relevantes apenas por falta de boa fundamentação. “Antes de arquivar um processo, mesmo que seja por falta de documentos, os técnicos fazem uma pesquisa mínima, na qual é verificada a relevância dos bens para o Estado”, explica. Ela também se defendeu das críticas de arquitetos e historiadores em relação à sua formação. “Minha indicação se deve por essa visão ampla de cidades. Vejo patrimônio como objeto de política pública, no contexto de desenvolvimento.”

E você: o que acha do descompasso entre as necessidades apontadas pelos municípios e pelo órgão estadual de proteção ao patrimônio? Conhece algum caso de patrimônio degradado?

em parceria com Vitor Hugo Brandalise.


Terça-feira, 23 de junho de 2009

7 de jul. de 2009

"Tombamento não é o patinho feio"

ENTREVISTA

Com formação em Direito, Ciências Políticas e Economia, Rovena Negreiros preside o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) desde novembro. Funcionária da Empresa Paulista de Desenvolvimento Metropolitano (Emplasa), ela se autointitula "gestora pública". Na última quinta, recebeu a reportagem do Estado para uma longa conversa sobre o patrimônio histórico paulista. A seguir, alguns trechos da entrevista:

Qual a razão de um tombamento?

Serve para comprovar a importância do patrimônio. É um reconhecimento de valor. Tombamento não é o patinho feio, muito pelo contrário. As pessoas precisam reconhecer que ele ajuda na formação cultural. É um sentido de valor.

De quem parte um pedido de tombamento?

Qualquer interessado. Qualquer pessoa física ou jurídica pode fazer o pedido. Há uma série de documentos que precisam ser apresentados para que o conselho possa analisar e reconhecer se aquilo tem valor para merecer a abertura de um estudo de tombamento.

Como o Condephaat define se um bem deve ser tombado na esfera estadual?

Temos a responsabilidade de olhar sobre o que é relevante do ponto de vista regional, para o Estado, e não do ponto de vista municipal. Ou seja: preocupamo-nos com a relevância estadual sob os prismas cultural, patrimonial, paisagístico e arqueológico.

Nada do que tem relevância apenas local pode ser tombado ou há algumas exceções?

Quem tem de olhar para os valores locais são os órgãos de preservação dos municípios. Claro que, como muitas cidades não têm estrutura técnica (apenas 5% dos municípios paulistas possuem órgãos de proteção), elas ficam carentes e encaminham o pedido ao Condephaat. Quando chega aqui e julgamos que não há relevância estadual, o município fica frustrado. Mas se é nítido que aquilo tem importância, reconhecemos o valor. E, em alguns casos, até tombamos o imóvel por medida cautelar.

Existem muitas sobreposições de tombamentos (bens protegidos pelas esferas federal, estadual e municipal)?

Sim. Em geral, quando o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) tomba alguma coisa do Estado de São Paulo, nós também reconhecemos aquele bem tombado. O mesmo acontece com os municípios, quando o Condephaat tomba algo. Oficiamos o município, o proprietário e o cartório de registros para informar que o imóvel foi tombado.

Há algum intercâmbio de informações entre o Condephaat e os órgãos municipais?

Em Campinas, já estamos fazendo isso. Foi o primeiro encontra meu com órgão de preservação municipal. A próxima cidade será Santos. A ideia é que não mais dupliquemos esforços. Ou eles estudam, ou nós estudamos. Queremos compartilhar informações e acordar regras comuns para que não haja conflitos entre o que a gente restringe e o que eles restringem. O que não quero é sobreposição de regulamentação da intervenção sobre o bem tombado. O reconhecimento de valor pode ser sobreposto, em determinados casos.

em parceria com Vitor Hugo Brandalise.


Segunda-feira, 22 de junho de 2009

6 de jul. de 2009

Igrejas respondem por 15% de pedidos de tombamento

PATRIMÔNIO
Casarios e patrimônio ferroviário vêm na sequência, em ranking dos processos em trâmite no Condephaat

Em setembro, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) tombou diversos imóveis da pequena cidade de Cunha, no leste paulista. Entre eles, duas igrejas: a matriz, dedicada a Nossa Senhora da Conceição; e a do Rosário. Não se trata de fato isolado. Conforme levantamento realizado pelo Estado, o patrimônio religioso representa 15,2% dos pedidos de tombamento recebidos pelo órgão estadual entre agosto de 2008 e junho de 2009.

No caso de Cunha, ambas as igrejas têm inegável valor histórico. São construções do século 18 – a matriz, de 1731, é um exemplo do barroco paulista. O interessante foi que o início dos estudos do Condephaat acabou mobilizando a população para a defesa de sua história. “Eles sugeriram que a gente montasse um órgão municipal de preservação”, conta o professor aposentado e memorialista João Veloso, há tempos engajado na preservação da história cunhense. O Conselho Municipal de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (Comphacc) nasceu em 2006. De lá para cá, já aprovou, na esfera local, o tombamento de 30 bens. “Agora pretendemos ampliar o olhar para a zona rural, pois há diversas construções importantes nas fazendas”, afirma o coordenador municipal de Turismo, Otávio Kalckmann.

O segundo item com maior demanda no período analisado são os casarios (14,4%). Em novembro, por exemplo, o Condephaat concluiu que seria melhor arquivar o pedido de tombamento de 119 imóveis do município de Socorro. “Cerca de 40 já estão catalogados e têm uma placa, em frente, contendo informações históricas”, comenta a jornalista Maria Tereza do Carmo, presidente do Conselho de Defesa do Patrimônio Arquitetônico, Cultural e Natural de Socorro (Condepacnas). “São construções do fim do século 19 e início do século 20.”

Estações ferroviárias e construções de seu entorno ocupam o terceiro posto no ranking das demandas, com 13,7% das solicitações. Em seguida aparecem, empatados com 10,1%, patrimônio natural e infraestrutura urbana.

Dos 173 pedidos de tombamento que tramitaram no Condephaat no período analisado, 33% eram da capital paulista. Dentre as 71 cidades do interior – apenas 14 com órgãos de tombamento próprios –, a campeã de solicitações foi Campinas, com 4,6% processos.

Criado em 1987, o Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc) é apontado como bom exemplo de proteção ao patrimônio. “Eles têm uma estrutura mínima, com uma capacidade de trabalho enorme”, afirma a presidente do Condephaat, Rovena Negreiros. O departamento campineiro tem 18 funcionários e conta com a atuação de 28 conselheiros. Há 150 bens tombados no municípios – 14 também respaldados na esfera estadual. No ano passado, o Condepacc digitalizou todos os seus processos. Hoje é possível consultar pela internet o histórico dos tombamentos já realizados e as legislações da área.

INTERCÂMBIO
Em uma tentativa de aumentar o intercâmbio, Rovena já iniciou conversas com o Condepacc. “A discussão é para que os tombamentos sejam semelhantes, a fim de que as regulamentações não conflitem”, diz a historiadora Daisy Ribeiro, do Patrimônio Cultural de Campinas.

em parceria com Vitor Hugo Brandalise.


Domingo, 21 de junho de 2009

5 de jul. de 2009

Solução seria regionalizar

PATRIMÔNIO

Para evitar sobrecarga no Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico do Estado (Condephaat), especialistas sugerem dividir a análise de processos em diferentes divisões administrativas. "Se há identidade cultural semelhante, ela deve ser aproveitada. Um conselho do litoral, por exemplo, analisaria o patrimônio natural das praias, suas construções típicas, e assim por diante", afirma a historiadora Marly Rodrigues, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). "Até por ter ocupação recente, do final do século 19, a consciência de preservação do interior ainda está se formando. Enquanto não há essa tradição, o Estado deve se encarregar de proteger seus bens, com viagens constantes ao interior", diz o historiador Marco Antonio Villa, autor do inédito livro Breve História de São Paulo. "Se o problema é sobrecarga na capital, a solução seria criar órgãos estaduais no interior." Segundo a Secretaria de Estado da Cultura, não há nenhum projeto de regionalização do Condephaat.

em parceria com Vitor Hugo Brandalise.


Domingo, 21 de junho de 2009

4 de jul. de 2009

Interior vê suas histórias em risco

PATRIMÔNIO
Cidades recorrem ao Estado para tentar tombar seus bens

Nos últimos 15 anos, a prefeitura de Caieiras, na Grande São Paulo, enviou ao Estado ao menos cinco pedidos para tombar os bens que considera relevantes - além de igrejas e capelas, quer proteger dois fornos de cal construídos em 1877, que serviam para abastecer a crescente construção civil de São Paulo. A cidade tem "outras prioridades" antes da implantação de um conselho próprio de patrimônio para protegê-los. O Estado não considera que os bens tenham relevância suficiente para serem tombados. Desativados desde a década de 1980, os fornos de cal estão abandonados e o proprietário - a Companhia Melhoramentos - não tem planos para nova utilização.

"Se não houver preservação, pode acontecer como a vila operária do século 18 que existia aqui e que foi totalmente destruída para plantar eucaliptos", afirma o diretor do Departamento de Cultura da cidade, Joaquim Costa Filho, autor dos pedidos de tombamento dos bens desde 1994. Ele não cogita criar um órgão municipal de preservação, já que "não são muitos os bens relevantes".

Conforme o Estado apurou, essa situação é comum a vários municípios do interior. "O ideal seria que cada município tivesse responsáveis pela preservação do patrimônio, mas sabemos que há cidades pequenas que têm outras prioridades. Deve-se achar alternativas de gestão urbana, como inclusão dos bens no plano diretor do município", diz a historiadora Marly Rodrigues, diretora da divisão técnica do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em São Paulo. "Também se pode proteger por decreto do Executivo."

A descontinuidade política é outro problema. Em Batatais, um conselho foi criado em 1991, mas funcionou de forma intermitente nos anos seguintes. "Na primeira gestão, oito bens foram tombados. Depois, o órgão acabou", afirma José Henrique Barbieri, diretor da biblioteca do município e ex-integrante do grupo. Nos anos em que o conselho não atuou, ao menos dois bens que apresentavam interesse local de preservação deixaram de existir, segundo Barbieri. "Um antigo teatro de pau-a-pique e a primeira sede da prefeitura foram ao chão", conta.

A presidente do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), Rovena Negreiros, afirma que falta aos municípios do interior interesse político para preservação do patrimônio. "Nossa demanda é alta porque os municípios não conseguem se organizar dentro de seus limites para dar conta do problema", disse. "O Estado não pode tombar tudo. Ainda assim, o Condephaat continuará fazendo seus estudos e, mesmo que não haja interesse de preservação estadual, vai disponibilizar aos municípios as análises, se houver interesse no tombamento local."

em parceria com Vitor Hugo Brandalise.


Domingo, 21 de junho de 2009

3 de jul. de 2009

Só 5% das cidades de SP têm órgãos de preservação

PATRIMÔNIO
Demanda do interior vem parar no Condephaat; queixa é de que atual gestão arquiva 'só para zerar a pauta'

Cada cidade, por menor que seja, conhece o próprio valor. O coreto da praça, a igreja matriz, as casas de época, o teatro no centro - bens comuns, mas que ajudam a construir identidade local. A poesia acaba, entretanto, nos dissabores da burocracia. Nos dois últimos semestres, tramitaram no Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) 116 pedidos de tombamento referentes a bens do interior paulista. Desse total, 10 solicitações (8,6%) foram aprovadas - o restante não teria, segundo os conselheiros, neste momento, "relevância".

Do ponto de vista legal, faz sentido. O patrimônio estritamente local deve ser protegido por órgãos municipais. Só que, nesse caso, mais uma vez o problema é administrativo. Apenas 5% das cidades paulistas têm tais estruturas. Para ilustrar a questão, os 116 pedidos citados no parágrafo anterior abrangem 71 municípios. Desses, só 14 contam com o órgão local. Dois terços da demanda do Condephaat vêm do interior.

De agosto de 2008 para cá, 45,7% dos processos viraram arquivo morto. A presidente do Condephaat, Rovena Negreiros, admite que "zerar a pauta" é objetivo de sua gestão, iniciada em novembro. Processos correntes desde a década de 1980, mal subsidiados de documentação, vêm sendo sistematicamente descartados. "Já arquivamos mais de 100 pedidos de tombamento", diz. Só na reunião de 24 de novembro, houve 33 arquivamentos do interior.

Municípios do interior apontam, basicamente, duas dificuldades: a inexistência de apoio técnico para justificar o tombamento na estrutura municipal e as poucas vistorias dos técnicos do órgão estadual. Em Botucatu, integrantes da administração local não concordam com o descarte do pedido de tombamento do Fórum Desembargador Alcides Ferrari, projetado pelo escritório de Ramos de Azevedo e construído em 1918. "O processo correu por dez anos e mal fizeram uma vistoria no local. No início deste ano, o Condephaat nos enviou uma carta, notificando que tínhamos 30 dias para justificar o tombamento. Aí, é claro que não conseguimos", conta o secretário de Cultura do município, Osni Ribeiro. O processo acabou arquivado.

Para especialistas ouvidos pelo Estado, essa política do Condephaat deixa desprotegidos bens relevantes para a preservação da memória local. "Se os municípios, que já sofrem pressões do mercado imobiliário, não têm condição de preservar os bens, o Estado deve interceder. Não se pode fugir da responsabilidade", avalia o arquiteto Lúcio Gomes Machado, da USP. "O que não quer dizer que tudo deve ser tombado, mas um órgão que se propõe a proteger o patrimônio de todo um Estado deveria ser mais flexível."

em parceria com Vitor Hugo Brandalise.


Domingo, 21 de Junho de 2009

2 de jul. de 2009

Há 180 anos, alemães chegavam a São Paulo

MEMÓRIA
Eventos na Colônia, no extremo sul do Município, celebram a data

Mosteiro de São Bento. Colégio Visconde de Porto Seguro (fundado como Deutsche Schule). Instituto Goethe. Hospital Santa Catarina. Esporte Clube Pinheiros (que nasceu do Sport Club Germânia). Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Colégio Humboldt. Não são poucas as marcas que imigrantes alemães deixaram na capital paulista. "Mas, ao contrário do que acontece no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, essa parte da história germânica ficou esquecida", lamenta o diretor do Instituto Martius-Staden, Eckhard Kupfer. Mudar um pouco esse descaso é o objetivo de uma exposição itinerante cujo lançamento será amanhã, às 10 horas, na Escola Céu Azul, no bairro de Colônia, em Parelheiros, extremo sul da cidade (informações pelo telefone 3081-3311).

Até o fim do ano, os 29 painéis com cerca de seis fotos cada um percorrerão 14 pontos da cidade, como os Colégios Visconde de Porto Seguro e Humboldt e o Memorial do Imigrante (confira o itinerário em http://blog.estadao.com.br/blog/metropole). "Fizemos um recorte histórico com imagens de 1890 a 1930", explica a coordenadora do arquivo do Martius-Staden, Daniela Rothfuss. Existe a intenção de que, ao longo de 2010, os painéis percorram o interior do Estado.

HISTÓRIA
Alguns anos depois do fluxo migratório de alemães que se estabeleceram nos Estados do Sul, a primeira leva que chegou a São Paulo desembarcou em Santos em 13 de dezembro de 1827. Eram 226, entre homens, mulheres e crianças. "Foram artesãos e agricultores, na maioria", esclarece Daniela. "Vieram em busca de condições econômicas melhores."

Primeiramente ficaram alojados em um hospital militar na Chácara Bento André, na região de Santo Amaro. Em junho de 1829, há exatos 180 anos, grande parte do grupo aceitou explorar terras oferecidas pelo Império onde hoje fica o distrito de Santo Amaro. Com casas de taipa de pilão, era fundado, então, o bairro de Colônia, no extremo sul do Município. Até o fim daquele ano, 149 famílias e 72 solteiros, num total de 926 imigrantes alemães, chegaram ao Estado de São Paulo - 336 se estabeleceram em Colônia, enquanto o restante rumou para o interior.

Para Kupfer, a localização geográfica pouco privilegiada do bairro é a principal razão para que a história dessas famílias nunca tenha sido muito explorada. "Se hoje já é um bairro de difícil acesso, imagine como era naquela época", ressalta.

FESTA
Entre os dias 26 e 29 acontece, também em comemoração aos 180 anos da imigração alemã, a Colônia Fest, no Largo da Igreja Santo Expedito, na Colônia. Na 4ª edição, o evento conta com comidas e danças típicas, apresentações folclóricas e exposições. Informações e programação completa em www.coloniafest.blogspot.com.


Sábado, 20 de Junho de 2009

1 de jul. de 2009

''Queremos a igualdade de uso dos espaços''

ENTREVISTA: Sandra Perito: arquiteta, doutora em Arquitetura Inclusiva pela USP
Presidente do Instituto Brasil Acessível acredita que acessibilidade não é 'fazer favor' e pode ser oportunidade de negócio

"A nossa missão é promover a inclusão social no ambiente construído", não se cansa de repetir a arquiteta Sandra Perito, de 48 anos, doutora em Arquitetura Inclusiva pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Instituto Brasil Acessível. Por meio da organização que preside - e graças a uma parceria com o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento da Arquitetura -, ela está à frente da 1ª Jornada Nacional de Arquitetura Inclusiva, que termina hoje no Millenium Centro de Convenções (informações pelo 3887-9496). Na semana passada, Sandra conversou com o Estado sobre o tema.

Qual é a ideia da Jornada?

A gente quer mostrar que a arquitetura inclusiva é uma oportunidade de negócio. Porque a questão da acessibilidade não é fazer favor aos outros, como muitos pensam. Também é rentável. Tem um mercado que não está sendo atendido. Com o envelhecimento da população, então, nem brinca. Estamos diante de uma oportunidade: existe potencial para isso e quem faz assim apresenta-se com um diferencial.

O que é arquitetura inclusiva?

Engana-se quem pensa que é algo apenas para o idoso e para o deficiente. É planejar os espaços para todo mundo, sem categorizar as pessoas. A nossa ideia é que todos os espaços sejam usados por todas as pessoas da mesma maneira, seja ela idosa, criança, mãe com bebê, grávida...

Igualdade, então?

Exatamente. Queremos garantir a igualdade de uso. Nada disso de haver, em um estabelecimento, uma entrada principal cheia de degraus e outra, pelos fundos, acessível aos deficientes. Tem um restaurante aqui perto (no bairro do Campo Belo) que é um absurdo. São cinco degraus para entrar. O acesso para deficientes é uma rampinha que vai direto ao subsolo.

Quem bolou o conceito de arquitetura inclusiva?

Foi um arquiteto americano (Ronald Mace) no começo da década de 90. Ele usava cadeira de rodas e sentia mais que qualquer um, na pele, todos os constrangimentos, dificuldades e até a impossibilidade de usar os espaços. Então criou o conceito de desenho universal: tentar projetar abrangendo o maior número de pessoas. Obviamente que levar isso ao limite seria utópico. Mas quanto mais você abre seu pensamento, mais consegue oferecer essas condições dentro de um espaço projetado.

E de onde veio o seu interesse por essa luta?

Minha preocupação com o tema começou pela família. Três de meus avós morreram com mais de 90 anos e eu percebia as dificuldades que eles tinham para usar a casa onde viveram nos últimos 30, 40 anos de suas vidas. Então pensava: alguma coisa não está certo. Chega uma hora em que a pessoa não consegue mais subir as escadas, começa a improvisar o quarto na sala, o banheiro no lavabo. Passa a viver indignamente porque não consegue usar sua própria casa.

Você chegou a aplicar tais conceitos?

Sim. Em 2003, na reta final de meu doutorado, resolvi construir uma casa para testar a tese. Mede 260 m² e fica em Taubaté, em um condomínio fechado. Provei que é viável, que temos produtos no mercado nacional que atendem a esses critérios. A ideia do conceito é a adaptabilidade, ou seja, planejar para que os ambientes tenham a capacidade de se adaptar às necessidades de quem for usá-los. Eles não são adaptados. São adaptáveis.

Como assim?

Por exemplo: esta casa em Taubaté não tem elevador. Mas há um espaço para que ele seja instalado, caso necessário. Os banheiros não precisam ter as barras de apoio, mas os encanamentos têm de ser pensados para que, em uma eventual instalação dessas barras, não sejam furados acidentalmente.

O instituto nasceu quando?

Fundei em 2004. Após terminar o doutorado, fui incentivada por colegas a montá-lo, a fim de promover a inclusão social pelo ambiente a ser construído, coisa em que ninguém estava trabalhando. A gente tenta melhorar a relação entre as pessoas e o ambiente.


Quarta-feira, 17 de Junho de 2009