26 de nov. de 2009

Morre o criminalista Waldir Troncoso Peres

MEMÓRIA

Considerado um dos mais importantes criminalistas do País, o advogado Waldir Troncoso Peres morreu no domingo, em São Paulo, aos 85 anos, em consequência de insuficiência renal. Ele estava internado no Hospital Albert Einstein, onde seu corpo foi velado até as 13h de ontem, quando foi transportado para sua cidade natal, Vargem Grande do Sul, para um outro velório preparado por seus familiares. O enterro deve acontecer às 9 horas de hoje.

Filho de um agricultor espanhol, Peres se mudou para a capital paulista com 16 anos. Formou-se em 1947 na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Dono de uma admirável oratória, atuou até 2004, quando foi vítima de um acidente vascular cerebral (AVC) que prejudicou sua fala.

Em nota, o presidente da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, Luiz Flávio Borges D’Urso, lamentou a morte do colega. “Em sua vitoriosa trajetória profissional escreveu seu nome entre os grandes criminalistas brasileiros, como Evaristo de Moraes, Dante Delmanto, Raimundo Paschoal Barbosa e Manoel Pedro Pimentel”, lembrou. “Estes advogados transformaram a Advocacia Criminal em arte, ao assegurar que ninguém é indigno de defesa.”

Sobre seu ofício, Peres afirmava que, se o cliente cometesse um crime, seria defendido por ele. Se cometesse o segundo, também. Mas se cometesse o terceiro, não o defenderia mais, para não parecer que era “profissional do crime”. Em sua carreira, foi saudado como “lenda viva das tribunas do júri” e “príncipe dos advogados.” No total, defendeu mais de 130 pessoas acusadas de crime passional, entre eles o famoso caso do cantor Lindomar Castilho.


Terça-feira, 14 de abril de 2009

25 de nov. de 2009

Com capas de papelão, livros por R$ 6

CULTURA
Projeto apoia jovens e catadores

Em uma salinha na Vila Madalena, a artista plástica Lúcia Rosa não se cansa de ensinar jovens a montar livros. Um trabalho artesanal, feito um a um. A capa, de papelão, é pintada com guache; o miolo, diagramado e impresso graças a um computador simples, é grampeado e colado; dentro, desde obras de escritores alternativos até publicações de Manoel de Barros, Alice Ruiz, Haroldo de Campos, Glauco Mattoso, Marcelino Freire...

O projeto Dulcinéia Catadora - homenagem a uma catadora de papel chamada Dulcinéia Santos que, segundo Lúcia, "representa bem a batalha pela vida", além de se referir à Dulcinéia de Dom Quixote, "o amor impossível" - nasceu de forma embrionária na Bienal de Arte de 2006, inspirado em similar argentino.

No ano seguinte, começou a publicar livros de autores contemporâneos. Sempre em baixas tiragens, de 50 a cem exemplares. "Pedimos autorização para os escritores, que não ganham nada com isso", afirma Lúcia. Cada exemplar é vendido por R$ 6 - pedidos podem ser feitos pelo e-mail dulcineiacatadora.pedidos@gmail.com - e toda a renda é revertida para o projeto.

Os jovens que trabalham na confecção dos livros ganham R$ 6 por hora. "Gosto de fazer isso porque um dia quero estudar para ser designer gráfico", diz Maurício Araujo da Silva, de 20 anos, que mora em Interlagos e participa do Dulcinéia desde o início do ano. "Descobri o projeto há pouco tempo; é a minha segunda vez aqui", conta Janaína Aparecida da Silva, de 25 anos, que mora na Parada Inglesa e sonha um dia se tornar jornalista.

O papelão para as capas é adquirido dos catadores por R$ 1 o quilo - cooperativas de reciclagem costumam pagar de R$ 0,20 a R$ 0,30 pela mesma quantidade.

Às 21 horas de hoje, a Mercearia São Pedro - Rua Rodésia, 34, Vila Madalena - será a sede do lançamento de mais dois títulos da Dulcinéia: Tribêbada, antologia de contos de vários autores; e Signicidade, do premiado poeta Frederico Barbosa. "São poemas ligados à questão urbana", adianta Barbosa, sobre seu livro.

"Acho o projeto (Dulcinéia) muito importante porque aproxima a moçada de uma literatura que talvez eles nunca teriam contato e une artes plásticas e literatura", diz. "E é um trabalho ecológico muito curioso de reciclagem."


Sábado, 21 de novembro de 2009

24 de nov. de 2009

Um ano e meio e R$ 4,5 milhões depois, renasce o Cacilda Becker

CULTURA
Teatro da Lapa, que reabre hoje, passou por obra radical - apenas duas das paredes originais ficaram de pé

O Teatro Cacilda Becker, na Lapa, nasceu de novo. Neste caso, não é apenas força de expressão. Após um ano e meio de obras, o espaço reabre hoje - às 21h, com a peça ApontoTchekhov - praticamente todo refeito. "Foi quase uma reconstrução", admite a arquiteta da Secretaria Municipal de Cultura Silvana Maria Santopaolo, coautora do projeto. "Somente duas paredes do prédio antigo foram mantidas."

Ao custo de R$ 4,5 milhões, foi a primeira grande intervenção sofrida pelo espaço, inaugurado em 1988 - cujo nome homenageia a atriz paulista Cacilda Becker (1921-1969), um dos maiores mitos dos palcos brasileiros. "Nas outras vezes, foram feitas apenas reformas pontuais", lembra a arquiteta.

A obra vinha sendo planejada desde 2006 e foi iniciada no ano passado. "A situação era lamentável. Chovia dentro do palco", comenta Silvana. Os sinais de melhorias estão por todos os lados. A cabine de som, por exemplo, tinha acesso por uma rudimentar escada de marinheiro e só comportava uma pessoa por vez. Hoje, tornou-se ampla e confortável. Ventiladores mambembes - eram três de cada lado - foram substituídos por aparelhos de ar-condicionado. E, no hall de entrada, um excerto do poema Atriz, em que Carlos Drummond de Andrade homenageia Cacilda, estampa a parede principal - ao lado da herma, que já existia, de autoria do escultor Vasco Prado.

MELHORIAS
A mudança que terá maior impacto artístico, porém, é a ampliação do palco. Sua altura foi aumentada de 6 para 11 metros. E o chão também cresceu, já que os camarins - que ocupavam parte da boca de cena - foram removidos dali e instalados no fundo do teatro. "Os camarins ficavam no palco porque, na época, esqueceram de construí-los", revela a arquiteta. "Então tiveram de ser improvisados depois que a obra ficou pronta." Parece piada.

Do lado externo, o paisagismo também foi alterado, com o plantio de novas mudas de árvores. As quatro que já existiam - três bauínias e uma tipuana - foram conservadas. "Mas existe a ideia de transplantá-las. Com a nova construção, elas sofrem um pouco, pela proximidade", explica Silvana.

Se depender das aspirações de Silvana, a intervenção não acabará agora. "Meu sonho é tirar os muros que fecham o teatro", defende. "Assim ele se abriria para a cidade. Seria como uma nova praça." A capacidade do teatro - 195 lugares - permanece a mesma, após a reforma.

PROGRAMAÇÃO

Teatro
ApontoTchekhov: dias 20 e 21, às 21h; dia 22, às 19h. R$ 10; Peter Pan e Wendy: dias 21 e 22, às 16h. R$ 10; A Casa: dias 3, 4 e 5 de dezembro, às 21h; dia 6 de dezembro, às 19h. R$ 10; Romeu e Julieta: dias 5 e 6 de dezembro, às 16h. R$ 10; Histórias de Lá, do Lado de Cá: dias 12 e 13 de dezembro, às 16h. R$ 10; O Dragão: dias 17, 18, 19 e 20 de dezembro, às 21h. R$ 10; Marajá Sonhador e Outras Histórias: dias 19 e 20 de dezembro, às 16h. R$ 10

Dança
Park Na Hoon e Sungsoo Ahn Pick-up Group: dias 26 e 27, às 21h. Grátis; Lee Tae - Sang D.T.1 e Ahn Aesoon Dance Company: dias 28 e 29, às 21h. Grátis; Meu Prazer: dias 10, 11 e 12 de dezembro, às 21h; dia 13 de dezembro, às 19h. R$ 10

Música:
Lulina e Marcelo Jeneci: dia 1º de dezembro, às 21h. Grátis; Bruno Morais e Anelis Assumpção: dia 8 de dezembro, às 21h. Grátis; Tulipa Ruiz e Iara Rennó: dia 15 de dezembro, às 21h. Grátis.

Teatro Cacilda Becker: Rua Tito, 295, Lapa; tel.: (11) 3864-4513. Funcionamento da Bilheteria: as vendas de ingresso começam 1 hora antes de cada espetáculo


Sexta-feira, 20 de novembro de 2009

23 de nov. de 2009

A arte dos operários, no Municipal

CULTURA
Restauração do quase centenário teatro paulistano é feita por 70 trabalhadores com sensibilidade artística

Desde julho de 2008, o Teatro Municipal de São Paulo está em obras. Em tarefas detalhistas, 70 profissionais dedicam-se a recuperar ornamentos, esculturas de bronze, a cúpula de cobre, pinturas no teto, vitrais... Tudo deteriorado pelo tempo. É a terceira grande intervenção no prédio, símbolo da erudição e elegância de uma São Paulo de quase cem anos atrás: saído das pranchetas de Ramos de Azevedo, foi inaugurado em 1911 e passou por reformas em 1954 e em 1987.

O trabalho todo, previsto para ser finalizado no primeiro semestre do ano que vem, mexe com os sonhos até dos operários que lá atuam. "Eu já achava o teatro a coisa mais linda da cidade. Quando vim trabalhar aqui, tive a chance de conhecê-lo por dentro", revela Alcino José da Silva, piauiense que há 18 anos vive na capital paulista. "Tenho muita vontade de assistir a alguma coisa (no teatro), mas acho que a chance é mínima." Ele pode cultivar a esperança, já que a Secretaria Municipal de Cultura avalia a possibilidade de, com o término das obras, promover um espetáculo aberto a todos os funcionários da restauração.

Entre capacetes e ferramentas, as histórias que se entrecruzam por ali têm enredo semelhante: boa parte dos funcionários não nasceu em São Paulo e só conhecia o Municipal "de passar em frente".

DETALHES
Apesar da importância - de fato e pelo simbolismo todo - do trabalho ali realizado por eles, o discurso comum tem uma humildade sincera. É "no olho", por exemplo, que eles refazem os ornatos da fachada - um total de 1.813 -, muitos quebrados e quase irreconhecíveis. "Não me acho um escultor, muito menos um artista", afirma o baiano Carlito dos Santos Rocha, de 28 anos. "Eu só olho o modelo e vou copiando." Nascido em Roraima, seu colega Jenival Afonso do Carmo, de 34, equilibra-se nas alturas para, com espátula na mão, dizer que cada um desses enfeites pode levar até 40 dias para ficar tinindo.

E há os especialistas em cobre. Que dedicam-se a restaurar, por exemplo, a cúpula do prédio - uma gigante estrutura de 30 metros de diâmetro, que fica a 40 metros do chão. Ali, já fizeram reparos pontuais, corrigindo problemas de infiltração de água. E, a partir de dezembro, irão deixá-la bonita como se fosse nova. Entre esses profissionais estão os primos Gedival e Cláudio Santos da Motta, de 32 e 33 anos, ambos baianos. "São Paulo foi onde eu consegui trabalho. Então gosto desta cidade", frisa Cláudio. Gedival concorda. E seguem na luta.

O negócio de Márcio Santos de Lima, de 26 anos, nascido em Ribeirão Pires, no ABC paulista, é dar um jeito nas esculturas de bronze - há seis espalhadas, no alto, pelo lado externo do Municipal. "São 30 dias para restaurar cada uma delas", conta, enquanto se detém nos retoques finais de Poesia Lírica. "São muitas as dificuldades", ressalta a arquiteta Gabriela Kozlowski, que acompanha as obras. "As chuvas, a temperatura e a umidade são inimigos do trabalho pois os procedimentos são sensíveis."

No interior, também há muito o que fazer. As 200 mil peças de vidro que formam os 25 conjuntos de vitrais passam por restauração, no mesmo ateliê que as fez, em 1911. Nos tetos dos salões, as pinturas recebem cuidados especiais com pinceladas milimétricas.

O baiano Lucivaldo Alves de Almeida, de 31 anos, é um dos que ficam boa parte do dia olhando para cima, em busca de algum detalhe que mereça restauração. "De tempos em tempos, tenho de mexer bastante o pescoço, senão no fim do dia não há quem aguente de dor", conta. Quem quiser conhecer as obras terá oportunidade em breve. No dia 8, está prevista uma visita monitorada ao local - inscrições pelo e-mail dphdivulga@prefeitura.sp.gov.br.

FORMA E CONTEÚDO
Mas não só as obras têm colocado o Municipal sob os holofotes. No início do mês, o maestro Jamil Maluf se demitiu do posto de diretor artístico do Municipal. Em comunicado enviado aos músicos, ele atribuiu sua saída às "aspirações do secretário (...) de Cultura de já iniciar informalmente a implantação da nova estrutura que irá vigorar na futura fundação". Referia-se ao fato de que a Secretaria pretende criar uma fundação para administrar a entidade, para regularizar a situação de contratação dos integrantes dos corpos artísticos - atualmente, todos têm contratos temporários, renovados sempre que expiram.

Outra notícia recente: a licitação para a reforma do palco do Municipal foi suspensa por tempo indeterminado pela Empresa Municipal de Urbanização (Emurb), como publicado no Diário Oficial da Cidade em 30 de outubro. Além disso, o Ministério Público Estadual investiga - conforme o Estado revelou em março - possível superfaturamento na compra de oito instrumentos musicais, em novembro de 2007.

Por causa do atual estágio das obras, desde setembro, o Municipal está completamente fechado. Mesmo assim, há vida artística lá dentro. Duas semanas atrás, a Rede Globo utilizou o interior do espaço para gravar cenas de uma novela. No fim de outubro, um grupo apresentou esquetes no palco do teatro, como forma de celebrar a formatura de um curso de contrarregragem e mecânica cênica oferecido por um projeto de capacitação cultural.

E, alheio a barulheira da obra, um pianista solitário costuma dedilhar o novíssimo Steinway do Municipal. Sem público, sem aplausos no fim, Gilberto Tinetti executa as peças como um trabalho voluntário. "Há uma recomendação do fabricante (do piano) para que ele não fique parado", explica o pianista. "Então, venho, a cada dez dias, e fico tocando por cerca de três horas."


Domingo, 22 de novembro de 2009

22 de nov. de 2009

O baladeiro da literatura

PAULISTÂNIA
Escritor premiado, Marcelino Freire celebra o sucesso do evento que agita a Vila Madalena há quatro anos

Chama-se Balada Literária e não tem pompa nem frescura a festa cult que, pelo quarto ano consecutivo, agita bares, centros culturais e livrarias da Vila Madalena, do dia 19 a 22, com eventos extras dias 25 e 29. Mas - prova do sucesso que é - atrai para suas mesas nomes consagrados como Lygia Fagundes Telles, Mario Prata, João Gilberto Noll e João Ubaldo Ribeiro. À frente dessa empreitada está o escritor Marcelino Freire, 42 anos, nascido em Sertânia (PE) e radicado em São Paulo desde 1991.

Boêmio inveterado, recebe a reportagem em um bar - o Mercearia São Pedro - que fica a poucos metros de sua casa e começa contando que a ideia da Balada nasceu da vontade de tomar mais cerveja. Foi em 2005 e Marcelino estava na famosa Flip, a Feira Literária Internacional de Parati. "Aí me dei conta que lá faltava cerveja", lembra. "Eu era um bêbado sofrido, perambulando por Parati e mendigando cerveja. Não pode faltar cerveja em uma festa. Fiquei indignado."

Então propôs ao proprietário da Livraria da Vila, Samuel Seibel, a criação de um evento literário na Vila Madalena. "Pô, aqui tem os bares todos... Cerveja não vai faltar." No ano seguinte ocorria a I Balada Literária, com apoio da livraria.

Consolidado, o evento espera receber este ano cerca de 100 escritores, entre figuras conhecidas, novatos e gente alternativa em debates com o público. Nas semanas que antecedem a festa, o celular de Marcelino não para - o telefone tocou sete vezes durante as duas horas em que durou a entrevista ao Estado. "Eu não tenho equipe nem patrocinador oficial", diz. "Peço ajuda de um por um, até para os taxistas. Costumo dizer que, enquanto as outras festas são feitas com um milhão, esta é feita com humilhação." A livraria de Seibel, primeiro a compartilhar o projeto, sempre esteve entre os apoiadores.

CAPÍTULO PRIMEIRO
Caçula de 14 irmãos - dos quais somente nove vingaram -, Marcelino teve o estalo de se tornar escritor aos 9 anos de idade, quando já morava no Recife (PE). Leu um poema de Manuel Bandeira (1886-1968) no livro escolar de um irmão e ficou fascinado. Pediu uma obra dele de presente - "em uma casa onde pouco se lia", frisa. Ganhou Estrela da Vida Inteira. "Quando soube que Bandeira era pernambucano que nem eu, vi que eu podia me tornar alguém como ele." E a vontade de ser poeta corroborava a observação constante do pai, que insistia, desgostoso, que Marcelino era um "menino muito aluado".

Adolescente, arrumou emprego em um banco. Começou como office boy, depois virou escriturário e, por fim, revisor. "Com o tempo, revisava até as cartas do presidente do banco", diz. Essa rotina durou até 1989, quando decidiu pedir a conta para tentar se tornar escritor - ele já fazia faculdade de Letras, curso que jamais concluiu.

Dois anos depois, mudou-se para São Paulo, cidade que ele ainda nem sequer conhecia. "Dois dias de viagem dentro de um ônibus, cheguei aqui e tudo era feio e frio", afirma. "Mas eu queria essa bagunça. Estava cansado de tanta beleza, sol, praia... E, além disso, sou preguiçoso. Muito preguiçoso. Então preciso de uma cidade veloz." E completa: "Recife amanhece. São Paulo acorda. Eu precisava de uma cidade que me acordasse."

VOLUME II
Morou de favor na casa de um amigo em Aricanduva, zona leste. Uma edícula. "Ele dividia comigo até o que não tinha", emociona-se. Conseguiu rápido trabalho de revisor em uma agência de publicidade e logo se mudou para uma travessa da Avenida Paulista. Viveu também no Bexiga até encontrar o seu cantinho paulistano: o bairro da Vila Madalena, na zona oeste, seu endereço desde 1995. Mora sozinho. Ou melhor, na companhia de quase 400 pinguins de geladeira. Quase uma metáfora do "sertanejo", como gosta de lembrar. "A gente chega e passa muito frio aqui em São Paulo", brinca. "Na verdade, eu queria um. Depois resolvi que três ficariam bem em cima da geladeira. Aí coloquei seis, depois 12. Hoje todo mundo me presenteia com um pinguim."

PÁGINA ATUAL
Entre idas e vindas, trabalhos fixos e frilas, atuou como revisor publicitário até 2006. Paralelamente, conciliava sua carreira de escritor. Assim lançou AcRústico (em 1995), eraOdito (1998), Angu de Sangue (2000), nova edição de eraOdito (2002), BaléRalé (2003), Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século (2004), Contos Negreiros (2005) e RASIF (2008). Em 2006, levou o Prêmio Jabuti por Contos Negreiros.

"Aos poucos comecei a perceber que minha agenda estava tomando praticamente o ano todo", relembra, citando inúmeras participações em eventos literários, convites para palestras e seu trabalho em oficinas para aprendizes da escrita. Era hora de deixar por completo de ser revisor para viver somente - e exatamente - como escritor.

Entre uma viagem e outra, é na mesma Vila Madalena que persiste. De livraria em livraria. De café em café. De sebo em sebo. De bar em bar. "É o caminho da perdição etílico-literária", define. De preferência, com laptop a tiracolo. "Gosto de levar as ideias debaixo do braço."


Domingo, 15 de novembro de 2009

21 de nov. de 2009

Eles sobreviveram para contar...

ACIDENTE NO RODOANEL
Apesar do susto e do mau estado dos veículos, vítimas escaparam do acidente com ferimentos de pouca gravidade

Caminhoneiro experiente, com mais de 20 anos de profissão, Reginaldo Aparecido Pereira, de 40 anos, está acostumado às surpresas das estradas. Ao ouvir na noite de sexta-feira um forte estrondo, imaginou que estava sobre uma grande buraco. Assustado, abriu a porta do caminhão em movimento e se jogou no acostamento. Ele ficou desacordado até ser socorrido pela equipe de resgate. O susto foi tão grande que Reginaldo não se lembra do que aconteceu do momento que se jogou do veículo até entrar na ambulância.

Quem conta a história é a sobrinha Rosemeire Ferreira dos Santos, que acompanhou a tia, mulher do caminhoneiro, Cleusa Inácio Pereira, de 48 anos, até o hospital na madrugada de ontem. O encontro foi emocionante. Todos choraram muito diante da sorte de Reginaldo de ter sobrevivido ao desabamento das vigas sobre o caminhão.

O caminhoneiro quebrou três costelas, teve um corte leve no rosto, uma fratura na clavícula e sofreu uma torção no braço. O rosto ficou inchado, mas ele conversava sem dificuldades. "Ele está consciente e reconhece todo mundo", disse Cleusa. Ontem à tarde estava prevista uma segunda tomografia pela equipe médica para confirmar se estava tudo bem. Ele deve ter alta do hospital hoje.

O casal Reginaldo e Cleusa, muito religioso, visitou a Basílica de Aparecida no fim de semana para pagar uma promessa. Rosemeire não sabe qual era o pedido, apenas que era algo referente à vida dos próprios tios. Cleusa fez aniversário na quarta-feira.

Habituada com a rotina do marido, Cleusa costuma falar com ele por telefone várias vezes ao dia. Na sexta-feira à noite ela sabia que ele iria até a empresa de transportes onde trabalha para trocar de caminhão. Era azul, novinho em folha. Ficou completamente destruído, enquanto Reginaldo, como todos diziam, "nasceu de novo".

A família, que mora em Osasco, assistia à TV quando soube do acidente, pouco depois das 21h. O último telefonema entre os dois havia sido às 20h30. Rosemeire tentou convencer a tia de que o caminhão não era o de Reginaldo, mas Cleusa afirmava, chorando: "É ele, é ele." Ela tentou falar pelo rádio e pelo celular. Ninguém respondia. Estava confirmado que Reginaldo era uma das três vítimas. Desde a madrugada Cleusa não saiu do lado do marido no hospital.

Luana Augusto Coradi, de 21 anos, passa todos os dias pela Régis Bittencourt, pois mora em Embu. "Vi as vigas chegando em uma carreta, depois as vi sendo colocadas e, por fim, as vi caindo", conta a bancária, que, ao contrário de muitos supersticiosos, tem o número 13 como um amuleto. "Ela conheceu o namorado no dia 13. O aniversário dele também é no dia 13 e foi no último dia 13 que Luana nasceu de novo", diz a mãe da bancária, Maria Estênia Augusto Otaviano.

Luana atribui à mãe a sorte de estar viva. "Naquela noite, estava indo ao aniversário de um amigo", lembra Luana. "Antes de sair, parei para me despedir de minha mãe e parei para falar com ela." Esses poucos minutos fizeram a diferença. Enquanto guiava seu automóvel Clio vermelho 2008, "novinho", pela Régis Bittencourt, Luana olhou para as vigas do Rodoanel. "Vi a ponte entortando e um pó caindo. Logo depois, tudo desabou."

Luana diz que não se lembra muito bem do que aconteceu depois disso. "Tudo ainda está muito confuso", diz a bancária que está tomando três remédios, um deles, calmante. "Só sei que bati em um Celta (o veículo de Carlos Fernando Rangel) e capotei, só não sei quantas vezes", recorda. O carro de Luana ficou de cabeça para baixo e ela conseguiu sair pela janela, engatinhando pelo chão, lotado de cacos de vidro. Os joelhos dela estão machucados dos cortes que sofreu e do impacto da batida.

Por não estar muito ferida, Luana foi deixada de lado pelos policiais que trabalhavam no resgate das vítimas e ligou para o namorado, Thomaz José Angelo Filho, de 26 anos. "Cheguei muito rápido ao local e levei Luana com o meu carro até o Pronto-Socorro Municipal Central de Embu", fala o namorado. Luana não chegou a fazer os curativos no PS. "Não havia condições. O médico não tinha nem luvas para tratar do meu joelho e não havia cadeiras de rodas para todos os que aguardavam."

De lá, Thomaz a levou para o Hospital Professor Edmundo Vasconcelos, no bairro da Vila Clementino, zona sul de São Paulo. Lá, ela usou seu plano de saúde para ser atendida. "Limparam meus ferimentos, fizeram chapa dos meus joelhos e colocaram a proteção no meu pescoço, que está dolorido por causa do capotamento", conta Luana, mostrando ainda a marca do cinto de segurança em seu peito. "Isso porque nunca uso cinto de segurança. Sexta-feira, algo me fez colocá-lo."

Maria Estênia está indignada com a falta de atenção que os policiais do resgate deram à sua filha. "Vou querer indenização, mas estamos vendo ainda como fazer isso", relata a mãe, uma vez que o plano de saúde cobre metade do tratamento e Luana tem de pagar o restante. Já Luana não quer pensar na burocracia de uma indenização. "Ainda não consegui dormir, acredita? Fecho os olhos e vejo o acidente. Agora, só quero respirar, porque tudo foi muito intenso."

O sapateiro José Carlos dos Santos, de 56 anos, estava voltando para a casa em Embu com a mulher, Rosa Helena, de 53, a filha Giovana, de 11, e a neta Nicole, de 7. Ele trabalha em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, e mora na região há 20 anos. Num outro carro, logo atrás, vinham o filho Eduardo Alves dos Santos, de 29 anos, e a mulher dele, Luciana Gomes, de 24 anos, os pais de Nicole. Assim, José Carlos que passou pelo viaduto, escutou um barulho. Então, ouviu gritos e o trânsito da pista contrária começou a parar. "Olhei para trás e vi o viaduto no chão", diz Carlos. "Vi uma correria. Gente pedindo extintor, um carro esmagado e um caminhão", conta Rosa Helena.

Passados alguns segundos do choque, o casal se lembrou do filho e da nora. Rosa Helena pegou o celular e ligou para eles. Os dois já tinham chegado em casa. "Por sorte, a minha nora sugeriu que fizessem outro caminho, que fossem pela Estrada do Campo Limpo, que não tem tanto caminhão como o Rodoanel", conta o sapateiro. A mulher respirou aliviada e jurou que nunca mais pegaria aquele trecho do Rodoanel novamente.

em parceria com Valéria França, Paula Pacheco, Etienne Jacintho e Moacir Assunção.

Domingo, 15 de novembro de 2009

20 de nov. de 2009

Comerciantes festejam aumento da venda de vela

APAGÃO

Para donos de mercadinhos e lojas de velas, o apagão teve um efeito ótimo: paulistanos que passaram a noite no escuro correram para comprar velas na manhã de ontem. “Todo mundo chegava aqui dizendo que queria se prevenir para o próximo blecaute”, conta Salim Smaili, dono de uma loja de utilidades domésticas no bairro do Limão. Ele comemorava: somente na parte da manhã vendeu 144 pacotes de velas – 30% a mais do que está acostumado. Dos 13 compartimentos reservados ao produto em suas prateleiras, quatro ficaram vazios.

A uma quadra dali, André Cavalheiro, proprietário de uma loja de velas, também era só alegria. “Só hoje cedo, vendi 15 quilos a mais de velas soltas e 24 pacotes de vela em maço. Ou seja: 20% a mais do que o normal.” E não foi só a clientela que estava desprevenida. Funcionária da loja, Eliane Aparecida da Silva também passou apuros durante o apagão. “Trabalho em uma loja que vende velas e não tinha nenhuma em casa”, diz.

Em um mercadinho do bairro da Casa Verde, a funcionária Teresa Nakamatsu estava espantada com o aumento na procura de velas. “Se tivéssemos ficado abertos na hora do apagão teria havido uma invasão aqui.”

A Associação Paulista de Supermercados não conseguiu dados sobre as vendas de velas “porque se tratava de fato muito recente”.


Quinta-feira, 12 de novembro de 2009

19 de nov. de 2009

Paixão por ópera que vem de casa

PAULISTÂNIA
A jovem diretora Lívia Sabag estreia sua 15ª montagem

Lá no fundo, quase na última fileira das aveludadas poltronas do Teatro São Pedro, escondida em meio ao público esperado de cerca de 600 pessoas, estará, na noite da próxima quarta, uma moça de voz doce e olhos atentos. Assistirá à estreia da famosa ópera Pagliacci - escrita em 1892 pelo compositor napolitano Ruggiero Leoncavallo (1857-1919) - com conhecimento absoluto de tudo o que deve acontecer. Trata-se de Lívia Sabag, a diretora do espetáculo.

Esta é a 15ª montagem da carreira desta jovem paulistana de 29 anos. E tem um significado especial: pela primeira vez, tem na equipe o pai, o maestro Marco Antonio da Silva Ramos, de 59 anos, regente do coro. "É fácil trabalhar com ela", derrete-se o maestro. "De todas as pessoas com quem eu trabalhei, raras vezes tive alguém com um profissionalismo tão claro."

Lívia não nega que a influência familiar pesou muito em sua escolha profissional. Aliás, conta isso com indisfarçável orgulho. "Quando criança, tinha muito contato com ópera por causa de meu pai (Marco é professor de Música da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo)", lembra. "A primeira que vi inteira foi Aida (de Giuseppe Verdi), pela televisão, aos 10 anos. Prestei muita atenção na interpretação, achava tudo bonito visualmente." Dois anos mais tarde, assistiu pela primeira vez a um espetáculo ao vivo, no Teatro Municipal: em cartaz, Il Tritico (de Giacomo Puccini), composto pelas óperas Il Tabarro, Suor Angelica e Gianni Schicchi. "Marcou-me mais a Suor Angelica, que era dirigida por Bia Lessa", recorda.

Ainda sobre a adolescência, Lívia conta que certa vez seu pai comprou um disco com a ópera Zaide (de Mozart). "Fiquei apaixonada pela ária Ruhe Sanft", afirma.

ESCOLHA
A menina que cresceu no meio musical - "frequentava ensaios com meu pai o tempo todo, vivia nesse mundo" - começou levar a sério a possibilidade de seguir carreira. "Aos 14 anos, fui conversar com uma professora da USP para saber como era lá", diz. "Eu queria um ponto de vista que não fosse o do meu pai."

Entre aulas de violão e teatro, preparou-se para ingressar na universidade. Fez Artes Cênicas, formando-se em 2002. Trabalhou como atriz e dançou balé antes de se especializar em óperas, mas o gostinho pela área era constantemente cultivado. "Ao longo do curso, eu já dizia que queria direção. E direção de ópera."

Outra figura familiar contribuiu para as aspirações de Lívia, com conselhos pontuais, longas conversas e planos - jamais concretizados - de um dia fazerem algo juntos. Ela é sobrinha-neta do ator, diretor e produtor de teatro, cinema e televisão Fábio Sabag (1931-2008), nome importante da dramaturgia brasileira com, estima-se, cerca de 7 mil participações em produções artísticas ao longo de seis décadas de carreira. "Lembro-me que, no começo de minha carreira, eu estava naquele esquema de teatro alternativo e era muito interessante conversar com ele sobre isso", emociona-se Lívia, com uma pausa em sua fala. "Ele era brilhante, uma figura inteligentíssima", intercala, antes de nova pausa. "Meu tio tinha uma visão tradicional bacana de trabalho com o texto, então conversávamos bastante sobre isso. Era uma relação de orientação."

CIRCUITO CULTURAL
No tempo livre, Lívia costuma se divertir no circuito cultural paulistano, principalmente teatro e cinema. "Quando estava na faculdade, acho que conheci todos os teatros da cidade. Íamos a todos os bairros, todas as regiões."

Outra predileção são os restaurantes japoneses, que costuma frequentar com o pai.

São Paulo é sua cidade mais do que por nascimento, por devoção. Entre 8 e 15 anos de idade, morou em Campinas, com a mãe - seus pais são separados. "Não gostava. Senti muita falta daqui", admite. "Era um desespero para voltar logo para São Paulo e acabei vindo morar com meu pai." Desde os 21 anos, vive sozinha em um apartamento em Pinheiros.

A especialização em ópera obriga Lívia a se dedicar muito aos estudos. Não só do ramo em si, mas também de outros idiomas - além do português, ela domina o inglês, o italiano, o francês e o espanhol e está "quase lá" no alemão.

Ao longo do mês que precede a estreia de uma montagem, ela divide com o elenco e a equipe uma rotina árdua de ensaios diários. "Fico no palco com eles, pego cada um, faço junto...", enumera. Em Pagliacci, são mais de 60 pessoas, entre solistas, coro, músicos e equipes de produção, cenário e figurino.

Serviço
Pagliacci: Teatro São Pedro, na Rua Barra Funda, 171, Barra Funda; tel.: (11) 3667-0499. Dias 11 e 13, às 20h30; e 15, às 17h. R$ 20,00


Domingo, 8 de novembro de 2009

18 de nov. de 2009

Calor, barulho e saudade de casa unem operários

TRÂNSITO
Trabalhadores 'nômades' de todo o Brasil participam da reforma de R$ 1,3 bilhão na Marginal do Tietê

Sol a pino e tal e qual formiguinhas, os 2 mil operários não param nos canteiros da obra de R$ 1,3 bilhão iniciada em junho na Marginal do Tietê - com previsão de entrega em outubro de 2010. É tarde de quinta-feira e os termômetros ultrapassam os 30°C em São Paulo. "Depois de tanto tempo na luta já tenho o couro calejado. Nem suar suo mais", ri o carpinteiro Inácio de Sousa Filho, de 50 anos, exibindo o vazio dos dentes a menos na boca, ao rebater a reclamação do repórter de que fazia insuportável calor.

É com bom humor que a maioria dos trabalhadores encara o trabalho duro, valente e gradual que - conforme promete o governo estadual - vai reduzir em 35% o tempo de viagem dos cerca de 1,2 milhão de veículos por dia que enfrentam os quase 25 km de comprimento da via. Forasteiros de São Paulo na grande maioria, eles compartilham sincero otimismo aliado ao estilo de vida errante. "Rapaz, atrás de obra eu já conheci, nos meus 35 anos de profissão, esse Brasilzão inteiro", orgulha-se Genival Alexandre da Costa, o Doca, de 55 anos, encarregado de uma equipe de 46 pessoas. Nascido em Macaíba, no Rio Grande do Norte, enumera os Estados onde trabalhou: Minas, Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Paraná, Rio...

Da família, não sente saudades? "Sinto, mas é o jeito." Tem mulher, filhos? "Mulher e três filhos, já criados." Fala com eles sempre? "Rapaz, ligo todo dia. Agora tem essas promoções de celular. Antigamente não dava para fazer isso, não." E é assim. Acaba uma obra, começa outra em outro lugar, outra cidade, outro Estado. Vai para a terra natal de três em três meses, no máximo. Às vezes, interrompe esse cotidiano de concreto e, aí, é à beira-mar que ganha a vida. "Fico um ou dois anos refrescando a cabeça, trabalhando de taxista em Natal, que é pertinho da minha cidade."

Com o mesmo espírito nômade, o carpinteiro Inácio deixa a mulher e os quatro filhos em Oeiras, no Piauí, e desde os anos 70 roda o Brasil, de canteiro em canteiro. Fala grosso ao citar seu currículo, que inclui as usinas de Tucuruí, no Rio Tocantins, e Itaipu, no Rio Paraná. Na Marginal, atua na construção da ponte que ligará a Avenida Salim Farah Maluf à via, próximo da Ponte do Tatuapé. Inácio prefere mil vezes uma barragem do que uma ponte. "Aqui é muito barulho o dia inteiro", reclama, apontando para os carros e caminhões que passam rentes ao seu posto de trabalho. "Barragem é bom porque é sempre no meio do mato."

A família ele só vê de seis em seis meses "e olhe lá", mas garante que mulher não falta. "Peão no trecho é como caminhoneiro, arruma muita "colega"." Um pedaço da família o acompanha: o sobrinho Vicente de Sousa Silva Neto, de 26 anos. Há quatro, ele decidiu seguir os passos do tio.

NO CANO
"É fundo. 'Vareia', mas chega a uns 19 metros. 'Nóis' é que nem 'tatu'", define Doca. Ele se refere ao trabalho principal de sua equipe, dentro dos tubos amarelos espalhados pela Marginal. São 110 e servem para a construção dos pilares das pontes. E como é que funciona isso? "É fácil. Igual a fazer poço."

Quando percebe que não é fácil nem se fazer entender pelo repórter, Doca pacientemente se agacha e desenha no chão. "Olha, imagina que lá embaixo é assim. Cabe um só (o tubo tem 1,2 m de diâmetro). O ar comprimido entra e deixa sequinho. Aí o peão desce, escava com martelete e, quando enche a caçamba de terra, grita de lá de baixo. Quem fica em cima puxa."

Oswaldo Honório de Almeida, de 38 anos, é um dos homens-tatu. Chega a ficar embaixo da terra o dia todo. "Na primeira vez, fiquei com medo. Mas depois acostuma", garante ele, que já trabalhou em mais de 30 obras em todo o Brasil. "A gente até combina de trocar (quem fica embaixo da terra e quem fica do lado de fora). Mas prefiro ficar lá em baixo. É mais fresco." Poucas horas depois, Oswaldo passou mal e antecipou o fim da jornada. O calor fez com que sua pressão caísse. No dia seguinte, voltou ao batente.

A mulher e a filha de Oswaldo moram na mineira São João del Rey. Ele vai para lá a cada dois meses. E agradece ao bônus da operadora de celular que possibilita falar sempre com a família. Dos que trabalham na obra, ele é um dos 30 operários que pernoitam no alojamento da empresa, em Itaquaquecetuba. "Lá é animado", diz. "Com a camaradagem, dá para esquecer os problemas."

Doca também pousa lá. O clima é ótimo porque a grande maioria já se conhece de outras obras Brasil afora. "E tem um forró bom num barzinho na frente." Sua mulher não fica com ciúmes? "Xiii... Ela nem sabe, não! Mas, meu irmão, a gente não pode só trabalhar, não. Tem de se divertir também, aproveitar a vida, né?"

Novatos no ramo, os mineiros Jamilson José de Souza, de 36 anos, de Araçuaí, e Marcos Costa Santos, de 38, de Curvelo, não se intimidam diante de tanto trabalho. Eles viram na obra da Marginal uma possibilidade de melhorar a vida - depois de já terem pingado de emprego em emprego. "É a primeira vez que trabalho com carteira assinada", conta Marcos. "Quero me dedicar bastante porque, quando acabar aqui, quem sabe consigo ir para outra obra."

TOQUE FEMININO
Entre os 2 mil operários que trabalham na Marginal, apenas cinco são mulheres. E é só perguntar para a "peãozada" que as explicações sobre essa disparidade não tardam a se repetir: em resumo, "trabalho pesado não combina com elas", dizem. Para João Vilela Neto, encarregado de uma das equipes, isso é bobagem. "Mulher é bom porque é obediente." E é em sua turma que trabalha aquela que já é chamada de "Miss Marginal", a jovem Joelma Aparecida Rodrigues Cardoso, de 28 anos.

Com jeito delicado, voz meiga e belos olhos claros, ela consegue manter a vaidade mesmo com macacão alaranjado. "Brinco pequeno pode, pelo menos", conta. "E é preciso tomar cuidado com a pele. Então, além de protetor solar, também passo bastante creme hidratante."

Nascida em São Roque, no interior paulista, ela já trabalhou "de tudo um pouco": como costureira, em casa de família, em bufê... Há seis meses, foi pedir emprego em uma obra na cidade. "Entrei como servente. Catava pedra, usava pá, enxada... Um encarregado gostou do serviço e me passou para a máquina." Desde então, ganha a vida operando rolo compactador.

Recebe muitas cantadas dos colegas? "Bastante. Levo na esportiva, na brincadeira", diz. "Mas não posso reclamar: eles me respeitam muito." Separada e mãe de três filhos - o mais velho de 12 anos - que ficam com sua mãe, em São Roque, ela tem saudades da família. "Acabo indo para lá só nos fins de semana. Eles acham estranho eu trabalhar com máquinas." E então, após longa pausa, completa: "Eu acho que minha mãe tem orgulho de mim."


Domingo, 8 de novembro de 2009

17 de nov. de 2009

Dia das Bruxas vai assombrar a Casa das Rosas

HALLOWEEN
Mansão terá programação especial

Pelo segundo ano consecutivo, Dia das Bruxas vai rimar com literatura na Casa das Rosas. A partir das 19 horas de hoje, o espaço será a sede do evento Mansão Macabra, com recitais, apresentações teatrais, música gótica, performances de terror e filmes durante a madrugada.

Amanhã à tarde haverá versão matinê para crianças. “No ano passado, recebemos cerca de 500 pessoas”, lembra o poeta e crítico literário Frederico Barbosa, diretor da Casa. “Esperamos mais agora.”

O homenageado será o poeta e escritor americano Edgar Allan Poe (1809-1849) – dono de obra que tem a morte como tema recorrente –, cujo bicentenário de nascimento é neste ano. “Sem dúvida, um dos maiores escritores que o mundo já conheceu”, diz Barbosa. Uma instalação multimídia chamada Edgar Alone Poet lembrará sua trajetória.

Com a participação dos poetas Luiz Roberto Guedes e Carla Caruso, um sarau está marcado para começar às 20h. O público também poderá recitar seus próprios textos. Além dos poemas, está previsto um show com o Blu Jazz Trio. Duas horas mais tarde, a Nossa Companhia Imaginária encena o conto O Gato Preto, de Poe.

À meia-noite, a Casa das Rosas se transforma em mansão mal-assombrada. Um misterioso anfitrião vai receber os grupos de visitantes, de 30 em 30 pessoas, para revelar os cômodos da casa. Das 2h30 às 4h, haverá novo recital, sob o rótulo de “poemas malditos”. Poetas interpretarão textos de Poe, Charles Baudelaire (1821-1867), Lord Byron (1788-1824), Álvares de Azevedo (1831-1852) e Augusto dos Anjos (1884-1914), além de criações próprias. A noitada se encerra às 4h, com show tributo da banda paulistana Interlude aos ingleses do The Cure.

O Café Panaroma, que funciona na Casa das Rosas, ficará aberto, com cardápio especial: massas negras, molhos vermelhos e drinques “de sangue”. Enquanto isso, filmes – está prevista a exibição de Nosferatu, O Homem Que Ri e O Gabinete do Dr. Caligari –, teatro (O Engenho Mal-Assombrado e Nosferatu), contação de histórias e dança serão apresentados no jardim.

CRIANÇAS
Amanhã será a vez das crianças e do folclore. A partir das 14h, a Casa das Rosas terá o Ré Lou Im, com brincadeiras educativas e contação de histórias de sacis, curupiras e mulas sem cabeça. Está programada para as 16h a exibição do filme A Noiva Cadáver e para as 18h, um show com o grupo Musicantes.

Entusiasmado com o evento, Barbosa já tem a resposta pronta para os que criticam a incorporação de uma data festiva estrangeira ao calendário da Casa das Rosas. “Nossa atitude é antropofágica. Não somos covardes para ter medo do que vem de fora.”

Mansão Macabra, O Halloween da Casa das Rosas ocorre na Avenida Paulista, 37; telefone 3285-6986. Hoje, a partir das 19 horas, e amanhã, a partir das 14. Grátis.


Sábado, 31 de outubro de 2009

16 de nov. de 2009

Duas exposições

CULTURA

1. Fica em cartaz até o dia 30, no Casarão Brasil (Rua Frei Caneca, 1057. Fone: 3171-3739), a exposição Olhos Vendados. Trata-se de uma homenagem aos 200 anos de nascimento de Louis Braille - o criador do código de leitura para deficientes visuais - com esculturas de papel machê boladas pela artista plástica Adriana Rizkallah.

2. Começa amanhã (e fica até dia 28) a exposição Bandeiras, no Conjunto Nacional (Avenida Paulista, 2073), da artista Fernanda Rodante. Cada tela será legendada por um poeta, filósofo ou ativista paulistano.

Ambas as mostras são de graça.



Domingo, 15 de novembro de 2009

15 de nov. de 2009

Poeta Marcelo Tápia lança novo livro hoje

CULTURA

Diretor da Casa Guilherme de Almeida, o poeta Marcelo Tápia lança hoje, às 19h30, na Casa das Rosas, seu livro Valor de Uso - depois de um silêncio poético que já durava 13 anos.

Nascido em 1954 na cidade de Tietê, no interior paulista, Tápia é poeta, tradutor, ensaísta e editor. Como cantor, integra o grupo de música irlandesa Irish Dremas e colabora com o Colher de Pau. Também se dedica a um repertório de música e poesia grega arcaicas.


Sexta-feira, 13 de novembro de 2009

14 de nov. de 2009

As ruas São Paulo

HISTÓRIA

Dá até para se confundir. São Paulo tem quinze ruas, travessas, avenidas e viadutos chamados São Paulo. Dez homenageiam a própria cidade, quatro são por causa do santo católico e uma, a Rua São Paulo Antigo, no Morumbi, se refere ao livro homônimo do historiador Antonio Egídio Martins.

A primeira rua paulistana a ser denominada São Paulo fica na Liberdade. Oficialmente, foi batizada assim em 1916 - mas já era conhecida pelo nome desde 1897. Na época, aliás, a Praça Almeida Júnior - onde a via começa - se chamava Largo São Paulo.


Domingo, 8 de novembro de 2009

13 de nov. de 2009

Uma frase e um vídeo: Roberto Loeb

ARQUITETURA

Quarto mais lembrado, em enquete realizada pelo Estado, como dono do melhor escritório da cidade, o arquiteto Roberto Loeb é o último desta série do Blog da Metrópole.

"Adoro São Paulo porque vejo no caos a oportunidade. A cidade sempre está no meu imaginário. Com meu trabalho, tento fazer com que ela seja mais humana, melhor, mais acessível."
Roberto Loeb




Sexta-feira, 6 de novembro de 2009

12 de nov. de 2009

Uma frase e um vídeo: Isay Weinfeld

ARQUITETURA

O badalado arquiteto Isay Weinfeld foi o terceiro mais lembrado, em enquete realizada pelo Estado, como dono do melhor escritório de arquitetura de São Paulo. Continuamos a série, publicando uma frase de Weinfeld e o vídeo produzido com ele:

"Se eu estou fazendo uma residência e o casal pede para escolher a maçaneta mais barata possível para o quarto de empregada, eu me incomodo. Não sei fazer assim, não suporto a diferença, a discriminação. São meus valores. Tal situação mexe comigo e na hora eu perco a vontade de fazer o projeto."
Isay Weinfeld




Quinta-feira, 5 de novembro de 2009

11 de nov. de 2009

SP 'revive' Guerra dos Emboabas

HISTÓRIA

Prato cheio para quem gosta de História. A partir do dia 8, fica em cartaz na Casa do Bandeirante (Praça Monteiro Lobato, s/nº, Butantã. Fone: 3721-8611) a exposição Guerra dos Emboabas - 300 Anos Depois. Exibida entre agosto e setembro em Belo Horizonte (MG), a mostra conta como foi o conflito que lhe empresta o título, por meio de textos, fotos ilustrações e reprodução de material iconográfico.

Essa viagem no tempo começa com o Mito do Eldorado, lenda que teria ajudado a atrair aventureiros para o interior do continente em busca de pedras e metais preciosos. Mais adiante, um módulo retrata como eram os bandeirantes paulistas que descobriram o ouro em Minas Gerais, sua vida e cultura e os objetivos e contribuições de suas bandeiras.

Os principais locais do embate, que ocorreram onde hoje estão localizados os municípios mineiros de Ouro Preto, São João del Rei, Sabará e Caeté, são objeto de mapas, gravuras e textos da época, assim como ilustrações e fotografias atuais dessas cidades históricas. Os conflitos são descritos com os detalhes narrados pelos historiadores nos últimos três séculos e ilustrados com artefatos de mineração e reproduções como um ex-voto pintado por uma testemunha ocular da guerra.

A exposição ocupa os mais de 300 m² da Casa do Bandeirante, por si só um símbolo histórico à parte. Afinal, trata-se de uma das poucas construções remanescentes da arquitetura paulista da primeira metade do século 18.

Paralelamente a esse evento, o Itaú Cultural (Avenida Paulista, 149. Fone: 2168-1700) sedia ainda, das 10h30 às 19h do dia 9, um ciclo de palestras intitulado 300 Anos da Criação da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro.


Quarta-feira, 4 de novembro de 2009

10 de nov. de 2009

Duas frases e um vídeo: Botti Rubin

ARQUITETURA

Na sequência da série, as frases e o vídeo de Alberto Botti e Marc Rubin, do segundo melhor escritório de São Paulo, de acordo com a enquete do Estado.

"Meus herdeiros são meus arquitetos. Está no testamento. No dia em que eu sair daqui do escritório, minha parte vai para eles, para a equipe. Eles são meus sucessores. Para minha família, fica o resto do patrimônio. Porque Botti Rubin não é uma propriedade apenas econômica."
Alberto Botti

"Quando decidi me tornar arquiteto, não tinha tanta certeza sobre o meu talento. Na verdade, ainda acredito que isso tudo é resultado mais de trabalho que de talento."
Marc Rubin




Terça-feira, 3 de novembro de 2009

9 de nov. de 2009

Três frases e um vídeo: Aflalo & Gasperini

ARQUITETURA

Na semana passada, o Estado publicou um suplemento especial intitulado "Arquitetura em SP". Nele, constavam os resultados de uma enquete realizada pelo jornal para eleger os cinco melhores escritórios de arquitetura de São Paulo. Todos foram perfilados pela reportagem e, com exceção de Paulo Mendes da Rocha - que não topou participar -, gravaram um vídeo. A partir de hoje, publico aqui algumas frases que não entraram no especial, seguidas da reportagem audiovisual.

Para começar, o escritório Aflalo & Gasperini, eleito o melhor da cidade:

"Resolvi ser arquiteto porque nós estávamos completamente na merda depois da guerra. Todas as profissões eram terrivelmente desacreditadas. Então eu via duas opções: ou a medicina, que era do meu pai, ou as artes. De repente, comecei a me dedicar às artes. E, então, acabei entrando em arquitetura.
Gian Carlo Gasperini

"Gosto de enganar a rotina. Costumo variar o deslocamento de casa (na região do Parque do Ibirapuera) ao escritório (na Vila Olímpia). De manhã, venho pela Avenida Juscelino Kubitschek. À tarde, eu prefiro passar por trás da Vila Nova Conceição, que tem uma aspecto mais agradável, menos agressivo."
Roberto Aflalo Filho

"No começo da carreira, eu era 100% arquitetura. Agora desenvolvo outras atividades, até para tomar um pouco de distância da área. Pratico esportes: corrida, natação, ciclismo... É preciso uma grande disciplina para fazer isso diariamente - e eu faço porque gosto. Às segundas, ainda tenho aulas de violão."
Luiz Felipe Aflalo Herman




Segunda-feira, 2 de novembro de 2009

8 de nov. de 2009

Do Masp ao Minhocão: São Paulo

ESPECIAL
Enquete revela o que, na opinião dos arquitetos, é motivo de orgulho e vergonha para os paulistanos

"Procurei uma arquitetura que pudesse comunicar de imediato aquilo que, no passado, se chamou de 'monumental'", disse, certa vez, Lina Bo Bardi (1914-1992) sobre sua criação na Avenida Paulista. Monumental, a sede do Museu de Arte de São Paulo (Masp), inaugurada em 1968, foi lembrada por 28% dos participantes da enquete do Estado como o maior símbolo da arquitetura de São Paulo. O prédio é o que é não só pela área construída mas - e, talvez, principalmente - pelo vão livre. "Um enorme vazio, uma grande janela para olhar a cidade", definiu o arquiteto Benedito Abbud, ao justificar seu voto. Carlos Eduardo Warchavchik acrescentou que a obra é "brutalista, com concreto aparente, racional, e de um formalismo contido".

Também foram muito citados como símbolo o Parque do Ibirapuera (10%), a Avenida Paulista (6%) e, não sem uma pitada de ironia, as Marginais do Tietê e do Pinheiros (6%).

Para tentar entender a admiração dos arquitetos paulistanos - e provocar um pouco a inveja dos mesmos -, o Estado também perguntou: "Qual obra da cidade você gostaria de ter feito?" Com 20% dos votos, deu Parque do Ibirapuera. "Porque só melhora com o uso", comentou o arquiteto Luiz Laurent Bloch. "Porque esta cidade precisa respirar, ter locais de lazer e encontro das pessoas", complementou Siegbert Zanettini.

Na sequência apareceram, empatados, a sede do Masp e o Conjunto Nacional, ambos com 7%. "Pela multiplicidade de usos que, após meio século de existência, ainda é atual e de qualidade", escreveu Luiz Felipe Aflalo Herman.

Surgiram também algumas respostas curiosas. Ruy Ohtake, por exemplo, preferiu não elencar nenhum. "Acho que devemos nos contentar com os nossos projetos", sentenciou.

O PIOR DE SÃO PAULO
E, na opinião dos arquitetos, qual é a obra que jamais deveria ter sido construída? O mais lembrado, por 44% dos que responderam à enquete, foi o Elevado Costa e Silva, o Minhocão. Inaugurado em 1971, é a principal ligação leste-oeste da cidade - em seus 3,4 quilômetros de extensão trafegam 70 mil carros por dia. Sua existência é responsabilizada pela degradação do entorno. De quebra, os moradores dos cerca de 140 prédios vizinhos a ele sofrem com barulho e poluição.

Em 2006, a Prefeitura lançou um concurso de ideias propondo alternativas para o problema do Minhocão. Participaram 46 concorrentes. Venceram - e embolsaram o prêmio de R$ 100 mil - os arquitetos Juliana Corradini e José Alves, do escritório Frentes. Eles sugeriram "encaixotar" a via, criando uma espécie de túnel suspenso para os carros. A parte de cima viraria um parque. "Resolveria o problema acústico e ainda se construiria uma outra área de lazer", defende Juliana. A ideia, entretanto, não foi levada adiante pela administração municipal.

Com expressivos 17% dos votos, a segunda obra mais citada como a que nunca deveria ter sido construída foi o Complexo Cidade Jardim - shopping de mesmo nome e conjunto de torres residenciais e comerciais, em estilo neoclássico, erguidos perto da Marginal do Pinheiros, cuja primeira fase foi inaugurada em 2008. "(Os prédios) são uma agressão ao hábitat urbano. Feios, sem proporção e desatualizados como linguagem", criticou o arquiteto Rogerio Batagliesi. "(O complexo não deveria ter sido construído) pelo estilo ultrapassado, pela densidade e pelo isolamento e separação do contexto urbano", comentou Roberta Homem de Mello. Arquiteto responsável pelo projeto, Pablo Slemenson defendeu-se. "Os arquitetos odeiam (a arquitetura neoclássica), mas os clientes adoram. Acho que os arquitetos deveriam se preocupar com a qualidade do espaço e não com a estética."

Por fim, quando perguntados sobre qual ponto da cidade escolheriam para melhorar, se pudessem, os arquitetos se lembraram, principalmente, do centro e das Marginais do Tietê e do Pinheiros (ambos foram citados por 14% deles). Em seguida, apareceram os parques (11%), a região da cracolândia (10%) e o Minhocão (8%).


Quinta-feira, 29 de outubro de 2009

7 de nov. de 2009

Premiadíssimo, consagrado - e quase inacessível

ESPECIAL
Mendes da Rocha projeta sem computador, trabalha sozinho e mantém a mesma rotina há décadas

Paulo Mendes da Rocha. Dizer que ele ganhou dois dos mais importantes prêmios da área - o Mies van der Rohe (em 2001) e o Pritzker (em 2006) - dá dimensão de como esse capixaba radicado em São Paulo é um mito da arquitetura brasileira. Aos 81 anos, repete sua rotina de criação solitária, num amplo e rústico escritório no prédio do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), projetado por Rino Levi (1901- 1965) no centro de São Paulo. Ali é seu endereço desde os anos 70, no mesmo andar que foi ocupado por Vilanova Artigas (1915-1985).

Na mesa, nada de computador. Seus projetos vão da lapiseira bege direto para a prancheta. Na parede, desenhos e garatujas de um dos netos são a única decoração. Mapas, plantas e livros, muitos livros, espalham-se pelas estantes metálicas. Como consegue projetar assim, em pleno século 21, sem modernos softwares, sem equipe afiada? Aos amigos, costuma dizer que arrumou um jeito de "institucionalizar sua vagabundagem". Na verdade, trabalha com escritórios associados - em geral, de ex-alunos.

Cinco por cento dos que responderam à enquete do Estado afirmaram ser este o melhor escritório de arquitetura da cidade. A atmosfera do estúdio de Mendes da Rocha não tem frescura. Largadão e despreocupado, o local não reflete a precisão e a minúcia que fizeram dele um dos mais importantes arquitetos contemporâneos do mundo.

Formado em 1954 pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, chamou a atenção já em seu primeiro grande projeto, o Ginásio do Club Athlético Paulistano (de 1957), onde utilizou concreto armado aparente e grandes espaços abertos. Uma obra modelo da que acabou conhecida como Escola Paulista de Arquitetura - crua e limpa.

Nos anos 60, iniciou sua trajetória acadêmica, tornando-se professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Defensor do papel social do arquiteto, desagradou ao governo militar e teve seus direitos políticos cassados em 1969 - nunca fez política partidária mas chegou a frequentar reuniões do Partido Comunista -, sendo afastado da universidade. Retornou à docência em 1980, já no processo de redemocratização do País.

Sua carreira é cheia de obras importantes. São de sua lavra o Estádio Serra Dourada, em Goiânia (de 1973); o Museu Brasileiro da Escultura (de 1986); a reforma da Pinacoteca do Estado de São Paulo (de 1988 a 1999); o Museu da Língua Portuguesa (de 2006)... Em 2002, viu-se numa polêmica: a cobertura sobre a Galeria Prestes Maia, na Praça do Patriarca, movimentou caloroso debate - e até hoje provoca a ira dos contrários à sua realização. Desde o ano passado, trabalha nas novas instalações do Museu Nacional dos Coches, em Lisboa. Na última Bienal Internacional de Arquitetura, em 2007, foi homenageado ao lado de Niemeyer.

Houve cinco tentativas de agendar entrevista com Paulo Mendes da Rocha. Três telefonemas e dois e-mails - jamais respondidos. Por telefone, sua secretária afirmou que ele não tinha interesse em participar.


Quinta-feira, 29 de outubro de 2009

6 de nov. de 2009

Causas que vão além da prancheta

ESPECIAL
Do Cine Belas Artes a um projeto que atende crianças carentes, o trabalho de Loeb ultrapassa seus traços

Dois flashes se destacam nas memórias afetivas do arquiteto Roberto Loeb, de 68 anos - apontado por 5% dos ouvidos pelo Estado como dono do melhor escritório de São Paulo. No primeiro, ele é criança e brinca nos arredores da casa da família. "A região do Pacaembu era um fascínio, porque tinha muitos terrenos vazios, muito mato e muita construção em andamento", recorda-se. "Roubava material das obras e fazia minhas cabanas, brincava com blocos, essas coisas." Na segunda cena, bem mais recente, Loeb já é um consagrado arquiteto e participa da inauguração do Centro da Cultura Judaica, em 2003, no Sumaré. "Foi um privilégio poder fazê-lo, porque pude homenagear meus avós (maternos), de origem judaica. Por isso nem quis cobrar pelo projeto."

E é assim, com voz calma, que Loeb desfia suas reminiscências ao reconstituir sua trajetória de vida. O menino que gostava de desenhar e admirava as criações do pai - um imigrante húngaro formado em Belas Artes que se tornou joalheiro - estudou Arquitetura na Universidade Presbiteriana Mackenzie e, logo no primeiro estágio, foi trabalhar com o renomado Rino Levi (1901-1965). "Por circunstâncias de sorte", admite. "Minha mãe era prima da secretária dele, que me indicou."

Ainda estagiou em outros escritórios antes de ter o seu próprio, em sociedade com dois colegas, no início dos anos 60. Como primeiro trabalho, encararam a reforma de uma fábrica no Ipiranga. Mas o filão mesmo dessa fase foram as feiras comerciais: acabaram se especializando em estandes para os expositores. "O trabalho era aparentemente menor, mas apareceu como oportunidade", diz. Em paralelo, fazia bicos. "Lembro-me que acompanhava, todas as manhãs, uma obra em Santo André. Ia com meu fusquinha por uma estrada de terra."

A partir de 1965, durante quatro anos, dividiu-se entre o escritório e o serviço público. Por meio de concurso, tornou-se arquiteto do Estado. "Adquiri uma visão urbanística muito boa. Discutíamos a formação da região metropolitana de São Paulo e visitei pequenos municípios paulistas, preocupado com a paisagem urbana", afirma.

Enquanto isso, em seu escritório, a equipe continuava com os estandes. Chegaram a fazer mais de 40 feiras internacionais. "Em 1971, ganhamos um concurso para projetar a sede do Unibanco, na Raposo Tavares", relembra. Foi quando se decidiu separar a sociedade. "Meus colegas queriam continuar com as feiras. Mas eu tinha uma vontade muito grande de trabalhar com construções."

SÃO VITO E CELSO GARCIA
Em 1972, portanto, nascia o atual escritório de Roberto Loeb, que hoje emprega 15 arquitetos em uma casa nos Jardins. No total, ele estima que já tenha feito 120 obras - entre elas, o já citado Centro de Cultura Judaica; o Itaú Cultural, na Avenida Paulista; o Parque Hopi Hari, em Vinhedo; e a fábrica da Natura, em Cajamar. "A gente constrói para as pessoas, para que elas se satisfaçam com o espaço", resume. "Uma fábrica não é só uma fábrica. Dentro dela haverá convívio humano, isso é o que importa."

Doze anos atrás, iniciou um trabalho social no Grajaú. O Projeto Anchieta, construído em um terreno de 270 mil m², atende 800 crianças das redondezas. "Começou com um sonho", conta. "Hoje sou o presidente da entidade."

E são esses sonhos que parecem movê-lo. Há oito anos, quando o tradicional Cine Belas Artes, na Rua da Consolação, se via ameaçado de ser transformado em igreja evangélica, Loeb arregaçou as mangas. "Era um patrimônio cultural da cidade e não podia fechar assim. Partimos para a briga: mandei pintar faixas de protesto e fiz um projeto de reforma do cinema", narra.

Outra causa com a qual se envolveu é a do Edifício São Vito, símbolo da degradação do centro. "Fica nesse derruba-não-derruba, e fiz um projeto de reforma. Em um país com tanta marginalização social, é irresponsabilidade derrubar um patrimônio construído", defende. Pela sua proposta, o prédio ganharia creche na cobertura e escola de formação profissionalizante no térreo. E a fachada, assinada pelo artista plástico Eduardo Sued, se transformaria em uma "escultura urbana".

Convidado a apresentar uma ideia ao Estado, ele revisitou um estudo desenvolvido por seu escritório, que propunha a reformulação da Avenida Celso Garcia, na zona leste. "Reconheci o território, pois precisava saber quem morava ali. Não podemos pensar em uma avenida e se esquecer das pessoas que vivem em seus arredores", comenta. "Não concordo com a medida higienista que retira os ambulantes do Largo da Concórdia. Eu construiria uma plataforma inclinada de forma que, por baixo, houvesse garagens e serviços públicos e, em cima, manteria essa coisa típica do comércio ambulante, tão importante."


Quinta-feira, 29 de outubro de 2009

5 de nov. de 2009

O bicho curioso da arquitetura

ESPECIAL
Música, discos-voadores, cachaça, torresmos e cinema fazem a cabeça do eclético (e badalado) Weinfeld

Mais difícil que definir a arquitetura de Isay Weinfeld é definir o próprio arquiteto Isay Weinfeld. Mas, se um dia você se atrever a fazer isso, por favor, que seja longe dos ouvidos dele. Porque qualquer tentativa de rotulá-lo seria prontamente desqualificada. "Acho que as pessoas realmente não têm muito que fazer para ficar inventando esse tipo de coisa", diz. "É ridículo." Ele já foi chamado de sucessor de Oscar Niemeyer - "meu trabalho não tem absolutamente nada a ver com o dele" -, arquiteto da moda - "já faz mais de 12 anos que me chamam assim; estranha essa moda que não passa..." - e minimalista - "falta de compreensão total do meu trabalho".

Então é melhor deixar que ele próprio se explique. "Eu ainda não me descobri arquiteto. Arquitetura é a forma como me expresso, mas não fico preocupado em ser uma coisa definitivamente", afirma. E, quem não o conhece, deve custar a acreditar que o mesmo homem que repete isso é o badalado autor de projetos como o Hotel Fasano, a loja das Havaianas e uma unidade da Livraria da Vila, todos nos Jardins. "Eu não faço arquitetura do jeito que eu quero. Faço a obra que o cliente quer, só que do meu jeito. É uma diferença sutil, que resume o que acredito", complementa ele, graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Filho de um imigrante polonês que veio para São Paulo após a 2ª Guerra - durante a qual ele ficou escondido por mais de três anos em um porão -, Weinfeld nasceu em 1952. Quando seu pai chegou ao Brasil, começou tudo do zero. "Nem o idioma ele falava", conta. Atuou como vendedor ambulante até conseguir montar uma indústria têxtil.

Ainda na adolescência, Weinfeld demonstrava aptidão para as artes plásticas. "Sempre tinha um trabalho sendo apresentado em exposições", recorda-se. Em seguida, passou a utilizar o cinema para se expressar. Em seu passado como cineasta, escreveu e dirigiu 14 curtas e um longa-metragem (Fogo e Paixão, de 1988, com Fernanda Montenegro no elenco), em parceria com o também arquiteto Marcio Kogan. "Foram trabalhos interessantes porque o arquiteto tem uma visão muito específica sobre a cidade e as relações humanas", acredita.

MÚSICA E DISCOS VOADORES
"Bicho curioso por natureza", como ele mesmo diz, Weinfeld tem vários hobbies. A música talvez seja o principal. Em seu apartamento em Higienópolis, onde mora sozinho - é separado e tem uma filha -, possui uma farta coleção de CDs e um piano. Eclético, admira bandas que vão da inglesa Radiohead - é amigo pessoal do guitarrista, Jonny Greenwood - à cearense Cidadão Instigado - a cujo show foi recentemente -, passando pelo sambista carioca Paulinho da Viola e pela cantora de jazz americana Blossom Dearie (1924- 2009). Há alguns anos, chegou a estudar violino. Nas artes plásticas, admira a suíça Mira Schendel (1919-1988). Tem alguns - mas não diz quantos - quadros dela em sua casa.

Simples torresmos são seu prato favorito. Para beber, uma boa cachaça. "Gosto da Anísio Santiago, mas há outros bons rótulos", explica. Weinfeld acredita em discos voadores e já foi um estudioso de ufologia. "No colégio eu tinha um professor de biologia que era a maior autoridade brasileira no assunto", lembra ele, frisando que já faz mais de dez anos que não lê nada sobre o tema. "Gostava de conversar com ele, nos intervalos das aulas, sobre isso. Eu era fascinado por coisas esquisitas."

Como arquiteto, ele estima ter feito cerca de 80 obras. Tem 35 em andamento - trabalha com uma equipe de 25 profissionais em seu escritório. A maioria em São Paulo. "No exterior, estamos fazendo um hotel em Belgrado, na Sérvia, e uma casa na Ilha de Virgem Gorda, no Caribe", revela. Weinfeld admite que, "infelizmente é comum" negar-se a fazer algum projeto. "Ou porque não tenho interesse na proposta ou porque percebo que não tenho a ver com a pessoa. Me dou ao respeito", justifica-se.

Perfeccionista ao extremo, custou a aceitar desenvolver uma proposta para ser publicada no Estado. Assim que o prazo combinado se encerrou, limitou-se a argumentar que não havia conseguido uma boa ideia. Depois de muita insistência, enviou uma curiosa solução para, segundo ele, "diminuir a quantidade de feiura" de São Paulo. "A proposta é cortar tudo o que estiver acima do quarto andar na cidade."


Quinta-feira, 29 de outubro de 2009

4 de nov. de 2009

Um casamento de meio século

ESPECIAL
A parceria de Botti e Rubin vem dos tempos de faculdade; hoje seu escritório emprega 30 arquitetos

Para ficar em três exemplos: o Centro Empresarial do Aço, no Jabaquara (projetado em 1989), as três torres do Centro Empresarial Nações Unidas, na Marginal do Pinheiros (também de 1989), e o Centro Brasileiro Britânico, em Pinheiros, são uma amostra do trabalho do escritório Botti Rubin na paisagem de São Paulo.

Citado por 8% dos arquitetos que responderam à enquete do Estado, o escritório fundado em 1956 por Alberto Botti, hoje com 78 anos, e Marc Rubin, de 77, nasceu como consequência de um concurso de arquitetura, quando eles ainda estudavam na Universidade Presbiteriana Mackenzie. "Juntamos as forças para projetar um hospital. Aquela coisa de estudante: trabalho que hoje faríamos em um mês, levamos seis", lembra Botti, contando que um outro colega de curso participou desse projeto mas acabou saindo do grupo quando o escritório passou a existir de fato. "Não ganhamos o concurso, mas isso não vem ao caso. O importante é que, depois, montamos um "escritorinho" e continuamos trabalhando."

"Escritorinho" que hoje emprega 30 arquitetos, em um prédio projetado pela própria dupla na Rua Hungria, e contabiliza cerca de mil obras realizadas. Mas nem sempre foi assim. "No início, tínhamos uma salinha naquele edifício do Oscar Niemeyer na Rua Barão de Itapetininga", afirma Botti, referindo-se ao Califórnia, concebido por Niemeyer em 1951. "Trabalhávamos dia e noite."

Lá, a sala da Botti Rubin era vizinha à sede de uma construtora. "Quando começamos a crescer e eles também, eu disse ao proprietário: ou nós ou vocês precisamos sair daqui, para o outro usar as duas salas", recorda-se. "Ele acabou saindo e nós dobramos a nossa área."

Nos anos 60, o escritório se desdobrou em outras empresas. "Tínhamos construtora, administradora e incorporadora", enumera. Foi assim por 12 anos, quando a sede era na Rua Brigadeiro Luís Antonio. "Era uma máquina de ganhar dinheiro, mas não tínhamos tempo para fazer arquitetura", conta. No início da década de 70, duas tragédias fizeram os sócios repensar o futuro: durante viagem pela Itália, a primeira mulher de Botti morreu em acidente de carro; pouco tempo depois, Rubin sofreu um enfarte. "Vendemos tudo e ficamos só com o escritório de arquitetura", resume Botti.

BARCOS, ESQUI, GOLFE...
Botti e Rubin eram amigos de faculdade antes de firmarem o bem-sucedido "casamento" de sua sociedade. O primeiro, filho de um banqueiro, nasceu em Santos e passou a viver em São Paulo ainda criança. Rubin, que carrega até hoje o forte sotaque francês, nasceu em Paris e mudou-se com a família para o Brasil durante a 2ª Guerra. "Meu pai era engenheiro de telecomunicações e veio trabalhar aqui", relembra, citando a empresa multinacional que ele dirigia. "Encantei-me com a arquitetura brasileira e resolvi estudar isso para também criar espaços."

E qual a receita de tantos anos de parceria? "Temos temperamentos complementares, por isso é que dá certo", acredita Botti. "Resumindo: ele gosta de barco a vela e eu de barco a motor." Os veleiros, aliás, foram um grande passatempo de Rubin - "já fui até campeão de competição, em 1983, mesmo sem nunca ter sido um grande velejador" -, assim como o esqui na neve. Ultimamente, dedica-se ao golfe nas horas vagas. Mora na Chácara Flora, com a mulher, com quem é casado há 43 anos.

Com o privilégio de quem vive - em uma casa projetada por ele - a menos de 1 km do escritório, Botti conta que até uns dez anos atrás costumava ir de bicicleta ao escritório. "Agora venho de carro, por comodidade." Seu maior hobby continuam sendo os barcos - o seu fica em Santos. "Barcos de velocidade. Gosto de mulheres lentas e barcos rápidos", explica ele, que após a viuvez, casou-se pela segunda vez.

Botti, que de 1973 a 1975 presidiu a Empresa Municipal de Urbanização do Município de São Paulo (Emurb), é um crítico da forma como vem sendo feita a revitalização da região da Luz. Por isso, quando foi convidado a apresentar uma ideia para o Estado, tratou de recuperar uma proposta desenvolvida em 2004 por seu escritório. "A região é hoje ocupada por edifícios baixos e sem maior valor arquitetônico", diz. "O ideal seria uma reconstituição das quadras, formando espaços maiores, e um sistema viário mais generoso, com amplos calçadões onde a vida acontece. Com edifícios de dimensões amplas, de usos mistos: habitação, serviços e comércio, de forma equilibrada."

De acordo com ele, isso supriria as deficiências de funções do centro velho paulistano e alavancaria a recuperação da região. "O problema maior (das obras que vêm sendo feitas) é que se pegou uma areazinha pequena. O resto continua como era. A renovação urbana não pode ser feita em área muito pequena. Está se perdendo uma oportunidade", critica. "Por que não estender a renovação até a Marginal do Tietê?"


Quinta-feira, 29 de outubro de 2009

3 de nov. de 2009

Os senhores dos grandes prédios

ESPECIAL
Das pranchetas de Aflalo & Gasperini, já saíram 1.222 obras, a maioria em SP, um total de 5,7 milhões de m²

Tudo é superlativo no escritório Aflalo & Gasperini, apontado por 52% dos arquitetos que participaram da enquete do Estado como o melhor da cidade. Em quase 50 anos de história, a empresa projetou e acompanhou a construção, na maioria em São Paulo, de 1.222 prédios. "Esses milhões de metros quadrados (um total de 5,7 milhões) são o que produzimos. E o nosso maior esforço sempre foi fazê-los com qualidade", resume, com um sotaque italiano que denuncia suas origens, o arquiteto Gian Carlo Gasperini, de 83 anos. "Nossos prédios têm uma lógica própria, com ênfase na parte estrutural e uma composição arquitetônica clara, limpa, sem extravagância, sem modismos. Essa é a nossa plataforma. E isso fez com que o escritório se destacasse entre os demais, tornando-se um dos maiores em atividade hoje em dia."

Não faltam exemplos a comprovar o que ele diz. De suas pranchetas saíram, para ficar só nos paulistanos, os Colégios Visconde de Porto Seguro (projetado em 1963) e Santa Maria (em 1964); o Iguatemi, primeiro shopping center paulistano (em 1964); a sede do Tribunal de Contas do Município (em 1971); o complexo World Trade Center (em 1992); e a casa de shows Credicard Hall (em 1997), entre tantas outras construções comerciais e residenciais.

O escritório, onde hoje atuam mais de 50 arquitetos, nasceu em 1962, quando Plinio Croce (1921-1984) e Roberto Aflalo (1926-1992) - ambos formados pela Universidade Presbiteriana Mackenzie - se juntaram a Gian Carlo Gasperini - graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e recém-chegado a São Paulo - para participar de um concurso organizado pela União Internacional de Arquitetos. O certame escolheria um projeto para a construção de um arranha-céu em Buenos Aires, na Argentina, com uma área de 140 mil m² - a obra, entretanto, acabou não executada. O prédio de concreto armado projetado pelo trio desbancou os demais 226 concorrentes. "Foi um concurso badaladíssimo, do qual participaram arquitetos do mundo inteiro", lembra Gasperini. "Ficamos espantados quando soubemos que ganhamos o primeiro prêmio. Daí, então, montamos nosso escritório. E passamos a ser solicitados por clientes. Evidentemente que o fato de ter vencido um concurso internacional dava uma certa fama, assegurava que o nosso trabalho era bom mesmo."

Nascido em Castellammare di Stabia, na Itália, Gasperini mudou-se para o Brasil logo após a 2ª Guerra. "Meu pai era médico sanitarista do governo italiano. Tornou-se prisioneiro de guerra. Foram tempos difíceis", recorda-se, com indisfarçável emoção. "Depois, recebia uma pensão miserável. Então viemos para o Brasil."

Paralelamente às atividades em seu escritório, o arquiteto dedica-se à vida acadêmica. É livre-docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), onde começou a lecionar em 1974. No dia a dia, demonstra-se bastante ligado à família. "Almoço em casa todos os dias", conta ele que, viúvo desde 1993, é casado pela segunda vez e mora em um apartamento - "cujo prédio foi projetado por nosso escritório", orgulha-se - no Itaim-Bibi.

SEGUNDA GERAÇÃO
Com a morte de Croce e Aflalo, passaram a fazer parte da sociedade os arquitetos Roberto Aflalo Filho, hoje com 56 anos, e Luiz Felipe Aflalo Herman, de 53 - respectivamente, filho e sobrinho do Aflalo fundador. Ambos começaram ali como estagiários, ainda durante os tempos de graduação. É com carinho que Luiz Felipe se recorda do tio Aflalo. "Ele me influenciou muito, por isso me tornei arquiteto", conta. "Quando eu era moleque, sempre ganhava dele álbuns de papel chanson e giz de cera. Depois, foi quem abriu as portas do escritório para que, logo no começo da faculdade, eu viesse trabalhar aqui."

Roberto admite que o fato de ser "filho do dono" causava certo desconforto no início da carreira. "É mérito próprio ou estou aqui porque peguei o barco andando? Olha, até hoje eu tenho essa insegurança", confessa. "Mas meu pai, quando percebia que eu estava traçando um caminho, se retirava de forma a dar espaço para meu crescimento. E ao longo do meu tempo de escritório eu sempre trabalhei mais com o Gasperini do que com meu pai, até para criar um distanciamento, ter um nível de relação menos familiar." Hoje Roberto procura relembrar essas experiências ao encarar o outro lado da história. Seus dois filhos também estão no escritório, um como arquiteto, outro na parte administrativa.

Nos últimos anos, Roberto ajudou a fundar duas associações de bairro - uma fica na região da Vila Olímpia, na qual atua em nome do escritório; outra, próxima ao Ibirapuera, que defende a vizinhança onde mora. "Preocupamo-nos com arborização, calçadas, iluminação, trânsito, lixo, questões de segurança", enumera. "Arquitetos são antenas de certas questões urbanas. E é importante exercer essa função."

Isso, acredita ele, foi importante nos debates que precederam a criação da Lei Cidade Limpa - que proíbe publicidade exterior na cidade de São Paulo e disciplina os letreiros em fachadas do comércio. "Foi um projeto radical e perfeito", define. "Resgatou a autoestima do paulistano ao valorizar a arquitetura e o ambiente urbano." Uma evolução seria a implementação de sua ideia para deixar São Paulo mais bonita: fios subterrâneos em toda a cidade. "Deixaria os prédios sem nenhuma interferência, com uma harmonia indescritível", defende. "Hoje você tem os postes, transformadores pendurados, gambiarras de fios... A arquitetura dos prédios fica como um rádio com interferência."


Quinta-feira, 29 de outubro de 2009

2 de nov. de 2009

Lembranças de um GP Brasil

ESPORTE

Às 11h de hoje (horário de Brasília) será dada a largada do GP de Abu Dabi, que encerra o campeonato 2009 de Fórmula 1. A corrida promete ser bem sem-graça. Primeiro, porque o circuito (novíssimo) é daqueles chatos, em que as chances de ultrapassagem praticamente não existem; segundo porque o campeão do ano já está definido desde a corrida passada, no Brasil: o inglês Jenson Button.

Três semanas atrás, o Estado publicou um perfil de Carlos Montagner, de 61 anos, diretor de prova do GP Brasil. Na semana que antecedeu a publicação, foram horas de conversa dele com este repórter. Ao fim da entrevista, falávamos sobre o "torcedor" que habita cada "diretor de prova". Ele concordou:

"No mundo todo não existe um diretor que não torça para alguém. Da boca para fora eu não posso torcer, é claro. Mas tenho minhas preferências. Gostaria que o Rubinho (Barrichello) ganhasse, que o Felipe Massa estivesse correndo e ganhasse. No ano passado, por exemplo, fiquei muito chateado porque dei a bandeirada para o Felipe como 'campeão do mundo' e, segundos depois, para o (Lewis) Hamilton como campeão. Fiquei muito emocionado. Dois campeões na mesma corrida? Nunca tinha visto isso. Realmente aconteceu uma coisa diferente. Vi todos comemorando e, logo depois, 'descomemorando'."


Domingo, 1º de novembro de 2009

1 de nov. de 2009

Dia das Bruxas vai assombrar a Casa das Rosas

HALLOWEEN
Mansão terá programação especial

Pelo segundo ano consecutivo, Dia das Bruxas vai rimar com literatura na Casa das Rosas. A partir das 19 horas de hoje, o espaço será a sede do evento Mansão Macabra, com recitais, apresentações teatrais, música gótica, performances de terror e filmes durante a madrugada. Amanhã à tarde haverá versão matinê para crianças. "No ano passado, recebemos cerca de 500 pessoas", lembra o poeta e crítico literário Frederico Barbosa, diretor da Casa. "Esperamos mais agora."

O homenageado será o poeta e escritor americano Edgar Allan Poe (1809-1849) - dono de obra que tem a morte como tema recorrente -, cujo bicentenário de nascimento é neste ano. "Sem dúvida, um dos maiores escritores que o mundo já conheceu", diz Barbosa. Uma instalação multimídia chamada Edgar Alone Poet lembrará sua trajetória.

Com a participação dos poetas Luiz Roberto Guedes e Carla Caruso, um sarau está marcado para começar às 20h. O público também poderá recitar seus próprios textos. Além dos poemas, está previsto um show com o Blu Jazz Trio. Duas horas mais tarde, a Nossa Companhia Imaginária encena o conto O Gato Preto, de Poe.

À meia-noite, a Casa das Rosas se transforma em mansão mal-assombrada. Um misterioso anfitrião vai receber os grupos de visitantes, de 30 em 30 pessoas, para revelar os cômodos da casa.

Das 2h30 às 4h, haverá novo recital, sob o rótulo de "poemas malditos". Poetas interpretarão textos de Poe, Charles Baudelaire (1821-1867), Lord Byron (1788-1824), Álvares de Azevedo (1831-1852) e Augusto dos Anjos (1884- 1914), além de criações próprias. A noitada se encerra às 4h, com show tributo da banda paulistana Interlude aos ingleses do The Cure.

O Café Panaroma, que funciona na Casa das Rosas, ficará aberto, com cardápio especial: massas negras, molhos vermelhos e drinques "de sangue". Enquanto isso, filmes - está prevista a exibição de Nosferatu, O Homem Que Ri e O Gabinete do Dr. Caligari -, teatro (O Engenho Mal-Assombrado e Nosferatu), contação de histórias e dança serão apresentados no jardim.

CRIANÇAS
Amanhã será a vez das crianças e do folclore. A partir das 14h, a Casa das Rosas terá o Ré Lou Im, com brincadeiras educativas e contação de histórias de sacis, curupiras e mulas sem cabeça. Está programada para as 16h a exibição do filme A Noiva Cadáver e, para as 18h, um show com o grupo Musicantes.

Entusiasmado com o evento, Barbosa já tem a resposta pronta para os que criticam a incorporação de uma data festiva estrangeira ao calendário da Casa das Rosas. "Nossa atitude é antropofágica. Não somos covardes para ter medo do que vem de fora."

Mansão Macabra, O Halloween da Casa das Rosas ocorre na Avenida Paulista, 37; telefone 3285-6986. Hoje, a partir das 19 horas, e amanhã, a partir das 14. Grátis


Sábado, 31 de outubro de 2009

31 de out. de 2009

Jornalista Herval Faria, 74 anos

FALECIMENTO

A imprensa perdeu no sábado, aos 74 anos, o jornalista carioca Herval Faria, que na década 70 foi repórter do Estado na sucursal do Rio. Vítima de acidente vascular cerebral, após ter se submetido a uma cirurgia, Faria morreu no Hospital Adventista Silvestre, em Santa Tereza, no Rio, onde estava internado havia quatro dias. Deixou viúva, três filhos, noras, netos e um bisneto. Foi sepultado no Cemitério São João Batista, em Botafogo. Além da passagem pelo Estado, Faria atuou nas redações do Jornal do Brasil, da Tribuna da Imprensa e da Rádio Tupi, além de ter produzido reportagens para a Bloch Editores. Também coube a ele chefiar a Assessoria de Imprensa do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em 1988, iniciou suas atividades de empresário, fundando a Vídeo Clipping Produções. Em seguida, criou a editora e o jornal Correio da Serra, além do portal informativo Agência Rio de Notícias e dos boletins eletrônicos Atividades Nucleares e Setorial News Energia. Trabalhou ainda como livreiro.


Quinta-feira, 29 de outubro de 2009

30 de out. de 2009

Por dentro da cabeça dos arquitetos paulistanos

ESPECIAL
Enquete do 'Estado' mergulha no cotidiano de quem pensa os espaços de São Paulo

De acordo com o Dicionário Houaiss, o substantivo feminino arquitetura significa "arte e técnica de organizar espaços e criar ambientes para abrigar os diversos tipos de atividades humanas, visando também à determinada intenção plástica". Não à toa, a arquitetura está presente no cotidiano de todo mundo. Do quarto onde dormimos à baia de escritório onde trabalhamos, sempre há uma (tentativa de) organização espacial. Com maior ou menor técnica. Com maior ou menor conforto. Com maior ou menor estética. Com maior ou menor arte.

E, assim como em todas as profissões, existem arquitetos e arquitetos. Uns acreditam que sua obra deve aparecer mais que o que ela abriga, outros exaltam a discrição; há os que se escondem atrás do próprio ego e os que preferem esconder o próprio ego; há os meios-termos; há tantos, tão vários que, paulistanos de tantas origens diferentes, têm sua parcela de mérito e culpa pelo caos urbano que é a maior metrópole brasileira, esta cidade de São Paulo que também são tantas infinitudes, imperfeições e belezas.

Em junho, o Estado decidiu promover uma enquete para entender como pensam os arquitetos paulistanos e, de quebra, pedir para que os próprios elegessem os melhores entre seus pares - missão difícil, já que era proibido que o eleitor votasse em si mesmo.

Para viabilizar a tarefa, o Estado contou com a ajuda da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (AsBEA), que retransmitiu aos seus 144 associados paulistanos - responsáveis, segundo levantamento da entidade, por cerca de 70% das obras executadas em São Paulo - um questionário formulado pela reportagem.

Eram oito simples perguntas: data de fundação e número de arquitetos que trabalham no escritório; qual o projeto urbanístico que ele gostaria de ter sido o autor; qual jamais deveria ter sido feito; que local da cidade escolheria para melhorar; qual o maior símbolo da arquitetura paulistana; qual o melhor escritório de São Paulo; nome do escritório autor das respostas; nome do arquiteto responsável pelas respostas.

No total, o Estado recebeu de volta 64 e-mails. Após a apuração de tal amostragem, pôde-se entender um pouco a opinião dos arquitetos paulistanos sobre tais temas gerais.

Partiu-se então para a segunda etapa da reportagem. Os cinco escritórios de arquitetura mais admirados, segundo a enquete, foram procurados na penúltima semana de agosto, e informados do resultado do levantamento. Todos receberam o convite para participar das reportagens a seguir e foram incumbidos de uma mesma missão: apresentar uma ideia arquitetônica ou urbanística de presente para São Paulo. Tiveram seis semanas para desenvolver a proposta.

8.ª BIA
Com esta publicação especial, o Estado divulga os expoentes da arquitetura paulistana a dois dias da abertura da 8ª edição da Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo (www.bienalinternacionaldearquitetura.com), que vai até o dia 6 de dezembro no Pavilhão Ciccillo Matarazzo da Fundação Bienal, no Parque do Ibirapuera (R$ 12). A organização do evento espera receber 200 mil visitantes.

Embalada pelo fato de o Brasil ser a sede da Copa de 2014, a BIA deste ano pretende discutir como áreas degradadas em centros urbanos podem ser renovados graças a megaeventos.


Quinta-feira, 29 de outubro de 2009

29 de out. de 2009

''Viciado'' em boas ideias, Cocenza virou o agitador do design em SP

PERFIL
Idealizador de evento que acontece na capital paulista entre hoje e amanhã, ele descobriu a vocação há 4 anos

Ele veste terno com tênis, tem um jeitão descolado, usa gírias e mais gírias. Irrequieto e tagarela, mostra empolgação com tudo o que faz. Não se cansa de declarar seu amor a São Paulo - ele, que nasceu em São José do Rio Preto, no interior do Estado, em 1965. Este é Roberto Cocenza, o agitador do design paulistano, idealizador do Boom SP Design - Fórum de Arquitetura, Design e Arte, cuja segunda edição acontece hoje e amanhã.

Interessante é que, apesar de estar à frente de um grande evento do setor, Cocenza não é designer - formou-se em Hotelaria - e só descobriu sua paixão pelo meio em 2005. "Foi quando organizei o Congresso Nacional de Design de Interiores (Conad). Conheci o (designer egípcio) Karim Rashid e percebi que era disso que eu gostava", lembra. "Aí, pensei: se eu não começar a fazer o que eu quero agora, não faço nunca mais."

Mesmo com o estalo vindo depois dos 40 anos, Cocenza recorda-se de passagens de sua infância que denunciam a afeição ao design. "Aos 10 anos, na escola, todo mundo olhava para meus tênis", conta, frisando que eram laranja e azul. "Também colecionava de tudo: tampinhas, pedras, óculos, relógio... E, quando fiz teste vocacional, deu Arquitetura."

E por que contrariou tudo isso e decidiu cursar Hotelaria? "Sempre gostei de investir em tendências. Naquela época, fui pesquisar e vi que o pensar em turismo estava bombando no Brasil", explica. "Mudei para São Paulo para estudar e, depois de formado, acabei trabalhando por três anos na área, até mudar de ramo." Foi quando, no fim dos anos 80, começou a organizar eventos. Fez festivais de música, trouxe circos, óperas e apresentações de balé.

Em 1991, resolveu montar uma empresa focada em eventos corporativos. "Desenvolvo projetos superexclusivos, eventos de relacionamentos, eventos para quem não quer sair na mídia", diz. "Pensamos na estratégia de cada cliente. Há eventos para apenas dez pessoas, outros para mil. Depende do que o cara quer." Era esse seu ganha-pão até a guinada ocorrida há quatro anos, quando organizou o Conad e resolveu dedicar-se também ao mundo do design.

O BOOM
Cocenza cntinua com a empresa de eventos corporativos, mas começou a oorganizar exposições de arte - trouxe, por exemplo, o mesmo Karim Rashid para uma mostra no Instituto Tomie Ohtake, em Pinheiros - e, no ano passado, inventou o Boom SP Design. Os 23 palestrantes - entre os quais o belga Arne Quinze, o grego Andreas Angelidakis e os americanos Todd Bracher e Brent White - atraíram cerca de 200 pessoas ao Shopping Iguatemi, onde ocorreu o evento.

Neste ano, serão 22 palestrantes. Há brasileiros, como os arquitetos Roberto Loeb, Ruy Ohtake e Marcio Kogan; e estrangeiros, como o sul-africano Gaby de Abreu, cujo escritório concebeu toda a identidade visual da Copa do Mundo de futebol, que será em seu país, no ano que vem.

"Acredito na força do design como agregador de valor, esse é o meu discurso. Ou você utiliza o design como ferramenta, embarca em um conteúdo bacana, ou vira grão de milho", comenta Cocenza. "Um exemplo: esta cadeira em que estou sentado vale 20 mil (a mesma da foto no alto). Porque foi desenhada pelo Karim (Rashid)."

Não à toa, acabou levando essa filosofia para outros campos de sua vida profissional. Acionista de uma empresa de iluminação, faz parcerias com designers internacionais que assinam suas luminárias - em troca de royalties. "Vou atrás de boas ideias em todas as feiras internacionais, dos Estados Unidos a Dubai", relata.

Para o ano que vem, além da terceira edição do Boom SP Design, Cocenza promete uma exposição em São Paulo com o americano Todd Bracher. "Essa é a pegada. Quero trazer o novo para a cena cultural paulistana", planeja.

Boom SP Design - Fórum de Arquitetura, Design e Arte: hoje e amanhã, na Unidade Design do Centro Universitário Belas Artes (Rua José Antônio Coelho, 879). Informações
pelo (11) 2925-3140


Sexta-feira, 23 de Outubro de 2009

28 de out. de 2009

Jd. Alzira. Mas pode chamar de Fórmula 1

GP BRASIL
Pilotos, equipes e pistas dão nomes às ruas de bairro em Santo André

Para secar as roupas, um varal improvisado na rua. Rua Ferrari. Para brincar de bola, quatro tijolos, dois de cada lado, fazem as vezes de traves no campinho que é o meio da rua. Rua Benetton. Para compensar a falta da plaquetinha azul que sumiu, um rabisco no muro informa o nome da rua. Rua Minardi. Para chegar até essas vias, só um jeito: pela avenida principal. Avenida Ayrton Senna da Silva.

Com pouco movimento de carros, casas simples - na maioria só com reboco e cheias de puxadinhos - e um dia a dia calmo, esse miolinho do Jardim Alzira Franco, no município de Santo André, no ABC paulista, em nada se assemelha ao glamour e à ostentação que cercam o mundo da Fórmula 1. Mas suas 18 pequenas ruas, nas quais vivem cerca de 180 famílias, homenageiam pilotos, equipes e circuitos da categoria máxima do automobilismo mundial. Eis o Conjunto Habitacional Ayrton Senna.

"Copersucar? É por causa do Ayrton Senna", tentava explicar ao repórter a estudante Tábata Rocha, de 15 anos, recepcionista da escola de informática de sua família, na Rua Copersucar. "Acho que era o nome do campeonato que ele disputou. Ou da pista." Confusão. Acabou salva pelo seu pai, Tarcísio da Rocha, de 41 anos: "Foi a equipe do (Emerson) Fittipaldi." A poucos metros dali, na mesma rua, Eliana Júlia Vieira, de 35, dona de uma loja de roupas , também não fazia a menor ideia do motivo que levou alguém a batizar todas aqueles lugares "com nomes estranhos". "Não sei mesmo explicar", repetia, informando que sua casa fica "ali pertinho", na Rua Sauber.

LEI POPULAR
Não foi preciso andar muito até chegar a uma casa bem-acabada na Rua Jordan e conhecer o ferramenteiro Adílson Gardioli, de 43 anos. Antigo morador do bairro - está lá há cerca de 15 anos - não se cansa de espalhar a história, vivida por ele e outros pioneiros da região, que resultou na decisão de dar aos logradouros dali nomes não de autoridades, como é de praxe, mas de ícones do automobilismo. "Na época em que o Senna morreu, colocaram o nome dele na avenida. E alguém pintou seu rosto, bem grande, em um muro lá no alto", conta, apontando para a parte mais alta do bairro. "Ficou uma perfeição." Ele lembra que, na época, as ruas não tinham nome - "esta aqui era a Rua B". Então ocorreram reuniões para decidir como elas poderiam ser chamadas.

A situação só foi regularizada em 13 de outubro de 2003, por meio de uma lei municipal. De acordo com nota da prefeitura de Santo André, "os líderes comunitários realizaram uma consulta junto à comunidade, sugerindo nomes ligados à Fórmula 1 ao local, que já apresentava o nome de um piloto (Ayrton Senna)". As sugestões foram avaliadas por uma comissão da prefeitura e, então, submetidas à Câmara Municipal.

Morar em um bairro que tem Fórmula 1 por todos os lados deixa o fiscal de ônibus Sérgio de Souza, de 66 anos, feliz da vida. "Eu assisto a todas as corridas. Até aquelas de madrugada", afirma ele, cuja casa fica na Rua Benetton. Alegria, entretanto, que não é compartilhada pela maioria dos moradores dali. "Por que minha rua se chama Minardi?", espanta-se o auxiliar de almoxarifado Everton Oliveira Silva, de 38 anos. "Deve ser alguma homenagem a alguém, mas não sei." Foi o tipo de resposta mais ouvida pelo Estado.

HOMENAGEADOS
Pilotos: a avenida principal do bairro chama-se Ayrton Senna da Silva, em referência ao piloto brasileiro tricampeão mundial de Fórmula 1, morto em acidente ocorrido em 1.º maio de 1994, no GP de San Marino. Há também a Rua Senninha (personagem de histórias em quadrinhos que homenageia Senna) e Rua Prost (o piloto francês Alain Prost, tetracampeão mundial, principal rival de Senna). Há controvérsias sobre a Rua Suzuki: alguns acreditam que ela alude ao piloto japonês Aguri Suzuki, de inexpressiva carreira (sua melhor colocação foi um 3.º lugar); outros entendem que seria uma atrapalhada referência a Suzuka, circuito onde ocorre o GP do Japão

Equipes: com exceção da Rua Ferrari, todas as outras homenageiam equipes que não existem mais ou foram compradas, como Toleman (em cujo carro Senna estreou na F1, em 1984), Jordan (na qual Barrichello iniciou sua carreira, em 1993), Benetton (nela, o heptacampeão Michael Schumacher sagrou-se bicampeão mundial, em 1994 e 1995), Minardi, Copersucar (única equipe brasileira que já existiu na F1, fundada pelos irmãos Emerson e Wilson Fittipaldi) e Sauber (que, em 2002, lançou Felipe Massa na F1 e, hoje, com novo dono, se chama BMW Sauber F1 Team)

Autódromos: as referências vão dos brasileiros Interlagos (de São Paulo, que sedia a F1 no País), Jacarepaguá (do Rio de Janeiro) e Tarumã (de Viamão, no Rio Grande do Sul) aos estrangeiros Ímola (Itália), Monza (também da Itália) e Estoril (Portugal). Existe ainda a Rua Tamburello, alusiva à famosa curva do Autódromo de Ímola, onde Senna sofreu o acidente que
resultaria em sua morte


Domingo, 18 de outubro de 2009