6 de nov. de 2009

Causas que vão além da prancheta

ESPECIAL
Do Cine Belas Artes a um projeto que atende crianças carentes, o trabalho de Loeb ultrapassa seus traços

Dois flashes se destacam nas memórias afetivas do arquiteto Roberto Loeb, de 68 anos - apontado por 5% dos ouvidos pelo Estado como dono do melhor escritório de São Paulo. No primeiro, ele é criança e brinca nos arredores da casa da família. "A região do Pacaembu era um fascínio, porque tinha muitos terrenos vazios, muito mato e muita construção em andamento", recorda-se. "Roubava material das obras e fazia minhas cabanas, brincava com blocos, essas coisas." Na segunda cena, bem mais recente, Loeb já é um consagrado arquiteto e participa da inauguração do Centro da Cultura Judaica, em 2003, no Sumaré. "Foi um privilégio poder fazê-lo, porque pude homenagear meus avós (maternos), de origem judaica. Por isso nem quis cobrar pelo projeto."

E é assim, com voz calma, que Loeb desfia suas reminiscências ao reconstituir sua trajetória de vida. O menino que gostava de desenhar e admirava as criações do pai - um imigrante húngaro formado em Belas Artes que se tornou joalheiro - estudou Arquitetura na Universidade Presbiteriana Mackenzie e, logo no primeiro estágio, foi trabalhar com o renomado Rino Levi (1901-1965). "Por circunstâncias de sorte", admite. "Minha mãe era prima da secretária dele, que me indicou."

Ainda estagiou em outros escritórios antes de ter o seu próprio, em sociedade com dois colegas, no início dos anos 60. Como primeiro trabalho, encararam a reforma de uma fábrica no Ipiranga. Mas o filão mesmo dessa fase foram as feiras comerciais: acabaram se especializando em estandes para os expositores. "O trabalho era aparentemente menor, mas apareceu como oportunidade", diz. Em paralelo, fazia bicos. "Lembro-me que acompanhava, todas as manhãs, uma obra em Santo André. Ia com meu fusquinha por uma estrada de terra."

A partir de 1965, durante quatro anos, dividiu-se entre o escritório e o serviço público. Por meio de concurso, tornou-se arquiteto do Estado. "Adquiri uma visão urbanística muito boa. Discutíamos a formação da região metropolitana de São Paulo e visitei pequenos municípios paulistas, preocupado com a paisagem urbana", afirma.

Enquanto isso, em seu escritório, a equipe continuava com os estandes. Chegaram a fazer mais de 40 feiras internacionais. "Em 1971, ganhamos um concurso para projetar a sede do Unibanco, na Raposo Tavares", relembra. Foi quando se decidiu separar a sociedade. "Meus colegas queriam continuar com as feiras. Mas eu tinha uma vontade muito grande de trabalhar com construções."

SÃO VITO E CELSO GARCIA
Em 1972, portanto, nascia o atual escritório de Roberto Loeb, que hoje emprega 15 arquitetos em uma casa nos Jardins. No total, ele estima que já tenha feito 120 obras - entre elas, o já citado Centro de Cultura Judaica; o Itaú Cultural, na Avenida Paulista; o Parque Hopi Hari, em Vinhedo; e a fábrica da Natura, em Cajamar. "A gente constrói para as pessoas, para que elas se satisfaçam com o espaço", resume. "Uma fábrica não é só uma fábrica. Dentro dela haverá convívio humano, isso é o que importa."

Doze anos atrás, iniciou um trabalho social no Grajaú. O Projeto Anchieta, construído em um terreno de 270 mil m², atende 800 crianças das redondezas. "Começou com um sonho", conta. "Hoje sou o presidente da entidade."

E são esses sonhos que parecem movê-lo. Há oito anos, quando o tradicional Cine Belas Artes, na Rua da Consolação, se via ameaçado de ser transformado em igreja evangélica, Loeb arregaçou as mangas. "Era um patrimônio cultural da cidade e não podia fechar assim. Partimos para a briga: mandei pintar faixas de protesto e fiz um projeto de reforma do cinema", narra.

Outra causa com a qual se envolveu é a do Edifício São Vito, símbolo da degradação do centro. "Fica nesse derruba-não-derruba, e fiz um projeto de reforma. Em um país com tanta marginalização social, é irresponsabilidade derrubar um patrimônio construído", defende. Pela sua proposta, o prédio ganharia creche na cobertura e escola de formação profissionalizante no térreo. E a fachada, assinada pelo artista plástico Eduardo Sued, se transformaria em uma "escultura urbana".

Convidado a apresentar uma ideia ao Estado, ele revisitou um estudo desenvolvido por seu escritório, que propunha a reformulação da Avenida Celso Garcia, na zona leste. "Reconheci o território, pois precisava saber quem morava ali. Não podemos pensar em uma avenida e se esquecer das pessoas que vivem em seus arredores", comenta. "Não concordo com a medida higienista que retira os ambulantes do Largo da Concórdia. Eu construiria uma plataforma inclinada de forma que, por baixo, houvesse garagens e serviços públicos e, em cima, manteria essa coisa típica do comércio ambulante, tão importante."


Quinta-feira, 29 de outubro de 2009

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