3 de nov. de 2009

Os senhores dos grandes prédios

ESPECIAL
Das pranchetas de Aflalo & Gasperini, já saíram 1.222 obras, a maioria em SP, um total de 5,7 milhões de m²

Tudo é superlativo no escritório Aflalo & Gasperini, apontado por 52% dos arquitetos que participaram da enquete do Estado como o melhor da cidade. Em quase 50 anos de história, a empresa projetou e acompanhou a construção, na maioria em São Paulo, de 1.222 prédios. "Esses milhões de metros quadrados (um total de 5,7 milhões) são o que produzimos. E o nosso maior esforço sempre foi fazê-los com qualidade", resume, com um sotaque italiano que denuncia suas origens, o arquiteto Gian Carlo Gasperini, de 83 anos. "Nossos prédios têm uma lógica própria, com ênfase na parte estrutural e uma composição arquitetônica clara, limpa, sem extravagância, sem modismos. Essa é a nossa plataforma. E isso fez com que o escritório se destacasse entre os demais, tornando-se um dos maiores em atividade hoje em dia."

Não faltam exemplos a comprovar o que ele diz. De suas pranchetas saíram, para ficar só nos paulistanos, os Colégios Visconde de Porto Seguro (projetado em 1963) e Santa Maria (em 1964); o Iguatemi, primeiro shopping center paulistano (em 1964); a sede do Tribunal de Contas do Município (em 1971); o complexo World Trade Center (em 1992); e a casa de shows Credicard Hall (em 1997), entre tantas outras construções comerciais e residenciais.

O escritório, onde hoje atuam mais de 50 arquitetos, nasceu em 1962, quando Plinio Croce (1921-1984) e Roberto Aflalo (1926-1992) - ambos formados pela Universidade Presbiteriana Mackenzie - se juntaram a Gian Carlo Gasperini - graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e recém-chegado a São Paulo - para participar de um concurso organizado pela União Internacional de Arquitetos. O certame escolheria um projeto para a construção de um arranha-céu em Buenos Aires, na Argentina, com uma área de 140 mil m² - a obra, entretanto, acabou não executada. O prédio de concreto armado projetado pelo trio desbancou os demais 226 concorrentes. "Foi um concurso badaladíssimo, do qual participaram arquitetos do mundo inteiro", lembra Gasperini. "Ficamos espantados quando soubemos que ganhamos o primeiro prêmio. Daí, então, montamos nosso escritório. E passamos a ser solicitados por clientes. Evidentemente que o fato de ter vencido um concurso internacional dava uma certa fama, assegurava que o nosso trabalho era bom mesmo."

Nascido em Castellammare di Stabia, na Itália, Gasperini mudou-se para o Brasil logo após a 2ª Guerra. "Meu pai era médico sanitarista do governo italiano. Tornou-se prisioneiro de guerra. Foram tempos difíceis", recorda-se, com indisfarçável emoção. "Depois, recebia uma pensão miserável. Então viemos para o Brasil."

Paralelamente às atividades em seu escritório, o arquiteto dedica-se à vida acadêmica. É livre-docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), onde começou a lecionar em 1974. No dia a dia, demonstra-se bastante ligado à família. "Almoço em casa todos os dias", conta ele que, viúvo desde 1993, é casado pela segunda vez e mora em um apartamento - "cujo prédio foi projetado por nosso escritório", orgulha-se - no Itaim-Bibi.

SEGUNDA GERAÇÃO
Com a morte de Croce e Aflalo, passaram a fazer parte da sociedade os arquitetos Roberto Aflalo Filho, hoje com 56 anos, e Luiz Felipe Aflalo Herman, de 53 - respectivamente, filho e sobrinho do Aflalo fundador. Ambos começaram ali como estagiários, ainda durante os tempos de graduação. É com carinho que Luiz Felipe se recorda do tio Aflalo. "Ele me influenciou muito, por isso me tornei arquiteto", conta. "Quando eu era moleque, sempre ganhava dele álbuns de papel chanson e giz de cera. Depois, foi quem abriu as portas do escritório para que, logo no começo da faculdade, eu viesse trabalhar aqui."

Roberto admite que o fato de ser "filho do dono" causava certo desconforto no início da carreira. "É mérito próprio ou estou aqui porque peguei o barco andando? Olha, até hoje eu tenho essa insegurança", confessa. "Mas meu pai, quando percebia que eu estava traçando um caminho, se retirava de forma a dar espaço para meu crescimento. E ao longo do meu tempo de escritório eu sempre trabalhei mais com o Gasperini do que com meu pai, até para criar um distanciamento, ter um nível de relação menos familiar." Hoje Roberto procura relembrar essas experiências ao encarar o outro lado da história. Seus dois filhos também estão no escritório, um como arquiteto, outro na parte administrativa.

Nos últimos anos, Roberto ajudou a fundar duas associações de bairro - uma fica na região da Vila Olímpia, na qual atua em nome do escritório; outra, próxima ao Ibirapuera, que defende a vizinhança onde mora. "Preocupamo-nos com arborização, calçadas, iluminação, trânsito, lixo, questões de segurança", enumera. "Arquitetos são antenas de certas questões urbanas. E é importante exercer essa função."

Isso, acredita ele, foi importante nos debates que precederam a criação da Lei Cidade Limpa - que proíbe publicidade exterior na cidade de São Paulo e disciplina os letreiros em fachadas do comércio. "Foi um projeto radical e perfeito", define. "Resgatou a autoestima do paulistano ao valorizar a arquitetura e o ambiente urbano." Uma evolução seria a implementação de sua ideia para deixar São Paulo mais bonita: fios subterrâneos em toda a cidade. "Deixaria os prédios sem nenhuma interferência, com uma harmonia indescritível", defende. "Hoje você tem os postes, transformadores pendurados, gambiarras de fios... A arquitetura dos prédios fica como um rádio com interferência."


Quinta-feira, 29 de outubro de 2009

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