24 de jun. de 2009

A contista que torna o real ficção

PAULISTÂNIA
Beatriz Bracher levou para a literatura toda a confusão do caso Isabella

"A aglommeração cresce em frente à delegacia. O crime aconteceu há duas semanas, a pequena Annabella, 6 anos, foi jogada do 6º andar do edifício Villa Londdon, na Vila Mazzei, Zona Norte da cidade de São Paulo." Assim começa o conto Cloc, Clac (crianças, a cidade e a sala), um dos 19 que integram o livro Meu Amor, lançado recentemente pela Editora 34. Não há como não se lembrar do caso de Isabella Nardoni, morta em março do ano passado. Toda a confusão que se seguiu e as informações desencontradas e repetidas são trazidas à tona pela escritora Beatriz Bracher (Por isso, aliás, palavras aparecem grafadas com letras duplicadas. "Com a repetição, esse caos e cacofonia ficam mais intensos aos leitores", explica).

Não foi a primeira vez que a cidade serviu como pano de fundo para a paulistana Beatriz. Em Raza, conto publicado originalmente na revista Bravo! em 2004, ela provoca uma reflexão sobre a periferia. "Um lugar cheio de desambição, descontinuidade da fala, violência e prostituição", comenta.

Sua relação com a cidade é umbilical. Nascida em 1961 no bairro de Pinheiros, ela se mudou para o vizinho Alto de Pinheiros três anos depois. Ali morou até se casar, aos 17 anos. Então viveu por três anos no Jardim Paulistano, de onde se mudou para o Rio de Janeiro. Quando se separou, em 1994, começou a pensar em voltar para São Paulo. Comprou uma casa em Alto de Pinheiros no ano seguinte e para lá voltou em 1996, onde vive até hoje - com o segundo marido, o economista Roberto Perosa.

Nesse meio tempo, foi uma das fundadoras da Editora 34, na qual trabalhou de 1992 a 2000. "Pessoalmente, eu achava que não tinha para onde ir além daquilo", conta, sobre sua saída. Tirou um ano sabático antes de vender suas cotas, em 2002. "Foi quando um amigo (o artista plástico Carlito Carvalhosa) me falou que eu precisava ter um projeto, ao tirar um ano sabático. E surgiu a ideia de escrever", lembra.

Escrever não era propriamente novidade para Beatriz. Ela admite que, na juventude, costumava botar no papel "uma coisa ou outra", mas nunca houve a intenção de publicar. "Quando me desliguei da editora, passei a me dedicar só a escrever", compara. Foi então que começaram a brotar suas obras: Azul e Dura (2002), Não Falei (2004), Antonio (2007), além do já citado Meu Amor.

E é agora, nove anos depois de sua decisão, que ela experimenta a maturidade literária, consagrada após arrebatar importantes prêmios. Em 2008, seu terceiro romance, Antonio, ficou em segundo no Portugal Telecom de Literatura, terceiro no Jabuti - categoria melhor romance -, e acabou finalista do São Paulo de Literatura. "Não esperava ganhar os prêmios. Foi algo que me confundiu. Fiquei muito alegre, mas minha cabeça se desorganizou um pouco", revela. "Há algo meio barulhento, um certo medo de achar que cheguei a algum lugar. Em literatura você não chega a lugar nenhum. Tem de começar do início a cada novo livro, é preciso se controlar para não ficar besta."

Para manter o controle, Beatriz segue um método: escrever diariamente, das 9h às 13h, desconectada do mundo. Telefone fora do gancho, porta fechada, silêncio. "Só consigo desta maneira", garante. Para conseguir essa tranquilidade, a escritora alugava uma casa no bairro de Pinheiros, a poucos minutos da sua, e a utilizava apenas para trabalhar. Ia de bicicleta. No ano passado, acabou comprando outra, próxima, e começou uma reforma para transformá-la em seu ambiente de trabalho. Deve ficar pronta em agosto.

A bicicleta não é a única atividade atlética de Beatriz. Três vezes por semana, ela costuma correr durante uma hora, seja pelas ruas de seu bairro, seja no Parque Villa-Lobos, ali próximo. "Participo até de competições de rua", conta. A última foi no dia 10 de maio. "Fiz os 10 km em 1h02", conta.

Profundamente identificada com o bairro onde passou a maior parte de sua vida, em 2001 ela decidiu adotar a Praça Conde de Barcelos, a 200 metros de sua casa. Com a ajuda de vizinhos, banca os cerca de R$ 2,1 mil mensais necessários para mantê-la. "Cada um paga o quanto acha que deve", diz. Há três anos, se tornou parceira na manutenção do jardim da Biblioteca Álvaro Guerra, também próxima dali. Com isso, gasta R$ 800 por mês.

Dois meses atrás, Beatriz se tornou vice-presidente do Instituto de Arte Contemporânea (IAC). "Envolvi-me porque desejo um centro de estudo, pesquisa e divulgação de artistas contemporâneos", explica ela - que, a propósito, é irmã da artista plástica Elisa Bracher.

Após premiações literárias, aumentaram os convites para participar de eventos da área, como o Festival da Mantiqueira, ocorrido entre 29 e 31 de maio, em São Francisco Xavier. "É muito legal o contato com o leitor, principalmente quando ele passa a sensação que teve quando leu o livro", acredita.


Domingo, 7 de junho de 2009

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