30 de jun. de 2009

Entre 12 milhões de toneladas de alimento por mês

COMPORTAMENTO
Do administrador de apenas 18 anos ao herdeiro do sanduíche de mortadela, histórias dos mercadões paulistanos

Em busca de variedade de produtos e, muitas vezes, de atendimento personalizado, todos os meses cerca de 1,4 milhão de pessoas circulam pelos 15 mercados municipais paulistanos. Elas têm à disposição um total de 681 boxes com quase tudo o que se pode imaginar: de frutas exóticas como pitaia, abiu, magostiam e rambutã a queijos de todos os tipos; de lanches caprichados a carnes variadas; de sementes de alecrim a peixes frescos. Tamanha oferta tem procura, como prova o balanço mensal dos mercados. Somados, eles vendem 12 milhões de toneladas de alimentos por mês.

A fatia mais opulenta dessa numeralha fica com o Mercado Paulistano, o famoso e tradicional Mercadão, da Rua da Cantareira - cujos dados, aliás, são registrados juntamente com o vizinho, o Mercado Kinjo Yamato, construído para ser um entreposto de verduras complementar ao Mercadão. Mais antigo em funcionamento na cidade, foi projetado por Ramos de Azevedo em 1926 e erguido sete anos depois. Por seus 12,6 mil m² circulam, mensalmente, 600 mil clientes, atendidos pelos 1,6 mil funcionários que trabalham ali e comercializam, juntos, 10,5 milhões de toneladas de alimento por mês.

Presente no Mercadão desde a inauguração, o boxe Queijos Roni é quase um patrimônio histórico. A tradição da família no ramo vem de longe. "Começou com meu bisavô em 1889, quando ele deixou a Calábria, na Itália, para se fixar no Brasil, onde passou a fabricar queijos", relata Roque Tadeu Peta, o Roni, de 54 anos, engenheiro civil de formação que há 22 anos decidiu largar diploma e carreira para tocar o empreendimento da família. "Quando meus avós começaram a trabalhar aqui no mercado, a ricota era embalada em folha de bananeira e a manteiga ficava em tambor, vendida a granel."

A poucos metros de seu boxe fica outro pioneiro: o Bar do Mané, hoje administrado por Marco Antonio Loureiro, de 52 anos, neto do fundador. Ali nasceu o famoso lanche de mortadela, reproduzido por diversos outros boxes deste e de outros mercados da capital. "O bar servia para atender os atacadistas que vinham comprar alimentos no mercado", afirma. "Era uma coisa simples e rápida." Os lanches de mortadela começaram a ficar conhecidos nos anos 60. Marco conta que, atualmente, são vendidas ali cerca de 600 unidades por dia (R$ 9 cada, com aproximadamente 300 gramas de mortadela). Recentemente, ele fez uma reforma em seu boxe, ampliando o espaço. "Agora pretendo dobrar a venda."

O segundo mercado mais movimentado da cidade é o da Lapa, que recebe nos 95 boxes 200 mil clientes por mês. Ali são comercializadas, mensalmente, 380 mil toneladas de alimento. Mesmo em meio a tamanho corre-corre, Silvio Yoiti Katsuragi, o dono da Peixaria São José da Lapa, encontra tempo para um hobby: os peixes (vivos!). Ele cuida de dois aquários - de 800 litros cada, um com 4 pacus e outro com 30 kinguios - que decoram um dos corredores do mercado. "Foi uma tentativa, há mais de dez anos, de vender peixes vivos, para quem quisesse assim", revela. "Mas a vigilância sanitária não permitiu. Então decidi dar às crianças a oportunidade de apreciarem um aquário." Aquarismo, aliás, é uma paixão do empresário, formado em Administração e Direito. Ele também mantém um aquário de mil litros, com carpas, no escritório, e outro, de 90 litros, com kinguios, em casa.

Não muito longe está a memória viva do Mercado da Lapa: Salvador Falabella, de 80 anos, que trabalha ali, no mesmo local, há 45. Ele é o dono da Tabacaria Falabella, loja de fumos fundada pelo pai, Pedro - e que hoje é dividida com o filho, Fabio, de 35 anos. "Olha, eu vi isso aqui mudar muito. Acredito que hoje o público é menor, pois o mercado sofre a concorrência dos supermercados, que existem em todos os lugares", comenta. "Mas o cliente que vem aqui é diferente: gosta de conversar, perguntar..."

Em termos de experiência, ele é exatamente o avesso do administrador Bruno Gomes Marcos, que toca o Empório Flor da Lapa há seis meses. Suas feições denunciam a pouca idade: apenas 18 anos. "Quando completei 18, minha mãe não queria mais que eu ficasse vagabundeando em casa e comecei a gerenciar o boxe, que é um negócio da minha família", diz ele, que cursa o 1º ano de Administração na Pontifícia Universidade Católica (PUC) e, como bom descendente de lusitanos, torce para a Portuguesa. "Mas também para o Palmeiras", divide-se.

LIVROS USADOS E QUADROS
Os mercados da periferia são bastante semelhantes, tanto pela diversidade como pelos personagens. Além de alimentos, no de Guaianases, aberto em 1989, é possível encontrar livros usados e uma espécie de ateliê de arte. Uma das 36 lojas dali é a Book Box, um sebo de livros com cerca de 6 mil volumes. "Meu pai, Juraci, trabalha com livro há 20 anos", conta Jonathan Alves Cavalcanti, de 21 anos, que toca o negócio. "Ele tinha uma banquinha perto da Estação São Miguel (em São Miguel Paulista). Então pensou em entrar no mercado de lá, em 2006." Deu certo e o sebo virou rede, com uma loja (de rua) no Itaim Paulista e, desde novembro, o boxe do Mercado de Guaianases. E, criado assim no meio dos livros, ele gosta de ler? "Sim. Leio de dois a quatro livros por mês, principalmente os de aventura", garante, citando como autores prediletos o americano Sidney Sheldon (1917-2007) e a britânica Agatha Christie (1890-1976).

Com telas que variam de R$ 18 a R$ 200 - "Às vezes a gente 'negoceia' porque precisa levar o sustento para casa", frisa -, o artista plástico Silvio da Silva Junior, de 57 anos, faz do corredor o seu estúdio. Autodidata, conta que desde criança gosta de desenhar. Há 12 anos, começou a pintar com óleo sobre tela. Já foi metalúrgico, torneiro mecânico e vendedor ambulante. "Passei a viver de quadros há três anos", lembra. "O poder aquisitivo aqui na região é baixo. Já cheguei a ficar um mês sem vender obra nenhuma." Ele prefere pintar animais, imagens sacras e paisagens, "mas faço de tudo porque trabalho com encomenda também".

Domingo, 14 de junho de 2009

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