8 de dez. de 2008

Escolas high-tech

EDUCAÇÃO
Equipamentos digitais e interativos, como simuladores de realidade virtuale robôs, são cada vez mais utilizados por colégios paulistanos e ameaçamdecretar a aposentadoria dogiz e da lousa convencional

Antes de ir para a escola, os adolescentes Rudolf e Christian, de 16 anos, colocam na mochila cadernos, lápis, borracha e um laptop. Isso mesmo, laptop. Enquanto os professores falam sobre química orgânica, Revolução Francesa ou citologia, eles ficam o tempo todo conectados à internet. Fazem pesquisas, visitam sites relacionados à aula e, claro, batem papo com colegas via MSN Messenger (programa de mensagens instantâneas). Isabela, 14 anos, aprende geografia sobrevoando o Brasil graças a óculos 3D e simuladores de realidade virtual. Ela sente as nuances do relevo e observa as diferenças entre os diversos tipos de vegetação existentes no país. Já para Guilherme, também de 14 anos, a grande atração de sua escola é o observatório astronômico, com o qual descobre os segredos do universo. O uso de computadores e afins na sala de aula começou tímido nos anos 80, consolidou-se no fim da década seguinte e virou uma verdadeira obsessão neste início do século XXI. "A tecnologia torna o ato de aprender mais prazeroso e interativo, estimulando a criatividade dos estudantes", afirma a consultora educacional Andrea Ramal, autora do livro Educação na Cibercultura.

A lousa digital é uma das atrações dessa nova era de ensino. Trata-se de uma tela ligada a um computador na qual o professor pode apresentar o conteúdo das aulas de forma multimídia, utilizando vídeos, textos, imagens e sites. Uma caneta especial faz as funções de mouse. Estima-se que em São Paulo haja 500 lousas digitais – no país, elas não chegam a 1 000 –, em mais de 100 instituições de ensino. Cada uma custa cerca de 10 000 reais. Bandeirantes, Cidade de S. Paulo, Dante Alighieri, Etapa, Graduada, I.L. Peretz, Magno, Miguel de Cervantes, Objetivo, Pentágono, Pueri Domus, Rio Branco, Santo Américo e Visconde de Porto Seguro são algumas das escolas particulares paulistanas que têm o equipamento em suas unidades. O Bandeirantes começou a instalá-lo há quatro anos. Atualmente, há uma lousa digital em 40% de suas salas.

Mas não é só por meio desse instrumento que os alunos modernos aprendem. Aula de robótica se tornou comum, seja na grade curricular, seja como disciplina optativa. Utilizando peças semelhantes às do jogo Lego, pequenos motores, roldanas e engrenagens, os estudantes criam engenhocas que se movem e realizam funções como levantar um peso amarrado a um barbante, ultrapassar obstáculos ou empurrar uma bola. Os jovens projetistas determinam os movimentos a serem executados em um programa de computador. No Colégio Magno, alunos aprendem, sob a orientação de um astrônomo, a analisar as estrelas com a ajuda de telescópio. "Uma aula de química pode ser bem mais interessante se, a partir da cor dos astros, estimularmos os estudantes a identificar os gases de sua composição", diz o coordenador Sérgio Maciel.

Engenhosos aparelhos são a principal vitrine tecnológica da rede Objetivo. Softwares educativos associados a estruturas que simulam um tapete voador fazem com que o estudante "viaje" pelo mundo e observe o ciclo da água, as variações de vegetação e as diferenças geográficas entre os países. "Com a realidade virtual, colocamos o conteúdo didático no 'sonho' dos alunos, fazendo com que eles adquiram o conhecimento de dentro para fora", explica Almir Brandão, diretor de tecnologia do Objetivo e um dos mentores dos equipamentos. Outra vedete é o Viajante Virtual, um caminhão adaptado para levar as turmas, munidas de óculos 3D, a "tours espaciais" ou "passeios de montanha-russa".

Os avanços trilham caminhos diferentes, mas algo parece ser comum a todos os colégios: a internet se firmou como aliada no processo de aprendizado. No Santo Américo, freqüentemente a garotada utiliza laptops, aproveitando a conexão sem fio disponibilizada em todos os cantos, do pátio às salas de aula. A Graduada tem dois laboratórios com vinte computadores portáteis cada um, que são utilizados pelas salas de aula de acordo com a necessidade. No Dante Alighieri, foi criado um ambiente de ensino a distância, on-line, já utilizado por 35 de seus 223 professores. Lá os alunos encontram conteúdos complementares aos das aulas e participam de sessões de tira-dúvidas e enquetes. De acordo com a atividade, os estudantes também escrevem em sites e blogs. É exatamente no uso da internet que os cuidados devem ser redobrados. Se o aluno criar uma comunidade difamatória no site de relacionamentos Orkut ou lançar calúnias em um blog a partir de um dos computadores do colégio, por exemplo, a instituição pode responder pelos crimes judicialmente. "O mau uso da tecnologia traz grandes riscos e conseqüências para a escola e para os pais", afirma a advogada Patricia Peck, especialista em direito digital.

Algumas inovações enfrentam resistência dos professores, seja por acharem que podem "emburrecer" os alunos, seja por dificuldade de adaptação. A solução, segundo o diretor de tecnologia do Bandeirantes, Sérgio Boggio, está no treinamento. "Os professores precisam se sentir seguros para utilizar os recursos, sem medo de falhar", afirma. Segundo dados da Escola do Futuro, núcleo da Universidade de São Paulo que pesquisa novas tecnologias na educação, é preciso investir em capacitação uma vez e meia o valor gasto com aparelhagem. E há quem ainda não confie totalmente no uso dos computadores. "Um dos maiores problemas do ensino é o fato de ele ser excessivamente abstrato", aponta Valdemar Setzer, professor do departamento de ciências da computação da Universidade de São Paulo e autor do livro Meios Eletrônicos e Educação: uma Visão Alternativa. "Qualquer tecnologia irá torná-lo mais abstrato ainda." Para ele, os colégios investem em equipamentos por puro marketing, na expectativa de atrair mais alunos. Setzer acredita que os computadores podem causar prejuízos ao desenvolvimento físico, intelectual e psíquico das crianças. Acostumadas a estar a um clique de tudo, elas assumiriam posturas imediatistas e, em casos extremos, se isolariam do convívio social. Como antídoto, o professor sugere aulas de arte e artesanato para desenvolver a imaginação. Afinal, se as coisas continuarem nesse ritmo, logo, logo a criançada só vai se comunicar via MSN Messenger.


Manual de instruções
Algumas regras imprescindíveis à boa utilização da tecnologia em sala de aula

• A escola não pode permitir que as tecnologias estejam acima das relações interpessoais.
• Cada aluno deve ter uma senha de acesso aos computadores. Isso garante a segurança tanto do usuário quanto da escola.
• A navegação pela internet precisa ser monitorada por programas que bloqueiam sites indevidos (conteúdo pornográfico, jogos e salas de bate-papo).
• Cabe ao professor sempre orientar o trabalho. Se sua instrução for apenas a de "procurar em sites", o aluno tem grande possibilidade de se perder no emaranhado da internet.
• Aulas de informática e robótica devem ser equilibradas, na grade curricular, com as de cunho artístico e humanístico.
• Os livros impressos não podem ser substituídos totalmente pelo conteúdo digital. Especialistas acreditam que a fragmentação e a velocidade das novas mídias causam indisciplina mental, diminuindo o poder de concentração.
• A internet ainda é vista como terra de ninguém. Por isso, a prática do bullying (intimidar, atormentar e ofender colegas) é comum em comunidades do Orkut e blogs de adolescentes. É papel da escola conscientizar os alunos.
• É necessário que o colégio tenha uma proposta pedagógica para utilizar as novas tecnologias. Do contrário, o que se verá é apenas um modismo.


Quarta-feira, 3 de maio de 2006

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