13 de dez. de 2008

O piloto das antigas

PAULISTÂNIA
Bird Clemente lança livro com suas aventuras em Interlagos

Prestes a completar 71 anos - seu aniversário é no dia 23 de dezembro -, o ex-piloto paulistano Bird Clemente sente-se no alto do pódio. “Esse pessoal da internet fica articulando um monte de coisa para cultivar a imagem dos carros antigos”, comenta. “Pô, a gente se envolve por todo esse clima.” Não é para menos. No início do mês, o piloto das antigas foi homenageado pela revista especializada Racing com o prêmio “Capacete de Ouro”, o Oscar do automobilismo nacional, em reconhecimento pelos mais de 50 anos dedicados ao esporte. E na última segunda lançou seu Entre Ases e Reis de Interlagos, um saboroso livro com histórias e fotos de um tempo em que ser piloto era quase romântico. “Sou de uma época em que não tinha a segurança e a organização de hoje em dia”, lembra. “Não usávamos cinto de segurança e nem um algodãozinho no ouvido.” Seqüela das décadas de motores barulhentos, o ouvido esquerdo de Bird não funciona bem, aliás.

Como gosta de lembrar, o interesse pelo automobilismo foi herdado do pai. Argentino, Francisco Clemente era fã das corridas e acompanhou com admiração a carreira de seu conterrâneo Juan Manuel Fangio, pentacampeão mundial de Fórmula 1. “Papai comprou um rádio potente, o Zenith Transoceanic, para ouvirmos as transmissões das provas”, lembra.

Tão logo tirou a carteira de motorista, Bird resolveu se tornar piloto também. Aos 20 anos, com um Fiat Millecento disputou a terceira edição das Mil Milhas Brasileiras. Uma quase estréia, já que o carro quebrou nas primeiras voltas. Foi somente o primeiro dos 82 desafios de sua carreira - 45 deles em Interlagos. “Devo ser o piloto que mais correu nesse autódromo”, acredita.

A época era de puro amadorismo. “Ninguém se dedicava integralmente às pistas”, afirma. “Eu me dividia entre as corridas e o trabalho com meu pai, em uma indústria do ramo de papel.” No final do anos 1950, quando a indústria de carros Vemag montou seu departamento de competição, Bird passou a integrá-lo. Não recebia salário, mas gozava do privilégio de sempre ter carro novo, para uso particular, bancado pela empresa. Ficou lá até 1963. Saiu porque recebeu um tentador convite para mudar de time.

O projeto da Willys lhe pareceu muito interessante. Para levá-lo, a montadora ofereceu algo inédito aos competidores da época: salário. Era cinco vezes mais do que ele ganhava na firma de seu pai. “A partir daí, os pilotos passaram a ser mais reconhecidos no Brasil”, frisa. Na Willys, teve companheiros que se tornariam famosos na Fórmula 1, como o bicampeão Emerson Fittipaldi, seu irmão Wilsinho e José Carlos Pace, o Moco - que posteriormente emprestaria seu nome ao Autódromo de Interlagos.

Quando não havia corrida, eles faziam o que apelidaram de “cirquinho”. “Eram demonstrações de desempenho e habilidade pelo País todo, uma espécie de show sobre rodas”, conta. Encantavam o público com manobras pelas ruas das cidades, divulgando a marca e promovendo as vendas dos carros.

Em maio de 1970, dividindo um Opala com seu irmão, Nilson, venceu as 24 Horas de Interlagos. Três anos depois, também ao lado de Nilson, mas desta vez no comando de um Ford Maverick, conquistou três provas no autódromo paulistano: as 25 Horas, em agosto; os 500 Quilômetros, em setembro; e as Mil Milhas, em dezembro. Em maio do ano seguinte, nas 25 Horas de Interlagos, encerrou sua carreira. “Acabei batendo no começo e não conclui a prova.”

Nascido na Barra Funda, Bird já morou no Pacaembu e em Higienópolis. Há 30 anos vive em um condomínio na Granja Viana, em Cotia, Grande São Paulo. Ali, nada de ronco de possantes automóveis. Na companhia da mãe - uma lúcida e simpática senhora de 96 anos -, da segunda mulher, e de um de seus quatro filhos, o que ele mais ouve são canários, pintassilgos, sabiás, tucanos e o saltitar suave dos dois coelhos de estimação que não param quietos no espaçoso quintal.

Quando sai pelas ruas - tem um Astra e um Corolla, mas seu xodó é um Fusca ano 1967 totalmente original, presente de um amigo - reconhece que não conta com a mesma habilidade de antes. “Não tenho vergonha nenhuma de dizer que meus reflexos estão adormecidos”, diz. “Por causa da idade, não sinto mais prazer em manejar um carro. É difícil conseguir prestar atenção em várias coisas ao mesmo tempo.”

Além do pesado fluxo de carros, Bird destaca um problema do trânsito paulistano que não existia em sua juventude: os motoboys. “Eles fazem uma arruaça nas ruas, mas são necessários. É preciso acabar com a hipocrisia”, afirma. O ex-piloto defende iniciativas como a faixa exclusiva para motos da Avenida Sumaré. “São necessários espaços para que os motoboys circulem, sem ter de ficar costurando entre os carros”, explica. “Mas os problemas de trânsito não se resolvem com marketing. E, sim, com engenharia, com projetos.”

E de onde vem o nome Bird, que ele mesmo concorda que muitos não entendem, muitos pensam que é apelido? “Meu pai era admirador de um famoso oficial da Marinha dos Estados Unidos, o almirante Richard Evelyn Byrd, um dos conquistadores dos pólos. Trocou o ‘y’ pelo ‘i’”, explica. “Ele queria que eu tivesse um nome curto e sem igual, porque achava que eu iria ser um cara diferente.”

Tornou-se um dos precursores do automobilismo nacional, representante de uma época anterior ao glamour vivido por Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet, Ayrton Senna e - por que não? - Felipe Massa. “Antes, o automobilismo era tupiniquim. Os astros éramos nós. Eu fui um piloto tupiniquim, da elite do automobilismo brasileiro”, orgulha-se.


Domingo, 23 novembro de 2008

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