18 de fev. de 2009

Uma balsa. Dentro de São Paulo

A embarcação que faz a travessia entre o Grajaú e a Ilha do Bororé leva pedestres, carros, charretes e até ônibus
SÃO PAULO 455 ANOS

Se São Paulo se tornou conhecida pelo caos urbano, pela modernidade e pelo alvoroço constante de seus cidadãos, os arredores da Ilha do Bororé mais se assemelham a uma cidadezinha do interior. Apesar do nome, se trata de uma península incrustada na Represa Billings, zona sul paulistana. Para chegar até lá, o acesso mais fácil é via balsa pela represa, a partir do bairro do Grajaú. A travessia ocorre 24 horas por dia e não custa nada – quem banca é a Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae), vinculada ao governo estadual.

Em média, todos os dias são transportados pela balsa 1.600 passageiros e 1.900 veículos. A estudante de Direito Mariana Santos Chaves, de 20 anos, passa constantemente por ali. “A vida inteira”, conta ela, que nasceu na região e, filha de artesãos, sempre morou na primeira chácara da Ilha do Bororé, a poucos metros do desembarque da balsa. “O lugar é bonito, mas de difícil acesso”, reclama. “E, nos fins de semana, vem gente de todo tipo. É muita bagunça.”

Mas tem quem goste do movimento turístico da Ilha, cheia de chácaras de descanso e lazer. É o caso dos proprietários dos barzinhos e barraquinhas que funcionam no fim da Avenida Dona Belmira Marin, próximo do embarque para quem chega do Grajaú. “Quando aparece mais gente na Ilha, forma fila aqui para esperar a balsa. Daí a gente acaba vendendo mais”, relata o maranhense Francisco Leite, de 59 anos, que adotou São Paulo e há 11 tem uma vendinha ali. A sua é a “Barraca do Bigode”, a poucos metros do “Bar do Barba”. “Tem umas 30 e tantas barracas”, conta o comerciante, em cujo cardápio constam espetinho de camarão a R$ 2 e de peixe a R$ 1,50.

Os peixes do “Bigode” não vêm da represa. “Compro na feira ou em uma peixaria lá de Santo Amaro”, diz. Já os que o aposentado Vicente Antonio Borba, de 64 anos, come em sua casa são. Ele mora no Jardim Jobá, na zona sul, próximo de Taboão da Serra, e há 20 anos costuma pescar na Billings. Desde 1998, quando se aposentou – era preparador de máquinas de uma empresa –, fez do hobby quase uma obrigação. “Venho todos os dias e fico aqui das 7 às 13 horas. Não saio sem uns seis quilos de tilápias”, garante, com a água na altura das canelas. E prova que não é papo de pescador: mostra para a reportagem o balaio cheio. Para quem toma quatro ônibus e gasta uma hora e meia por dia para chegar à pescaria, o resultado precisa mesmo valer a pena.

A balsa faz cerca de 255 viagens diárias – que levam 5 minutos cada uma. Só para nas madrugadas de quinta-feira, geralmente entre 1 hora e 2h30, quando são realizados serviços rotineiros de manutenção. Trabalham ali nove funcionários, em revezamento. Um é o mestre fluvial Selmo Pereira Couto, de 32 anos, “piloto” da embarcação. “Sempre fui da região. Hoje vivo no Grajaú e meu pai mora na Ilha”, conta. Para conseguir o cargo, ele teve de tirar habilitação na Marinha – fez um curso de uma semana em Santos.

De sua cabine, Selmo apenas “dá a partida” e controla a velocidade, que fica na média dos 10 km/h. O trajeto não tem como errar, pois um cabo de aço em cada uma das extremidades laterais da embarcação, preso uma ponta na Ilha, uma ponta no Grajaú, funciona como trilho.

Nas viagens, a balsa transporta gente a pé, carros – cabem 16 veículos –, charretes, motos, bicicletas e até ônibus. Sim, os motoristas da linha 6L11 Ilha do Bororé–Terminal Grajaú têm o privilégio de descansar, de motores desligados, durante os cinco minutos de travessia da represa.

Domingo, 25 de janeiro de 2009

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